Embora o mercado esteja confiante em mais duas reduções de juros nos Estados Unidos neste ano, o discurso do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Jerome Powell, manteve as opções em aberto e não deu nenhuma garantia de mais um corte na próxima reunião. Na votação da semana passada, houve um consenso em torno da necessidade de afrouxamento monetário. No entanto, os discursos de dirigentes nos últimos dois dias evidenciaram que o banco central americano está dividido.
A avaliação dos investidores foi de que Powell manteve o mesmo tom da semana passada. Ele afirmou que a desaceleração no mercado de trabalho americano motivou o corte de juros de 0,25 ponto percentual da última reunião, mas reiterou que também há riscos em torno da inflação, que segue elevada e acima da meta do Fed.
Para ele, o banco central se encontra diante de uma “situação incomum”, à medida que há riscos de baixa para o emprego e alta para a inflação. “A coisa certa a se fazer é esperar e ver, porque é nosso trabalho evitar erros na inflação”, disse Powell, ao alertar, ainda, para os riscos de reduzir os juros muito cedo ou tarde demais. As declarações foram dadas em um evento em Rhode Island.
Embora seu posicionamento tenha sido mais “dovish” (propenso a cortes de juros) que o de discursos recentes de outros dirigentes, como Alberto Musalem, presidente da distrital do Fed de St. Louis, que explicitou ver pouco espaço para novos cortes, Powell manteve suas opções em aberto. Ele disse que, diante do cenário incerto, a política monetária não está em um curso predeterminado. “Continuaremos a determinar a postura apropriada com base nos dados que recebermos, nas perspectivas em evolução e no equilíbrio dos riscos.”
Por outro lado, Michelle Bowman, vice-presidente para supervisão do Fed, que vem demonstrando um posicionamento mais “dovish” nos últimos meses, defendeu que o banco central precisa ajustar os juros “mais rápido e em maior grau”, diante de sua preocupação com o enfraquecimento do mercado de trabalho. Isso vai na contramão de falas de outros dirigentes que discursaram nesta semana e foram mais “hawkish” (menos propenso a cortes de juros), mas ainda demonstrou um tom não tão radical quanto o de Stephen Miran, recém-indicado por Donald Trump, que defende mais 1 ponto percentual em cortes até o fim deste ano.
Durante seu discurso no evento anual da Associação de Banqueiros do Kentucky, Bowman também criticou a postura estritamente dependente de dados do Fed, argumentando que essa abordagem seria retrospectiva e levaria o banco central a estar atrás da curva de juros. Segundo ela, isso acabaria obrigando o Fed a fazer correções excessivas no futuro. “O comitê deveria ter começado a baixar os juros na reunião de julho”, defendeu.
No entanto, a maior parte dos diretores do Fed tem alertado para a necessidade de cautela, diante da inflação elevada. Também nesta terça, o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, disse que o banco central precisa ser cuidado em relação a novos cortes de juros. “Com a inflação acima da meta por quatro anos e meio consecutivos, e subindo, acho que precisamos ser um pouco cuidadosos para não ficarmos excessivamente agressivos desde o início”, disse, em entrevista ao canal americano CNBC.
Na mesma linha, Raphael Bostic, do Fed de Atlanta, afirmou prever uma inflação maior e ressaltou que o banco central dos Estados Unidos precisa permanecer em alerta. Ele já havia dito nesta semana que não vê mais espaço para cortes de juros neste ano. “Como não estamos na meta há mais de quatro anos e meio, definitivamente precisamos nos preocupar com isso”, afirmou Bostic no podcast Macro Musings, do Mercatus Center da George Mason University. “Acredito que cabe a nós continuar vigilantes na luta contra a inflação.”
Na contramão, Bowman, que deu ênfase à desaceleração do mercado de trabalho em seu discurso minimizou o impacto das tarifas comerciais sobre a inflação e disse que “será pequeno e temporário”. Powell também projeta que o efeito será temporário e avalia que o aumento nos preços visto até então tem sido menor e mais tardio do que o esperado. “No ano que vem, isso deve estar concluído e a inflação não relacionada a tarifas deve voltar a ficar próxima da nossa meta de 2%. Nosso trabalho é garantir que esse seja o desfecho”, ele afirmou.
Mas apesar da falta de consenso na comunicação dos dirigentes do Fed neste momento, o mercado segue confiante em suas apostas de que haverá mais duas reduções de 0,25 ponto percentual neste ano, uma na reunião de outubro e outra na de dezembro. Segundo o CME Group, que compila dados a partir dos futuros dos Fed funds, os operadores precificavam 76,9% de probabilidade de dois cortes até o fim deste ano, uma aposta significativamente maior do que os 69,2% antes da decisão do Fed na semana passada e dos 37% vistos no começo deste mês.
O dólar e os rendimentos dos Treasuries tiveram queda ao longo do dia, apesar de uma certa frustração entre os participantes do mercado pela falta de sinalização de um corte por parte de Powell. Por volta das 18h (de Brasília), o índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente uma cesta de outras seis moedas fortes, tinha queda de 0,10%, aos 97,24 pontos. No fechamento, os rendimentos dos Treasuries com vencimento em 2 anos recuaram para 3,594%, de 3,622% no fechamento anterior, e os rendimentos dos Treasuries de 10 anos caíram para 4,107%, ante 4,153% na última sessão.
A reação dos investidores pesou mais sobre as bolsas de Nova York, que fecharam em queda, após três dias consecutivos de recordes. O índice Dow Jones da bolsa de Nova York caiu 0,19%, aos 46.292,78 pontos, enquanto o S&P 500 recuou 0,55%, aos 6.656,92 pontos. Já o Nasdaq, com forte peso em tecnologia, cedeu 0,95%, aos 22.573,47 pontos.
Fonte: Valor Econômico