Por Sujeet Indap e Nicholas Megaw — Financial Times
19/10/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
Três quartos das grandes empresas americanas que abriram seu capital no mercado de tendência altista da época da pandemia hoje têm suas ações negociadas abaixo do preço de oferta, o que empurrou alguns nomes que eram considerados promissores de volta para a propriedade privada e a preços de liquidação.
Das mais de 400 empresas que entraram nas bolsas de valores entre 2019 e 2021 e levantaram pelo menos US$ 100 milhões, 76% estão com as ações abaixo do preço de sua oferta pública inicial, segundo uma análise dos dados da Dealogic feita pelo “Financial Times”. O retorno médio desse grupo desde suas respectivas datas de IPO é negativo em 44%.
Entre eles estão os de ações tão badaladas como Robinhood Markets, Lyft e DoorDash, que abriram seu capital durante um boom do mercado que terminou no fim de 2021. O índice Nasdaq Composite, que inclui muitas empresas “de crescimento”, recua 32% neste ano.
Com os preços das ações em queda, vários executivos de Wall Street disseram que grupos de private equity têm marcado de forma agressiva as empresas recém-abertas como possíveis alvos de aquisição. E algumas diretorias dessas empresas se mostram receptivas.
“Quando você pensa na quantidade de capital privado que foi levantado e não foi utilizado, e aí vê como as avaliações das ações públicas foram reclassificadas, fica com a impressão de que haverá um emparelhamento natural”, disse David Bauer, gestor de mercados de capitais da KKR, o grupo de investimentos conhecido por seus negócios de private equity.
A empresa de software de negócios ForgeRock anunciou na semana passada que se retiraria para a obscuridade dos mercados privados, pouco mais de um ano depois de sua oferta pública inicial, em setembro de 2021. Ela acertou sua venda para a empresa de private equity Thoma Bravo por US$ 2,3 bilhões.
Foi algo difícil de engolir. O preço das ações da ForgeRock quase dobrou depois de seu IPO em Nova York, o que lhe deu uma capitalização de mercado de cerca de US$ 4 bilhões. Seu executivo-chefe, Fran Rosch, disse que o simples fato de ser negociada na bolsa dava mais prestígio à empresa e, em última análise, mais valor para os acionistas.
“A percepção do mercado sobre a ForgeRock está em crescimento… e acredito que certamente… o IPO vai ajudar nisso também”, disse Rosch a investidores em novembro passado.
No entanto, com a fuga neste ano do segmento de ações de crescimento, a ForgeRock caiu até 50% abaixo do preço de sua oferta inicial. Mesmo com o prêmio de 53% que a Thoma Bravo concordou em pagar, o valor de aquisição é quase um décimo inferior ao preço do IPO da ForgeRock.
Como o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está empenhado em elevar as taxas de juros e a economia parece caminhar para uma recessão, executivos e acionistas de muitas empresas mais conhecidas pelo crescimento vertiginoso da receita do que pela lucratividade se verão diante de escolhas angustiantes, como aceitar ofertas de empresas de private equity ou de rivais estratégicos com mais recursos que estão em busca de pechinchas.
“Se o mercado de ações baixou e as metas de preços dos analistas de pesquisa caíram… como membro de uma diretoria, você precisa prestar atenção a essas coisas”, disse Ted Smith, cofundador da Union Square Advisors, um banco de investimento especializado em tecnologia.
Para ele, as avaliações eufóricas anteriores podem não ser mais relevantes. “Se ela está há dois anos de seu IPO e do pico do preço inicial, então o preço de mercado atual da empresa é muito mais importante para avaliar seu valor em uma possível transação”, acrescentou.
Enquanto o mercado de ações vive uma onda indiscriminada de liquidações, os investidores tentam diferenciar entre empresas-alvo que prometem lucratividade e as que simplesmente surfaram o frenesi do mercado da época da pandemia para conseguir uma oferta pública inicial.
Justo uma semana antes do anúncio da ForgeRock, o marketplace (shopping virtual) Poshmark se vendeu ao conglomerado sul-coreano Naver por apenas US$ 1,2 bilhão, um valor que representava um desconto de quase 60% em relação ao preço de IPO.
Uma das primeiras a mostrar essa tendência de volta do público para o privado foi a empresa de colchões de venda direta ao consumidor Casper Sleep, que em 2021 foi vendida a uma empresa de private equity por menos de US$ 300 milhões, bem abaixo da avaliação na abertura de capital, em 2020. De acordo com os registros de valores mobiliários, ela só previa chegar a um fluxo de caixa livre positivo em 2024, de US$ 18 milhões.
Bauer disse que houve uma divisão entre as empresas que abriram o capital cedo demais e enfrentam modelos de negócios questionáveis e aquelas que têm um futuro de longo prazo, mas “não querem ter o trabalho de voltar a crescer a partir dessas primeiras avaliações como empresas públicas e preferem fazê-lo em um contexto privado”.
Observadores do setor disseram que, entre os possíveis compradores dessas estrelas dos IPOs derrotadas, os especialistas em private equity podem ser mais agressivos do que outras empresas negociadas em bolsa. As empresas de private equity dos EUA também têm mais de US$ 500 bilhões em recursos disponíveis para investir, segundo a Preqin.
Grupos empresariais que estão nas bolsas têm as próprias quedas de preços de ações para se preocupar e investidores que preferem que eles evitem negócios arriscados em um momento de incerteza. As ações da Naver caíram 15% desde que ela anunciou a compra da Poshmark.
Enquanto os preços das ações de dezenas de novas empresas públicas continuam no fundo do poço, alguns se mantêm à tona. Os grupos de serviços de saúde One Medical e Signify Health anunciaram recentemente acordos para serem vendidos para a Amazon e a CVS Health, respectivamente, a preços que superam seus valores de IPO.
As ações de Airbnb, Zoom Video Communications e Chewy são negociadas a níveis bem superiores a seus preços praticados na oferta inicial. Ainda assim, um mercado em tendência de baixa persistente pode obrigar empresas com mais problemas a tomarem decisões duras.
“É muito difícil ser uma empresa pública hoje em dia”, disse um importante investidor de private equity. “Quem tem boas notícias cai no esquecimento e quem tem más notícias é punido. É o pior dos dois mundos.” (Colaborou Antoine Gara)
Fonte: Valor Econômico

