Embora a economia brasileira, no seu agregado, tenha crescido de forma similar em 2023 e 2024, o comportamento da produtividade do trabalho mudou entre os dois anos. Em 2024, a produtividade por hora efetivamente trabalhada variou apenas 0,1%, ante alta de 2,3% em 2023, quando subiu acima da média histórica do país. Os dados, antecipados ao Valor, são do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).
Para 2025, a perspectiva não é de avanço significativo na produtividade, que pode até cair, segundo pesquisadores do observatório. Eles alertam que uma economia que cresce acima do seu potencial sem ganhos de produtividade alimenta o processo inflacionário.
A produtividade é calculada pela comparação do valor adicionado – variável próxima ao Produto Interno Bruto (PIB), mas que exclui impostos e subsídios – com os indicadores do fator trabalho. Em 2025, o valor adicionado agregado da economia subiu 3,1%, enquanto as horas efetivamente trabalhadas cresceram 3%. Dessa comparação, resultou a variação de 0,1% da produtividade em 2024. “Praticamente todo o aumento do PIB veio do emprego e das horas”, diz Fernando Veloso, coordenador do observatório junto com Silvia Matos.
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As horas efetivamente trabalhadas podem incluir reduções por motivo de doença, feriado ou cortes de jornada, como os realizados em meio à crise da covid-19, bem como aumentos por causa de picos de produção e compensação de horas não trabalhadas.
Considerando os demais fatores trabalho, as horas habitualmente trabalhadas cresceram 3% em 2024, e a população ocupada, 2,8%, de modo que as medidas de produtividade registraram variação de 0,1% e 0,3%, pela ordem.
Em 2020, a pandemia mexeu com o mercado de trabalho, mantendo empregados os mais qualificados e, potencialmente, mais produtivos. Com isso, a produtividade por hora efetiva saltou 12,7% no ano inicial da crise sanitária. Em 2021 e 2022, esse “efeito composição” foi se dissipando, e a produtividade anual, em devolução, recuou 8,1% e 4,4%, respectivamente. O ano de 2023 foi o primeiro “normal”, e a produtividade iniciou o período subindo, o que surpreendeu, lembra Veloso. “No Brasil, qualquer aumento, mesmo pequeno, é sempre uma surpresa. Ele apareceu no primeiro trimestre de 2023, o que foi uma quebra em relação ao padrão de 2022, e depois de novo no segundo trimestre, mas foi desacelerando até desaparecer, dependendo da métrica, no quarto trimestre de 2024. Foi, realmente, algo temporário.”
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Apenas no quarto trimestre de 2024, a produtividade por hora efetiva recuou 0,5% na comparação com período equivalente de 2023 e 0,9% em relação aos três meses imediatamente anteriores. Com isso, está apenas 0,9% acima do nível pré-pandemia. Em relação à tendência esperada antes do choque da covid, a produtividade corre paralelamente em um patamar um pouco superior (veja gráfico acima), mas a tendência continua muito parecida, diz Veloso.
“Todo esse aumento veio, basicamente, de um ou dois trimestres no início de 2023 e parou. Não tem, absolutamente, nenhuma dinâmica de crescimento da produtividade desde o segundo trimestre de 2023”, afirma.
O pesquisador ressalta que o tema é importante porque aumento da produtividade ajuda a combater a inflação e permite a redução dos juros. “Crescimento do PIB com produtividade crescendo não é inflacionário. Mas, se é um crescimento temporário, por mais que tenha um efeito benigno para a inflação, não é algo em que o Banco Central possa confiar para fazer política monetária”, diz Veloso.
Assim como em 2023, quem salvou a produtividade do Brasil no ano passado foi a agropecuária. Embora o valor adicionado do setor tenha caído 3,2%, as horas efetivas recuaram mais: 4,8%. Com isso, a agropecuária ainda registrou alta de 1,6% na produtividade em 2024, após saltar 22,3% em 2023, diante da safra recorde.
“O desempenho do agro foi muito pior que em 2023, o que fez toda a diferença para 2024. Mas, até quando a produção cai, o agro continua um exemplo de sucesso, de que, com menos gente, a produtividade aumenta”, diz Veloso.
Enquanto isso, a produtividade por hora efetiva da indústria caiu 0,5% em 2024 e a dos serviços ficou estagnada, após registrarem altas de 2,1% e 0,5% em 2023, pela ordem. “Serviços é o principal setor da economia brasileira, tanto em percentual no PIB, quanto em trabalho. Teve um aumento minúsculo em 2023 e zero em 2024. Quando o setor de serviços não tem dinamismo, qualquer aumento de produtividade depende inteiramente do agro”, diz Veloso.
Na série construída pelo observatório desde 1995 até 2024, a produtividade da agropecuária por hora efetiva cresce, em média, 5,8% ao ano, bem acima da produtividade agregada, que avança 0,8% ao ano, observa Paulo Peruchetti, economista do FGV Ibre. A produtividade dos serviços cresce, em média, apenas 0,2%, e a da indústria recua 0,3%. “O crescimento da produtividade do agro é contínuo e, sem ele, não tem crescimento agregado”, afirma Veloso.
Medida de eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção, a produtividade total dos fatores (PTF) por hora efetiva, por sua vez, caiu 0,8% em 2024, após registrar alta de 1% em 2023. No fim de 2024, a PTF ainda estava 5,8% abaixo do nível pré-covid. “É um quadro desolador”, diz Veloso.
Nível é próximo ao de 2017-2019, mas desemprego hoje é muito mais baixo”
Desde 2021, a geração de emprego no Brasil tem sido, predominantemente, formal, observam os pesquisadores do FGV Ibre, o que traz um viés mais positivo para a produtividade, mas que ainda não apareceu. “E, na ponta, já parece haver uma desaceleração do emprego em 2025”, diz Peruchetti.
Com a atividade econômica ainda forte e sem ganhos de produtividade, a “correção” dos efeitos à inflação terá de vir da desaceleração do emprego, diz Veloso. Isso começa a aparecer nos registros do governo para o emprego com carteira assinada, o Caged. “O mercado de trabalho no início do ano passado parecia que seria algo muito parecido com, principalmente, 2022, mas, no segundo semestre de 2024, a geração de emprego formal começou a perder dinamismo”, diz Veloso.
Olhando à frente, em uma conta simplificada, se o FGV Ibre projeta crescimento da economia brasileira de 1,7% em 2025 e alta de 2% da população ocupada, a produtividade registraria uma queda em torno de 0,3% neste ano, observa Peruchetti. “Ainda tem muita informação para sair”, pondera. “Mas a produtividade foi mais forte em 2023, desacelerou em 2024 e, provavelmente, haverá estabilidade ou pequena queda em 2025. Esse é o padrão pré-pandemia.”
Peruchetti nota que, em 2017, a produtividade por hora efetiva subiu 2,1%, também por causa da safra agrícola excepcional. Em 2018, desacelerou para 0,5% e, em 2019, caiu 1,5%. “Naquela época, no entanto, a gente tinha um teto de gastos que funcionava. Agora, temos um arcabouço fiscal que se revelou muito frágil. Então, em certa dimensão, estamos em uma situação até pior”, afirma Veloso.
O economista Vitor Vidal, da consultoria VVC, também chama a atenção para a semelhança do nível da produtividade agora e logo antes da pandemia. Mas destaca outras variáveis importantes que são distintas. “Hoje, temos um nível de desemprego muito mais baixo do que naquele período, em que a economia estava crescendo 1,5% e a taxa de desemprego estava na casa de dois dígitos”, afirma.
Pelos seus cálculos, a produtividade caiu 0,3% em 2024, com retração de 0,5% no quarto trimestre. No primeiro trimestre deste ano, ela pode esboçar alguma recuperação, diz Vidal, diante da perspectiva de nova safra recorde.
Olhando um horizonte temporal mais longo, um estudo do Santander aponta que as métricas de produtividade do Brasil seguem um padrão cíclico nos últimos 12 anos sem apresentar crescimento sustentável. Isso limita a expansão do PIB potencial do país, especialmente diante do declínio do crescimento populacional e das restrições de investimento, dizem economistas do banco.
Ainda que a PTF retorne a níveis positivos, eles afirmam ser difícil alcançar um PIB potencial acima de 2% ao ano. “Mesmo com a suposição relativamente forte de que a produtividade não recuará nos próximos trimestres, haverá uma tendência estável de menor crescimento potencial do PIB estabilizando em torno de 1,5%”, dizem Henrique Danyi, Gabriel Couto e Felipe Kotinda no relatório.
Fonte: Valor Econômico

