Por Alex Ribeiro — De São Paulo
29/09/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
A economia está surpreendendo positivamente nessa reta final para o primeiro turno das eleições, com mais crescimento e menos desemprego, mas seja quem for o vencedor final da disputa deverá encontrar uma situação bem mais difícil quando tomar posse.
O Produto Interno Bruto (PIB) poderá se expandir a uma taxa de até 3% neste ano, com a ajuda de fortes estímulos fiscais e da reabertura da economia após o pior da pandemia. Há bons indícios de que as reformas econômicas feitas desde o governo Michel Temer, como a trabalhista e previdenciária, estão finalmente dando os primeiros resultados.
O quadro, no entanto, promete ser bem diferente em 2023, diante de um ambiente internacional mais desfavorável. A expansão da economia brasileira deverá se desacelerar para 0,5%, à medida que acabam os efeitos dos anabolizantes fiscais – medidas adotadas pelo governo para incentivar a atividade e baixa a inflação às vésperas da eleição – e começa se transmitir de forma preponderante o aperto monetário feito pelo Banco Central.
“O cenário para a economia mundial é muito difícil”, avalia o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, da consultoria A.C. Pastore & Associados. “No Brasil, a política fiscal expansionista, por enquanto, está ganhando a queda de braço contra a restrição monetária, mas já há sinais de que a situação está mudando.”
Muitos analistas econômicos acreditam que, passada a eleição, o novo governo terá a chance de dar uma mensagem de credibilidade e impulsionar a economia. Para tanto, teria que superar o clima de polarização política, construir uma nova âncora fiscal e retomar a agenda de reformas e de concessões e adotar uma política ambiental mais responsável.
“Se o governo conseguir dar uma mensagem correta aos mercados, vai criar um grande alívio”, diz o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual. “Os juros longos, que estão perto de 6% ao ano, vão recuar.”
Os desafios, no entanto, não são triviais. A despeito de os indicadores fiscais terem se saído melhores do que o esperado depois da pandemia, com superávit primário, uma inédita queda de gastos públicos durante o governo Bolsonaro e queda de dívida, o ponto de partida no próximo ano é bem mais desfavorável.
O projeto de Orçamento enviado pelo governo é considerado irrealista pelos especialistas em contas públicas, porque se baseia em premissas otimistas para o PIB, que inflam receitas esperadas e deixa de fora despesas que são praticamente certas, como prorrogação do Auxílio Brasil de R$ 600. Ainda assim, prevê a volta do déficit primário e do crescimento da dívida pública, com encargos de juros bem mais elevados.
Será preciso, ao longo do próximo governo, fazer um ajuste fiscal estimado em 2,5 pontos percentuais do PIB, com cortes e despesas e aumentos de receitas estimados em R$ 250 bilhões.
“O novo governo começa com um Orçamento muito descolado das demandas sociais e com um acúmulo de distorções provocado pela contenção de despesas na boca do caixa e represamento de reajuste do funcionalismo, em função da crise fiscal”, diz a ex-secretária da Fazenda de Goiás Ana Carla Abrão Costa, head do escritório da consultoria Oliver Wyman no Brasil. “Será preciso um programa de revisão de gastos, que olhe cada linha do Orçamento, inclusive as despesas obrigatórias.”
Como herança positiva, o novo governo recebe a agenda de reformas dos últimos anos, que dá os primeiros resultados. A flexibilização de regras trabalhistas tem permitido aumento de contratações no mercado formal e queda da taxa de desemprego, embora economistas estejam debatendo os limites que isso possa continuar sem provocar uma inflação de salários.
O desmonte do sistema de crédito subsidiado, com a criação da Taxa de Juros de Longo prazo (TLP) e a devolução ao Tesouro de aportes de capital feitos nos bancos públicos, está abrindo espaço para o florescimento do mercado de capitais, onde as empresas estão tomando financiamentos.
A expansão dos investimentos foi um destaque positivo nas Contas Nacionais do segundo trimestre, favorecida pelos leilões de concessões feitos desde 2016 e reformas microeconômicas, como a Lei do Saneamento e estímulos à inovação financeira da agenda BC.
Esses ganhos refletem, de forma defasada, as medidas que foram adotadas há muitos anos, a partir do governo Temer. Desde 2021, a agenda de reformas mudou de direção, o que pode comprometer o desempenho da economia no médio prazo, diz o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Marcos Lisboa, presidente do Insper.
“O Brasil é um caso curioso em que historicamente há avanço nas reformas em períodos de crise, mas que são seguidos por períodos de retrocesso”, afirmou. Ele se refere a fatos como o modelo de privatização da Eletrobras, que inclui concessões políticas com a obrigação de criar termelétricas longe dos polos produtores de gás natural e de consumo de energia; o adiamento de gastos públicos, como feito no caso dos precatórios; e a captura do Orçamento pelo Congresso, com as emendas individuais, de bancada e de relator.
No começo deste ano, os especialistas do mercado estimavam que o PIB fosse crescer só 0,3% neste ano, devido sobretudo a receios com os impactos de uma nova variante do coronavírus e a expectativa de que, no segundo semestre, o aperto monetário feito pelo Banco Central começasse a fazer efeito. A taxa de desemprego era prevista em 11,8% para o fim deste ano e, depois de cair a 9,1% em julho, os economistas esperam que continue a melhorar, para 8,6%.
O quadro começou a mudar com os estímulos fiscais feitos pelo governo a partir do segundo trimestre, como a liberação de recursos do FGTS, a antecipação do 13º a beneficiários do INSS e, mais recentemente, o Auxílio Brasil com valor turbinado de R$ 400 para R$ 600. A expansão fiscal dificultou o trabalho do BC para baixar a inflação, e os juros básicos foram elevados a 13,75% ao ano
“O ‘lag’ [defasagem] da política fiscal é muito curto”, explica Pastore, referindo-se ao tempo em que medidas fiscais levam para afetar a economia. “Já o ‘lag’ da política monetária é bem mais longo”, ou seja, vão se fazer sentir de forma defasada, mas por um bom tempo. Ele diz que os indicadores diários de atividade já começam a mostrar desaceleração na atividade.
Ao mesmo tempo, o quadro internacional está se tornando mais desfavorável, com alta forte de juros nos Estados Unidos, aperto monetário adicional em outras economias emergentes, perspectiva de recessão na Europa e desaceleração econômica na China. “Considero o quadro extremamente preocupante.”
Mesmo com a expansão fiscal, a situação das contas públicas melhorou neste ano. A dívida bruta, que chegou a 88% do PIB durante a pandemia, deve fechar o ano em menos de 77% do PIB. O governo deverá registrar superávit primário pelo segundo ano seguido. O gasto público deve cair de 19,5% do PIB no começo do governo Bolsonaro para 19,1% do PIB, segundo estimativa do Tesouro Nacional.
Essa melhora foi possível com ajuda da inflação de dois dígitos, que corroeu o valor real da dívida pública e ajudou a aumentar a arrecadação, junto com a valorização das commodities. Mas também pesaram favoravelmente a contenção de reajustes do funcionalismo e a expansão mais forte da economia.
O mercado, porém, nunca acreditou numa melhora sustentada da política fiscal. O Projeto de Lei do Orçamento confirma os piores prognósticos, ao prever a volta dos déficits em 2023, com R$ 63,7 bilhões. Esse pode ser o ponto de partida para o resultado negativo nas contas públicas, já que há várias demandas adicionais em estudo, como manter os R$ 600 no Auxílio Brasil, dar reajustes maiores ao funcionalismo e reajustar a tabela do Imposto de Renda. “Ninguém sabe responder se o déficit em 2023 será de R$ 60 bilhões ou de R$ 150 bilhões”, diz Mansueto.
A dívida bruta, segundo a previsão dos economistas de mercado, deverá voltar a subir, para quase 82% do PIB, e seguir em trajetória de alta nos anos seguintes. Para estancar essa tendência de deterioração, o superávit primário mínimo necessário é estimado em 2% do PIB. A conta é feita a partir da diferença entre os juros de 4,5% ao ano reais estimados pelo mercado para o longo prazo e um ritmo de crescimento do PIB de 2,5%.
O risco fiscal, porém, pode tornar a situação mais crítica. Os títulos de longo prazo do Tesouro estão sendo negociados com uma taxa de juro real próxima de 6% ao ano. Com os retrocessos nas reformas, a capacidade de crescimento de longo prazo da economia tende a diminuir.
“Várias fatores conjunturais levaram a uma situação fiscal menos desfavorável neste ano, mas a situação deve explodir em 2023”, diz Ana Carla. “O governo vai ter que lidar com problemas estruturais, fazer reformas, dentre as quais a mais óbvia delas é a administrativa. Vai ser preciso muita capacidade política e de negociação.”
Lisboa diz que a crise fiscal é a ponta do iceberg de algo muito mais grave. “Os grupos organizados conseguem capturar o Estado brasileiro em seu benefício, com distorções tributárias, reajustes salariais, regras de promoção, subsídios”, afirma. “Tudo isso acaba no problema fiscal.”
Um dos principais desafios será político, depois que um grupo de parlamentares ganhou força ao capturar o que restava do Orçamento, com as emendas de relator. “Se tivermos continuidade do governo atual, será um governo que não quer governar, que delega tudo o que é relevante para o Congresso”, diz. “Se houver um Executivo que, de fato, queira governar, terá um problema enorme para recuperar as suas prerrogativas.”
Fonte: Valor Econômico

