Por Jared Malsin, Dow Jones — Istambul
29/05/2023 17h05 Atualizado há 13 horas
Depois de vencer seu maior desafio eleitoral, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan volta a atenção para fixar o lugar da Turquia no mapa como uma potência global aspirante.
Nos últimos anos, Erdogan tem evocado repetidamente as lembranças do passado otomano da Turquia, inclusive durante a campanha para a votação presidencial ocorrida no domingo. Como um dos líderes islâmicos mais proeminentes do mundo, tem competido com a Arábia Saudita e o Irã pelo domínio da comunidade muçulmana mundial. Erdogan também trabalhou para ampliar a influência política da Turquia em todo o Oriente Médio e na Ásia Central, construiu sua indústria de armas e desempenhou um papel fundamental na crise que envolveu a invasão da Ucrânia pela Rússia e as guerras na Síria, no Iraque e na Líbia.
Agora, quando Erdogan iniciar sua terceira década de governo, o mundo terá que lidar com uma figura imprevisível que, depois de sobreviver a uma tentativa de golpe e a várias crises no país, se sentiu à vontade para extrair concessões tanto de aliados quanto de adversários, enquanto se concentra em garantir seu próprio legado.
“Ele continuará a ser totalmente transacionalista. Negócios como sempre”, disse Soner Cagaptay, autor de vários livros sobre Erdogan e diretor do Programa de Pesquisa Turca do Washington Institute for Near East Policy.
A história parece pesar na mente de Erdogan. Ele revisitou o tema da glória imperial em um discurso desafiador para um mar de apoiadores animados no terreno do palácio presidencial em Ancara, depois de garantir a vitória eleitoral na noite de domingo, observando que o dia de hoje marca o aniversário da conquista do que era então Constantinopla em 1453 e traçando uma linha de continuidade do passado para a nova proeminência da Turquia no cenário mundial.
“Amanhã marcaremos a conquista de Istambul mais uma vez. Como é belo o comandante e como são belos seus soldados, como diz o ditado. Eu vejo todos vocês como filhos e filhas desses ancestrais”, disse ele. “Essas eleições serão registradas como um ponto de virada na história”.
Erdogan transformou o Estado à sua imagem ao longo de 20 anos no poder, prendendo oponentes e ampliando a influência de seu partido sobre o sistema judiciário, a mídia e o Banco Central, ao mesmo tempo em que pressionou para que o país fosse conhecido internacionalmente como Turkiye.
O presidente de 69 anos também precisa lidar com um problema com relação à sucessão. Enfrentando um limite constitucional, ele deve renunciar após seu novo mandato de cinco anos ou encontrar uma solução alternativa para permanecer no poder. Erdogan solicitou emendas à Constituição durante seu novo mandato, mas não disse se essas emendas incluiriam uma medida que lhe permitiria permanecer no cargo.
O líder turco tem repetidamente abordado temas de ressentimento contra o Ocidente e provocado uma guerra cultural dentro da Turquia, acusando seus oponentes de serem grupos “pró-LGBT” que se aliaram a “terroristas”, enquanto trabalha para afastar uma coalizão de oposição impulsionada pelos problemas econômicos da Turquia e pelos erros do governo após os terremotos de fevereiro.
Mas consolidar a visão de Erdogan da Turquia como uma grande potência será difícil, dizem os analistas políticos. Os mesmos problemas que, por um breve período, animaram seus oponentes – uma moeda em queda e uma das mais altas taxas de inflação de qualquer economia importante – limitam sua margem de manobra e mostram sinais de piora, com a lira caindo para outro recorde de baixa em relação ao dólar na segunda-feira.
No topo de sua agenda estará o enfrentamento de um impasse nas relações com os aliados ocidentais sobre a disposição de fazer negócios com a Rússia e a defesa do que ele considera os interesses de longo prazo da Turquia.
Erdogan, às vezes, frustrou os líderes americanos e europeus por aprofundar os laços econômicos com Moscou, aceitando bilhões de dólares em dinheiro russo que ajudaram a evitar que a economia turca caísse em insolvência, ao mesmo tempo em que vendia drones e outras armas cruciais para a Ucrânia e impedia a entrada de navios de guerra russos no Mar Negro.
Em particular, o relacionamento próximo de Erdogan com o presidente russo Vladimir Putin levantou preocupações no Ocidente de que a Turquia esteja ajudando as tentativas da Rússia de sair da “camisa de força” das sanções impostas desde o início da guerra.
As nações ocidentais também temem que Erdogan esteja semeando a desunião na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da qual a Turquia é membro desde a década de 1950. Erdogan está atualmente bloqueando a adesão da Suécia à aliança devido a preocupações com supostos militantes curdos que vivem no país. A questão surgiu no centro de um emaranhado de questões que causam tensão com Washington e outras potências ocidentais. O governo de Joe Biden condicionou a venda de US$ 20 bilhões de uma frota de aviões de guerra F-16 para a Turquia ao fato de Erdogan concordar em permitir a entrada da Suécia na Otan, enquanto outros membros importantes devem pressionar a Turquia a concordar com a expansão da aliança antes de uma cúpula prevista para julho.
“Estamos em um impasse, mas isso não é sustentável. É preciso haver um diálogo para dar início às relações com a União Europeia e com os EUA”, disse Gulru Gezer, ex-diplomata turco sênior que serviu na Rússia e nos EUA durante o mandato de Erdogan.
A disputa sobre a expansão da Otan pode ser difícil de resolver. Erdogan fez da luta da Turquia contra os separatistas curdos no sudeste do país um ponto central de sua campanha eleitoral. Em seu discurso no palácio presidencial nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira, novamente dirigiu ofensas aos “terroristas”, enquanto seus partidários gritavam pela execução de um líder curdo preso.
O maior desafio de Erdogan será conciliar suas ambições globais com os problemas financeiros de seu país.
Os ativos estrangeiros da Turquia estão no vermelho depois de anos em que o país gastou dezenas de bilhões de dólares para sustentar a lira turca. A moeda local perdeu quase 80% de seu valor em relação ao dólar nos últimos cinco anos, pois Erdogan pressionou o Banco Central a reduzir as taxas de juros, apesar da alta inflação – o oposto do que fazem os bancos centrais em todo o mundo. Ele prometeu manter sua abordagem pouco ortodoxa, que, segundo ele, foi projetada para estimular o crescimento econômico e garantir um alto nível de emprego.
A necessidade de moeda estrangeira da Turquia aumentou a dependência de Erdogan da Rússia e dos países do Golfo. Moscou enviou à Turquia cerca de US$ 15 bilhões no ano passado para a construção de uma usina nuclear e adiou os pagamentos turcos pelo gás natural que poderiam chegar a bilhões de dólares, proporcionando o alívio necessário às finanças do país.
No Oriente Médio, Erdogan recentemente restabeleceu laços com uma série de rivais de longa data em um esforço para acabar com anos de tensões resultantes de seu apoio a muitas das revoltas da Primavera Árabe de 2011.
O restabelecimento destes laços é uma grande reviravolta para o presidente turco, que buscou ampliar sua influência apoiando rebeliões em toda a região e se envolveu em uma amarga disputa com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, a quem acusou de orquestrar o assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi em Istambul.
Ao restabelecer as relações com a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Egito e Israel, Erdogan espera aliviar um pouco o isolamento da Turquia na região e a escassez de moeda estrangeira em seu país. No início de maio, Erdogan agradeceu aos países do Golfo por terem enviado à Turquia uma quantia não especificada de dinheiro para ajudar a estabilizar o sistema bancário nacional.
Mas, o dinheiro proveniente da Rússia e do Golfo não serão suficientes para socorrer a economia da Turquia, de aproximadamente US$ 900 bilhões, a 19ª maior do mundo, segundo economistas. A Arábia Saudita disse que depositou US$ 5 bilhões no Banco Central da Turquia em março.
“Ele não tem uma solução racional para esses problemas. Ele estará em apuros após as eleições. Ele não tem um programa claro para lidar com isso”, disse Ilhan Uzgel, analista e ex-presidente do departamento de relações internacionais da Universidade de Ancara.
Para os apoiadores de longa data de Erdogan, o orgulho pelo lugar reordenado da Turquia no mundo supera, em muito, qualquer preocupação com o estado das finanças do país.
“Vemos o que ele fez por nós, as pontes, as estradas, a indústria de defesa nacional”, disse Refika Yardimci, uma dona de casa que votou em Istambul no domingo.
Yardimci também destacou a decisão de Erdogan, em 2020, de transformar a Hagia Sophia, uma antiga catedral bizantina, em uma mesquita, seguindo os antigos sultões otomanos. A cúpula de pedra do edifício está entre os marcos mais conhecidos de Istambul, situada no topo de uma colina com vista para o Bósforo, o estreito que divide a Ásia da Europa.
“Isso é muito importante para nós”, disse Yardimci. “Anteriormente, nosso país estava em um buraco. Com sua postura decisiva, ele ajudou a Turquia a se reerguer”.
Fonte: Valor Econômico

