Exemplos que inspiram vêm do mundo executivo, da academia e da vida de empreendedora
— Para o Valor, de São Paulo
O caminho para alcançar o sucesso profissional nem sempre é fácil. Para as mulheres, em especial, pode haver ainda mais obstáculos a serem superados – e os números provam isso. Uma análise da consultoria Bain & Company com base nas 250 maiores empresas do Brasil mostrou que a parcela de mulheres CEOs dobrou entre 2019 e 2024, mas ainda continua muito baixa – passando de 3% para 6%. Já o número de executivas nesse período subiu de 23% para 34%, enquanto o de conselheiras aumentou de 5% para 10%. A análise mostra que as mulheres começam a perder representatividade quando chegam à média gerência.
No recorte para mulheres negras, levantamento do Pacto de Promoção da Equidade Racial com dados do IBGE de 2022 mostra que esse perfil ocupa 4,7% dos cargos gerenciais em empresas no Brasil.
Diante dos obstáculos para ascender na carreira, o Valor ouviu de mulheres bem-sucedidas profissionalmente em diferentes áreas quais conselhos elas dariam às suas versões mais jovens para ter esse caminho facilitado. Confiar em si mesma foi dica quase unânime. “O medo estará presente sempre, mas você é corajosa o suficiente para seguir em frente, sua coragem é uma grande aliada”, aconselha Lorice Scalise, presidente da Roche Farma Brasil. “Você vai enfrentar muitos dilemas, mas nunca duvide do que está no seu coração, é essa a força que te mobiliza, te move e transforma o seu contexto.”
Confiar sempre na própria intuição é o conselho de Raquel Reis, CEO daSulAmérica Saúde & Odonto. “Invariavelmente, o primeiro sentimento que você tem com relação a uma determinada situação vai te guiar”, diz.
“Se pudesse dar um conselho para minha versão mais jovem, eu diria: confie mais em si mesma e não tenha medo de ousar”, conta Tatiana Pimenta, que fundou a Vittude nove anos atrás, uma startup de gestão de programas de saúde mental para empresas. “Confia porque você é parte dessa transformação”, diz Priscila Cruz, presidente e cofundadora da Todos Pela Educação, uma organização não governamental que atua por uma educação básica de qualidade no Brasil. “A vida não é um progresso contínuo”, ela lembra.
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“Saiba que insucessos vêm para ensinar. Veja bem o que você errou, corrija e tente novamente. Ainda não consegue na segunda, tente novamente, pare o jogo só quando você estiver vencendo”, recomenda Sonia Guimarães, professora do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA) e PhD em física. “Para mulheres negras, existe a possibilidade de não ser fácil. Mas como diria minha avó, ‘se é uma coisa fácil que você está procurando, vai empurrar lesma na decida’. Produzir ciência no Brasil ainda não é um processo fácil, mas não é impossível. O país precisa de cada uma de nós.”
Onde a mulher tem mais barreiras é quando ocupa espaço de autoridade técnica, política, de articulação”
— Priscila Cruz
Guimarães, primeira mulher negra doutora em física no Brasil, formada em 1989, e professora do ITA desde quando o instituto ainda não aceitava mulheres entre seus alunos, em 1993, conta que “é difícil ser a primeira, mas vale a pena”. “Você sabe que está entrando em terrenos onde antes pessoas como você não estiveram e que não vai encontrar semelhantes. Eu diria que é uma jornada muito solitária”, relata. “Costumo dizer que eles preferem que nós nos sintamos assim porque isso, em geral, nos enfraquece. Mas isso só me dava mais força, eu focava em pensar que depois de mim, mais viriam.”
Também pioneira, Scalise foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Roche Farma Brasil em 90 anos de empresa. Ela comenta que “quando uma mulher ocupa um cargo de liderança, ela abre portas para transformar a sociedade em um lugar mais equânime e justo”. A executiva, que nasceu em Borborema, pequena cidade do interior de São Paulo, estudou em escola pública e teve o primeiro contato com a língua inglesa aos 35 anos, diz que nunca aspirou chegar ao cargo de CEO – sua motivação foi pensar que aquilo que estava fazendo iria impactar positivamente a vida de alguém, a sociedade. “Ousei aspirar estar em uma dessas posições de poder porque também entendi que as decisões que transformam massivamente vêm desses lugares.”
Sobre a lacuna do inglês, que a acompanhou por um período da carreira e que parecia uma “barreira intransponível”, a superação veio com muita disciplina, constância e metas possíveis. “Cada pessoa encontrará seu passo, sua forma, mas o primeiro que tem que fazer é acreditar que sim, eu posso. Cada vez que uma pessoa repete ‘eu não consigo’, morre um neurônio, fecha uma portinha. O que eu fiz foi acreditar e hoje falo alguns idiomas e sigo aprendendo.”
Para Pimenta, da Vittude, um dos maiores desafios da carreira ao empreender com saúde mental quase uma década atrás foi romper com o estigma e a falta de prioridade que o tema historicamente teve dentro das empresas. “Quando começamos, saúde mental ainda era vista como um tabu no ambiente corporativo”, conta. Foi necessário um trabalho de conscientização, para mostrar que investir na saúde mental dos funcionários não é um custo, mas sim um fator estratégico para o crescimento sustentável das empresas. “Hoje, percebo o quanto avançamos nessa conscientização, mas ainda há muito a fazer.”
Formada em engenharia civil, Pimenta fez a transição de carreira quando foi demitida do emprego que tinha em sua área de formação, em 2015. Ela já havia passado por uma depressão anos antes e sabia das dificuldades para acessar um atendimento adequado em saúde mental. “Foi assim que surgiu a Vittude, com a missão inicial de conectar pessoas que buscavam terapia a psicólogos qualificados, utilizando a tecnologia para reduzir barreiras de acesso, especialmente em regiões onde esses profissionais são escassos”. Com o tempo, expandiu a atuação para o ambiente corporativo.
Ela conta, ainda, que no início da carreira sentia que precisava se provar constantemente, especialmente sendo mulher em um setor majoritariamente masculino como a engenharia e, depois, ao empreender no mercado de tecnologia e saúde mental. “Hoje, olhando para trás, vejo o quanto poderia ter economizado de energia se tivesse acreditado mais na minha experiência e intuição desde o começo.”
Cruz, da Todos Pela Educação, comenta que posicionar-se em ambientes masculinos foi também um aprendizado para ela. “Onde a mulher tem barreiras mais significativas é quando precisa ocupar espaço de autoridade técnica, política, de articulação”, diz. Ela, que atua para promover mudanças em políticas públicas na área da educação, tem contato constante com homens com mais de 60 anos tomadores de decisão. Relata que, no começo do trabalho com a ONG, no início dos anos 2000, era interrompida com frequência durante suas apresentações – algo que não acontecia com homens na mesma posição que ela. “Os parlamentares me interrompiam com frequência, para fazer perguntas, e os homens eles esperavam terminar”, relata. “Aprendi a delimitar meu espaço de fala, dizendo com respeito que iria responder quando terminasse a apresentação, porque muitas das perguntas seriam respondidas ao longo da minha fala. [A mulher] tem que marcar seu espaço, e com o tempo as pessoas começam a respeitar mais, a admirar e até a querer te ouvir, mas esse espaço precisa ser conquistado.”
Aprender a se colocar em um ambiente majoritariamente masculino também foi um aprendizado para Carla Moraes, head de tecnologia e inovação da F1rst, empresa de tecnologia do Santander. Mulher negra, ela conta que fez carreira em locais onde era diferente dos demais – em uma época que ainda não se falava sobre diversidade e inclusão. “Foi intuitivo aprender a me colocar, mas já recebi feedback por ser dura demais”, conta. “Passei do ponto antes de chegar no ponto certo, porque a gente reage, tem a questão da personalidade também, que eu nunca aceitei ser apagada, porque não dava para eu pensar em me calar em um contexto que eu sabia que minha opinião tinha embasamento técnico muito forte, mas o jeito de reagir foi um pouco acima do ponto, eu era mais impositiva.”
Moraes, que hoje tem sob sua gestão 850 pessoas, diz que vê esse padrão se repetir em muitas mulheres. “A gente vai sendo transformada pelo ambiente”, diz. “Tive feedbacks de gestores incríveis que me ajudaram a ajustar esse tom.”
Ao mesmo tempo, ela adverte às mulheres mais jovens, em particular mulheres negras, para terem cuidado com os feedbacks que recebem. “É preciso entender que nem todo feedback e reação do ambiente é sobre a gente”, diz, relatando que quando ainda não tinha consciência disso achava que estava errada a partir de determinadas reações de alguns gestores e colegas. “Fui aprender mais tarde que era sobre preconceito, sobre as pessoas não me ouvirem porque não me queriam naquele ambiente”, afirma. “Eu teria sofrido menos se tivesse essa visão anos atrás. Para as mulheres negras, em particular, saibam que nem tudo é sobre a sua performance, é sobre olhares enviesados.”
Reis, da SulAmérica, comenta que, por muito tempo, mulheres que chegavam aos altos cargos sentiam necessidade de se “masculinizar, deixando de lado traços de feminilidade para conquistar ou manter suas posições”. “Acredito que, cada vez mais, as pessoas devem se sentir livres para serem autênticas”, diz. “A palavra da década, senão do século, é diversidade. A diversidade faz você ter melhores produtos, ter a habilidade de conversar com mais públicos, e tem que ser refletida de dentro para fora. Eu gostaria muito de [poder] ver as mulheres sendo mais autênticas e respeitando sua essência, não criando uma persona para atingir determinadas posições.”
E, ao alcançar um posto de liderança, a recomendação da CEO da SulAmérica é se cercar de “boas pessoas”. “Uma liderança eficaz não se constrói sozinha”, afirma. “Quem quer chegar longe precisa estar cercado de boas pessoas, seja para liderar ou para ser liderado. Construir uma rede de apoio sólida e caminhar ao lado de profissionais que agreguem valor à jornada é essencial para o crescimento e sucesso na liderança.”