Por Financial Times
01/09/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Os chilenos votarão no domingo se adotarão ou não uma radical nova Constituição. O que está em jogo é o modelo econômico de um dos mercados emergentes mais bem-sucedidos do mundo. Os presságios não são bons.
Nos últimos 30 anos, o Chile foi amplamente mostrado como um exemplo. Os investidores adoravam seu crescimento persistente, sua legislação estável e previsível e seu governo tecnocrata. Mas os esplêndidos números da economia e de reduções da pobreza escondiam grandes defeitos. A desigualdade permanecia alta, e a saúde, educação e aposentadoria públicas, inadequadas. Uma sociedade marcada pela pouca mobilidade de classes e uma economia controlada, predominantemente, por famílias tradicionais limitavam as oportunidades para os que não tinham nascido em famílias ricas.
Manifestações estudantis eclodiram em 2006 e novamente em 2011-2013. Em outubro de 2019, a fúria da opinião pública transbordou, com semanas de manifestações. algumas violentas. A promessa do governo de formular uma Constituição para substituir a atual, da era de ditadura, contribuiu para convencer manifestantes a deixar de lado as barricadas.
Os chilenos encarregaram uma assembleia constituinte, eleita em 2021, de redigir a versão preliminar de uma nova Carta. A maioria dos cidadãos esperava que o documento preservasse a prosperidade, mas que inclinasse a balança na direção de um governo mais forte a fim de melhorar os serviços públicos e distribuir a riqueza de maneira mais justa. Isso não aconteceu.
Escolhida numa votação com baixo comparecimento de eleitores durante a pandemia, a Convenção Constitucional foi dominada pela extrema-esquerda. Uma grande facção de “independentes” se revelou ativistas radicais. O colegiado se mostrou não representativo da sociedade chilena, que é bem equilibrada entre esquerda e direita e costuma evitar extremos.
Após um ano de discussões, por vezes caóticas, a convenção produziu sua versão preliminar. Não é curta. A nova Carta se estende por 388 artigos e 57 disposições transitórias. Se aprovada, será uma das Constituições mais longas do mundo, mas também uma das mais vagas. Segundo a formulação preliminar, o governo, por exemplo, “reconhece e promove diálogo intercultural, horizontal e transversal entre as diferentes visões de mundo dos povos e nações”.
Uma longa lista de responsabilidades do governo abarca o desenvolvimento da herança culinária do Chile e a criação de mídia regional. O governo garantiria os direitos dos cidadãos a desenvolver suas personalidades e projetos de vida. No geral, o texto parece mais um longo manifesto político do que uma decantação sucinta de direitos fundamentais.
E, o que é preocupante para os agentes econômicos, o documento corrói direitos de propriedade e balcanizaria o Chile em um Estado “plurinacional, intercultural, regional e ecológico”, inclusive com territórios autônomos dotados de Judiciários próprios. Substitui o Senado por uma “câmara de regiões” enfraquecida, retirando freios e contrapesos vitais.
O Chile é o maior produtor mundial de cobre e o segundo exportador global de lítio. Mas o projeto de Constituição cria tanta incerteza legal que ameaça dissuadir a entrada dos grandes investimentos necessários para a exploração de novas minas.
Alarmados por seu radicalismo e sofrendo uma aguda retração econômica, os chilenos se voltaram contra a nova Constituição. Pesquisas mostram uma ligeira maioria que a recusa (embora a credibilidade desses números seja incerta). Gabriel Boric, o presidente esquerdista, é favorável à nova Carta, mas prometeu formular emendas. Isso não corrigirá o maior problema: o de que falta ao texto preliminar o amplo apoio necessário para um documento basilar. Os investidores deram seu veredicto: a moeda chilena desvalorizou-se mais rapidamente no período de um ano encerrado em julho do que a qualquer outro país da região, tendência exacerbada ainda pelo baixo preço do cobre.
Há amplo consenso no Chile de que uma nova Constituição é necessária. Esta versão preliminar, altamente defeituosa, não é a solução. Orientar o Congresso a nomear uma nova Convenção Constitucional seria um caminho melhor. Ela teria maior probabilidade de engendrar a prosperidade futura e a sociedade mais justa tão justamente almejada pelos chilenos.
Fonte: FT / Valor Econômico

