O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, afirmou ontem em discurso na Câmara dos Representantes dos EUA que o início do afrouxamento monetário pode ocorrer ainda este ano se a economia continuar evoluindo como esperado. Porém, alertou que o cenário econômico, assim como a volta da inflação para a meta ainda não podem ser dados como certo. “Não esperamos reduzir os juros até que tenha confiança que a inflação está voltando para 2% de forma sustentável”, disse.
“Reduzir o aperto monetário muito cedo ou demais pode reverter o progresso feito no combate à inflação até o momento e acabar exigindo uma política monetária ainda mais rígida para devolver a inflação à meta. Ao mesmo tempo, reduzir a restrição muito tarde ou muito pouco poderia enfraquecer indevidamente a atividade econômica e o emprego”, disse. Powell afirmou acreditar que os juros já devem ter atingido o pico do atual ciclo.
Durante a sabatina com legisladores, Powell foi questionado sobre o momento do início dos cortes de juros. “Os próximos dados irão determinar o momento”, destacando que acredita que o início dos cortes acontecerá em “algum momento este ano”. “Não vamos declarar vitória [sobre a inflação] antes da hora”, disse. “É mais importante cortar os juros na hora certa do que fazê-lo de forma rápida”, explicou.
Powell afirmou também que não está esperando que a inflação caia de uma vez para a meta de 2%. “Queremos ver mais dados para termos confiança. Não estamos procurando por leituras melhores da inflação do que já foram registradas. Queremos mais dados de inflação como esses”, afirmou. Segundo ele, a economia resiliente e o mercado de trabalho aquecido sugerem que o Fed pode ser cauteloso para decidir a hora dos cortes.
Os membros da Câmara também se mostraram preocupados com a perspectiva de uma recessão. “Com a economia resiliente, mercado de trabalho forte e a inflação em queda, a economia americana deve fazer um pouso suave. Não vejo sinais de recessão no curto prazo”, afirmou.
O presidente do Fed também foi bastante questionado sobre a elevação de exigências de capital para os bancos, contidos na proposta “Basileia 3 Endgame”, a fase final para implementação das regras internacionais de capital bancário acordadas depois da crise financeira de 2008-2009.
Legisladores e o setor financeiro viram a proposta como nociva para pequenas empresas e produtores rurais porque limitaria a capacidade de crédito dos bancos. Powell disse que o Fed deverá fazer mudanças amplas e expressivas na proposta original e que é possível que os reguladores decidam fazer uma proposta inteiramente nova.
Não vamos declarar vitória antes da hora. É mais importante cortar os juros na hora certa do que fazê-lo de forma rápida”
Powell também foi questionado sobre se a crise no setor de imóveis comerciais pode trazer um risco sistêmico ao setor financeiro. “A crise no setor de imóveis comerciais é administrável. Ela está concentrada em bancos menores, alguns tendo exposições expressivas em empréstimos para o setor”, disse. Segundo ele, essa crise está limitada a algumas regiões que acumulavam grande quantidade de prédios de escritórios, que agora estão pouco utilizados devido a mudanças do mercado de trabalho após a pandemia com o aumento do home office. “Alguns bancos menores que possuem grande concentração de empréstimos para o setor podem ter problemas, mas não os grandes.”
Para analistas, o discurso de Powell não trouxe novidades e seguem com a perspectiva de que o primeiro corte de juros aconteça em junho.
Gisela Hoxha, economista do Citi, disse que Powell quase não alterou seus comentários em relação aos feitos antes dos dados fortes de inflação e mercado de trabalho de janeiro. “Alguns esperavam um Powell mais ‘hawkish’ [favorável ao aperto] devido aos dados fortes”, disse. Para Hoxha, os comentários de Powell sugerem que o chamado “dot plot” (gráfico de pontos), que será divulgado em março continue apontando o mesmo corte de 0,75 ponto percentual este ano, sinalizado em dezembro.
Para o presidente e economista-chefe da Pantheon Macroeconomics, Ian Shepherdson, Powell seguiu o “roteiro padrão” do Fed e apenas repetiu os pontos principais do comunicado da decisão monetária de janeiro. “Em outras palavras, o jogo de espera continua. Todo o resto do depoimento escrito é um clichê sobre o progresso da inflação no último ano e a força do mercado de trabalho”, diz Shepherdson, que destaca ainda a ausência de comentários acerca da redução do ritmo do aperto quantitativo (QT, na sigla em inglês) do Fed.
Andrew Hunter, vice-economista-chefe para EUA da Capital Economics, vai na mesma linha ao afirmar que “Powell está contente em esperar por mais dados” da economia antes de tomar uma decisão sobre os juros. “Assumindo que estamos corretos ao prever que a força do núcleo da inflação em janeiro se provará algo passageiro, seus comentários não mudam nossa visão de que o Fed provavelmente começará a cortar os juros em junho”, diz o economista.
Fonte: Valor Econômico

