Principal ponto de discórdia é a remuneração do doador de plasma, prática que é proibida pela Constituição
Por Lucas Ferraz — De São Paulo
15/05/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
Para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a PEC do Plasma precisa ser pautada pelo presidente da comissão, David Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos signatários da proposta inicial que foi modificada para permitir a remuneração ao doador, principal ponto de discórdia.
“Há uma pressão forte e muito lobby dos deputados para a matéria ser votada já e ir para a Câmara”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE), referindo-se à outra casa legislativa que também precisará votar a proposta caso ela prospere.
A relatora da PEC, Daniella Ribeiro (PSD-PB), é uma senadora que nunca atuou antes em temas voltados para a área da saúde. Chamou a atenção dos pares a sua postura: Ribeiro não participou de uma audiência pública realizada no Senado em meados de abril para discutir o tema. Quem conduziu a audiência foi a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), contrária à remuneração ao doador e defensora da atuação do poder público no controle da doação de sangue e no processamento do plasma.
Procurada pelo Valor, Ribeiro não explicou a ausência na audiência pública nem quis comentar o porquê de incluir na PEC a remuneração ao doador. No relatório que apresentou, em março, ela diz que “o Brasil tem mais de duzentos milhões de habitantes, mas não contribui para a captação mundial de plasma”.
Nelsinho Trad, senador que é médico e o autor original da PEC, não quis, “por cortesia”, comentar as mudanças feitas na proposta pela colega. “A PEC surgiu da necessidade de se atualizar a lei e evitar o desperdício de bolsas de plasma”, disse.
O PT, por meio do seu setorial nacional da saúde, fez uma nota crítica à proposta em que questiona: “Interessa ao país que o sangue dos seus habitantes mais pobres entre no cômputo do PIB?”. O partido estranhou também o fato de a PEC surgir no momento do “efetivo desenvolvimento da Hemobrás”.
Para especialistas e representantes da iniciativa privada que acompanham o tema, falta mais debate sobre o assunto.
Entidades como a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e a Associação Brasileira dos Bancos de Sangue (ABBS) defendem a doação voluntária e gratuita de sangue como um gesto “humanitário”, mas são favoráveis ao desenvolvimento de uma indústria nacional, com a iniciativa privada, para processar o plasma. Sobretudo após o registrado na pandemia de Covid-19, quando a oferta global de medicamentos derivados do plasma diminuiu e o Brasil precisou importar remédios similares, de qualidade duvidosa, de países como China e Índia.
“A PEC virou um fla-flu, o assunto é tratado de forma muito superficial”, afirmou Dimas Tadeu Covas, professor da USP e diretor-científico da ABHH. Para o médico Paulo Tadeu Rodrigues, da ABBS, o grande problema é a “politização”. “Alguém falou lá atrás que sangue é um item de segurança nacional. E tem gente do governo que pensa isso ainda hoje”, ironizou.
Fonte: Valor Econômico