Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
28/03/2024 05h00 Atualizado há 4 horas
Os sinais que a prévia da inflação oficial de março trouxe sobre a tendência dos preços de serviços mais sensíveis à política monetária e intensivos em mão de obra não reduziram as preocupações de economistas nem devem trazer alívio para o Banco Central. A indicação é de patamares mais próximos de 6% do que dos 5% observados no fim do ano passado. O próprio BC admite que estão surgindo dúvidas sobre a velocidade da desinflação dos serviços.
No Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) de março, os serviços subjacentes – que excluem grupos voláteis como turismo, serviços domésticos, cursos e comunicação – desaceleraram para 0,40%, ante 0,65% na prévia de fevereiro, de acordo com a MCM Consultores. Em 12 meses, no entanto, eles passaram de 5% para 5,08%.
Pior: na média móvel de três meses anualizada e dessazonalizada, os serviços subjacentes avançaram de 5,6% para 5,7%, segundo a Warren Investimentos. A média móvel trimestral é uma forma de suavizar movimentos mensais, mas ainda captar a tendência “na ponta” de modo mais dinâmico do que a variação em 12 meses.
Por essa métrica, o IPCA-15 desacelerou de 4,7% em fevereiro para 4,2% em março, e a média dos núcleos foi de 3,8% para 3,6%, mas os serviços subjacentes aceleraram de 5,8% para 6%, calcula Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners. Os núcleos são medidas que tentam suavizar o efeito de itens mais voláteis, tendendo a responder mais a decisões de política monetária, e, por isso, também são acompanhados de perto pelo Banco Central.
Além disso, os serviços intensivos em trabalho – que incluem atividades como empregado doméstico, cabeleireiro, médico e dentista – aceleraram de 6,24% na prévia de fevereiro para 6,40% em março, na média trimestral anualizada e dessazonalizada, segundo a Warren. Nos cálculos do Barclays, eles chegaram a 6,6%, “o que representa o nível mais alto desde outubro de 2022”, diz Alexandre Maluf, economista da XP, que tem uma conta similar. “Os dados da inflação de serviços têm sido preocupantes, embora esperemos alguma moderação ao longo do segundo semestre”, afirma.
A equipe da Warren destaca que tanto serviços subjacentes quanto intensivos em mão de obra apontam patamares próximos a 6% ao fim de 2024, uma “reaceleração contundente” ante os 4,8% e 5,5%, respectivamente, de 2023, dizem Andréa Angelo, Guilherme Gomes e Vinicius Valentim. Em ambos os casos, observam, as surpresas altista confirmam o cenário de um mercado de trabalho pujante, como confirmado pelos dados do emprego formal divulgados ontem (ver também a reportagem Criação de vagas surpreende para cima pelo 2º mês).
O IPCA-EX3, uma medida de núcleo que o Itaú Unibanco e o BC gostam de acompanhar, veio perto do esperado na prévia de março, mas porque os bens industriais subjacentes tiveram desempenho melhor do que o antecipado e compensaram os serviços subjacentes, explica Luciana Rabelo, economista do banco.
Na média móvel de três meses, com dados dessazonalizados e anualizados, o Itaú calcula que os serviços subjacentes aceleraram de 5,9% no IPCA-15 de fevereiro para 6% em março, enquanto os industriais subjacentes desaceleraram de 1,4% para 0,9%. Assim, o núcleo IPCA-EX3 também desacelerou, de 3,9% para 3,5%.
A diferença entre bens e serviços subjacentes ficou ainda mais acentuada na prévia de março, aproximando-se dos níveis observados pela última vez em 2015, observam economistas do J.P. Morgan.
Os preços industriais foram especialmente puxados para baixo em março por causa dos descontos da “semana do consumidor”, o que implicou uma melhora temporária nos núcleos de inflação, diz Maluf, da XP.
“Para abril, esperamos uma recomposição nos preços industriais, o que trará volatilidade para as medidas de núcleos”, afirma, ponderando que a tendência ainda é de uma inflação de bens industriais bastante benigna.
Da abertura dos serviços subjacentes no IPCA-15 de março, Rabelo, do Itaú, destaca que apenas os “serviços diversos” não aceleraram significativamente na média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada. O grupo ainda sente, segundo ela, o impacto da semana de descontos nos cinemas, ação promovida no fim de fevereiro. De resto, aluguel residencial, condomínio, alimentação fora do domicílio e serviços ligados a mão de obra “aceleraram bastante”, diz. “Os serviços estão com uma cara ruim”, afirma.
“Inflação de serviço subjacente segue como obstáculo” — Claudia Moreno
Para a Warren, as leituras do IPCA de março e abril iriam mostrar sinal de desaceleração dos grupos subjacentes e intensivos em trabalho, em movimento de “falsa continuidade” da desinflação, para, depois, voltarem a acelerar. O IPCA-15 de março, no entanto, trouxe para a equipe dúvidas a respeito até mesmo dessa impressão temporária de desinflação.
O resultado acima do esperado para a inflação de serviços subjacentes no IPCA-15 de março “acende um sinal de alerta para a tendência da inflação”, diz Claudia Moreno, economista do C6 Bank. “Enquanto os preços dos bens industriais já apresentam até queda, a inflação de serviços segue resiliente, rodando em patamar elevado, pressionada pelo mercado de trabalho aquecido, que faz os salários crescerem acima da produtividade”, afirma.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC discutiu algo nesse sentido em sua última reunião, conforme revela a ata do encontro, divulgada nesta semana. “Notou-se que um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação e sem ganhos de produtividade correspondentes, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra”, diz o documento.
O Copom também afirmou que “a recorrência de surpresas inflacionárias na inflação de serviços, em particular em seus componentes subjacentes e itens intensivos em trabalho, suscita dúvidas sobre a velocidade da desinflação prospectiva”.
A contínua pressão sobre os serviços subjacentes, observada no IPCA-15 de março, está “em linha com a nossa opinião de que a desinflação nos serviços se esgotou”, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays.
O Copom, por sua vez, avaliou que parte relevante da desinflação de serviços até então vinha se dando pelo transbordamento das desinflações verificadas em alimentos e bens industriais, mas “o fortalecimento do processo desinflacionário, agora em seu segundo estágio, estará mais relacionado ao cenário do mercado de trabalho e da demanda agregada”, diz a ata.
“A inflação de serviços subjacentes segue sendo um obstáculo para a convergência da inflação para a meta”, afirma Moreno, do C6.
Fonte: Valor Econômico

