Ondas de calor que eventualmente atinjam o país nos próximos meses, no verão, quando ocorre o chamado período úmido, podem causar impacto sobre as contas de energia elétrica dos consumidores, especialmente aqueles que estão no mercado livre, onde se permite a escolha do fornecedor da eletricidade. O impacto deve ser limitado, avaliam especialistas, mas caso as chuvas esperadas para o período não se concretizem, o acionamento de térmicas deve ser um dos efeitos mais imediatos, com os consequentes reflexos mais expressivos nas tarifas.
As ondas de calor são intensificadas pela ocorrência do fenômeno climático El Niño, que tem sido considerado forte por meteorologistas, levando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a acionar termelétricas para garantir a segurança no fornecimento de energia em determinados momentos. Um efeito prático se deu em novembro, quando o sistema elétrico registrou dois recordes instantâneos no consumo de energia no país, superando a marca de 100 gigawatts (GW) de carga. No mês passado, a Eneva precisou acionar as térmicas a carvão da companhia (Itaqui e Pecém II) para atender a chamados do ONS.
Ao Valor, o ONS afirmou que ainda vai avaliar a operação do sistema para 2024, não sendo ainda possível dizer se o período úmido (que inicia no começo de dezembro e encerra entre o fim de abril e o início de maio) será marcado por chuvas intensas, como esperado.
A boa situação hidrológica verificada desde 2022 garantiu que os reservatórios das hidrelétricas se mantivessem cheios. Com isso, o custo de curto prazo da energia elétrica, o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), esteve no piso regulatório de R$ 69,04 por megawatt-hora (MWh) durante vários meses, desde ao ano passado até setembro. Desde então, o PLD vem registrando alta em algumas horas do dia.
Esse aumento se deu por causa da saída do sistema de algumas térmicas para manutenção, como Angra 1, e do baixo volume de chuvas no Norte e Nordeste do país, que retirou hidrelétricas como Tucuruí, Belo Monte e as usinas dos rios Madeira e São Francisco, além da variação na geração eólica, também no Nordeste.
A geração térmica, neste caso, atende à restrição de oferta, motivada por uma linha de transmissão ou uma usina que deixou de operar por algum motivo previsto ou não (paradas não programadas, queda no volume de vento nas eólicas ou de incidência de sol etc). Para esse acionamento, as térmicas escolhidas são as conhecidas como “de partida rápida”, que demandam pouco tempo para estar em pleno funcionamento.
A geração, neste caso, se dá por poucas horas, até o restabelecimento da condição operativa. Neste caso, explica Helder Sousa, diretor de regulação da TR Soluções, o Encargo de Serviços do Sistema (ESS) remunera as térmicas acionadas para esse tipo de geração, por ordem do ONS. Sousa ressaltou que o impacto para os consumidores é pequeno e limitado.
“Quem paga essa geração adicional é o consumidor do submercado [definido pela região do país] onde está a restrição”, explicou Souza. O impacto deve ser mais imediato para os consumidores livres, que têm que pagar o ESS no mês seguinte ao do acionamento. Para o consumidor cativo, a gestão da energia é feita pelas distribuidoras.
Ricardo Matos e André Yoshida, sócios da comercializadora de energia Simple Energy, salientaram que o descolamento de preços do piso em novembro se deu por seis dias, por algumas horas, causando impacto para o consumidor de R$ 350 milhões, ou R$ 5/MWh a mais nas contas de luz.
Em nota, o ONS explicou que esse acionamento se dá conforme a necessidade do sistema, em busca da confiabilidade e segurança necessárias para o sistema elétrico com o menor custo possível, justificando-se em horários específicos de maior demanda. “As temperaturas elevadas acarretam um aumento da carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), demandando despacho adicional de termelétricas em horários de pico de demanda.”
Despachar térmicas, neste caso, acrescentam André de Oliveira e Guilherme Ramalho de Oliveira, sócios-diretores da Ampére Consultoria, não é um ato que significa risco de atendimento energético, mas uma questão de gerenciamento da rede elétrica, otimizando recursos.
O uso de térmicas pelo ONS é diferente do que é feito para a chamada “segurança energética”, quando há necessidade de ligar termelétricas para preservar os níveis de armazenamento dos reservatórios, por determinação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), ressalta Sousa, da TR Soluções. Essa situação causa o acionamento das chamadas bandeiras tarifárias, que sinalizam o custo para o consumidor em função da quantidade de geração térmica exigida (verde significa nenhum custo adicional e vermelha, maiores impactos nas tarifas).
Para isso, o ONS obedece ao critério da ordem de mérito de custo econômico, que é uma fila de usinas com custo crescente de combustível — as mais baratas têm mais chance de gerar quando o ONS determinar o despacho. Esse tipo de acionamento dura mais tempo e impacta mais para os consumidores de energia elétrica. Pode haver ainda a geração fora da ordem de mérito, caso autorizado pelo CMSE, para evitar “default” no sistema elétrico.
No caso dos despachos por restrição, a ordem de mérito não é o único critério. Em algumas situações, o ONS precisa de usinas que tenham característica de “partida rápida”, usinas que entram em operação plena em curto tempo para evitar riscos de sobrecarga em regiões específicas quando a demanda é mais elevada, como em dias muito quentes.
Heloísa Pereira, meteorologista da Ampére Consultoria, ressalta que todos os modelos meteorológicos apontam para temperaturas médias de até 2 graus acima da média em dezembro, mas para “bater o martelo”, são necessários poucos dias de antecedência, não sendo possível prever com mais de 15 dias novas ondas de calor.
“A gente não consegue dizer exatamente se as ondas de calor serão sucessivas ou mais perto umas das outras, ou ainda mais duradouras, com as previsões de hoje. E os modelos apontam formação de Zonas de Convergências do Atlântico Sul [ZCAS] em dezembro”, afirmou. ZCAS são extensos sistemas meteorológicos formadores de chuvas e nebulosidade, em geral, na região central do país.
Matos e Yoshida salientaram que os modelos apontam chuvas abundantes em dezembro e perspectiva de que o El Niño se dissipe. Mas ressaltaram que isso pode não se concretizar. Essa incerteza, afirmou, significou um aumento de 15% nos preços médios da energia comercializada no mercado livre em contratos de longo prazo.
Vinícius Medeiros, chefe de trading da Ecom Energia, destaca que a empresa não vê preços altos no próximo período úmido mesmo com chuvas mais localizadas na região Centro-Sul. Ele destaca a entrada em operação da térmica Marlim Azul e o retorno da operação de Angra 1, que estava parada para manutenção e reabastecimento de combustível nuclear, como elementos que ajudam a manter o preço mais baixo.
“Estamos com chuvas normais de período úmido em bacias importantes que começaram a aparecer na primeira semana de dezembro. O sistema está com bastante gordura no curto prazo”, ressaltou. Um dos possíveis fatores de aumento de tarifas é a geração elétrica no Norte, devido à seca causada pelo El Niño na região.
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— Foto: MME
Fonte: Valor Econômico

