A economia da China enfrenta dificuldades, mas já há outro gigante asiático, a vizinha Índia, no radar de fabricantes e investidores de forma bem clara e repentina. As duas primeiras décadas do século 21 foram em grande medida sobre a história da ascensão da China. Será que as próximas duas serão sobre o avanço da Índia?
Há motivos de sobra para otimismo. A população do país ultrapassou a da China em 2023. Mais de metade dos indianos tem menos de 25 anos. E, pelo ritmo de crescimento atual, o país poderia se tornar a terceira maior economia do mundo em menos de dez anos, depois de ter tomado recentemente o quinto lugar do Reino Unido, seu antigo colonizador. O mercado de ações da Índia chegou agora a oito anos consecutivos de altas. A piora nas relações comerciais entre o Ocidente e a China só serve de ajuda para a Índia.
Ainda assim, o caminho à frente do país deverá ser bem diferente — e mais desafiador — que o da China.
Embora seus recursos de mão de obra sejam, em teoria, abundantes, uma série de barreiras ainda torna difícil conectar trabalhadores a empregadores. Isso torna mais difícil para famílias e empresas acumularem a poupança necessária para o tipo de grandes ondas de investimento que transformaram tigres asiáticos como Taiwan e Coreia do Sul e os tiraram da pobreza. As ainda elevadas barreiras ao comércio exterior são outro problema, em especial se a Índia quiser se tornar um centro de montagem de bens eletrônicos como a China.
Isso não quer dizer que o progresso recente não tenha sido impressionante, ou que não continuará. Grandes montadoras de eletrônicos como Foxconn e Pegatron investiram centenas de milhões de dólares no país, e a fatia da Índia nas exportações mundiais aumentou.
Em termos demográficos, a Índia está onde a China estava quando seu crescimento decolou na década de 1990. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), quase 20% das pessoas no mundo com 15 a 64 anos serão indianas até 2030. A razão de dependência da população da Índia — taxa entre a faixa etária dependente, de jovens e idosos sob cuidados domésticos, e a economicamente ativa — diminuiu para 47 em 2022, de 82 em 1967, segundo o Banco Mundial.
Razões de dependência baixas costumam ajudar a aumentar a poupança e o investimento: a abundância de trabalhadores mantém os custos trabalhistas das empresas sob controle, enquanto as famílias investem o excesso de renda, em vez de gastá-lo com os cuidados de filhos ou pais.
Infelizmente, a Índia tem enfrentado dificuldades para facilitar o ingresso na força de trabalho, em especial das mulheres. Apenas cerca de 35% população feminina em idade economicamente ativa na Índia estava na força de trabalho no ano fiscal de 2022, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego da Índia, divulgados em 2023. Isso representa um aumento de cerca de 10 pontos percentuais desde 2018, mas ainda está bem abaixo da média mundial para países de renda baixa a média, que é cerca de 50%, e muito abaixo dos 71% da China.
Além disso, grande parte dessa melhoria desde 2018 se dá na participação da força de trabalho rural, em vez de urbana — o que serve de pouca ajuda para as fábricas ávidas por mão de obra nas cidades.
Os subsídios generosos para agricultura e os programas de auxílio alimentar rural podem ser um dos motivos. A menor tolerância para viajar para longe de casa para morar e trabalhar, em comparação com a China, onde muitas trabalhadoras vivem em dormitórios, pode ser outra: 45% das mulheres consultadas pelo governo em 2023 disseram que os cuidados com as crianças e as tarefas domésticas as impediam de participar da força de trabalho.
O relacionamento de amor e ódio da Índia com o comércio exterior é outro problema. Ao contrário da China, a Índia é uma democracia turbulenta. Medidas protecionistas para agradar os eleitores fazem parte da equação. De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Índia teve uma das mais altas tarifas mundiais de importação em 2022. A chamada tarifa média de Nação Mais Favorecida (NMF) era de 18,1%. Em comparação, na China essa tarifa era de 7,5%, na União Europeia, de 5,1%, e nos EUA, de 3,3%. Tais restrições às importações podem ser um complicador para fabricantes que dependem da importação de componentes para montar e exportar seus produtos.
A Índia tem investido pesado em infraestrutura nos últimos anos. A precária rede de transporte do país melhorou — por exemplo, a velocidade média dos trens de carga aumentou mais de 50% nos últimos dois anos, e o tempo de espera nos portos caiu 80% desde 2015, segundo a Macquarie. O governo, porém, já tem um alto endividamento, o que pode tornar mais difícil a continuidade desses avanços, caso não haja uma explosão de crescimento do setor privado que eleve a arrecadação fiscal.
A carga da dívida pública da Índia é de cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) — a segunda entre as economias emergentes, apenas atrás da brasileira. Os gastos do governo federal em bens de capital subirão para quase o maior nível em 20 anos, atingindo 3,3% do PIB até o fim deste ano fiscal de 2024. Sustentar esse nível de construção de infraestrutura exigirá uma arrecadação mais alta, subsídios mais baixos ou muito mais envolvimento do setor privado.
Isso torna crucial para a Índia fazer tudo o que estiver a seu alcance para facilitar o caminho do investimento externo direto (IED), especialmente na indústria. Para que a Índia faça valer seu peso geopolítico, precisa de investimentos externos para ajudar a elevar a participação do setor industrial no PIB, dos atuais menos de 15%, em que tem permanecido há anos, para algo próximo da meta oficial de 25%. No entanto, os sinais recentes são ambíguos. O IED diminuiu em 2022 e 2023 após atingir patamares recorde em 2020.
Parte desse declínio é fácil de explicar. A bolha mundial do setor de tecnologia, da qual a Índia era parte importante, estourou e houve um recuo generalizado dos investimentos internacionais de capital de risco. Ainda assim, o IED em setores como o de computação, que foi equivalente a 0,5% do PIB em 2021, segundo o HSBC, também teve forte queda. Isso é preocupante porque a Índia precisa desesperadamente dessas linhas de montagem de uso intensivo de mão de obra. Gigantes da área eletrônica como a Foxconn estão investindo alto, mas também se deparam com leis trabalhistas inflexíveis, entre outros problemas.
Ao menos por enquanto, a Índia continua sendo uma economia puxada principalmente pelo consumo e pelo setor de serviços. A menos que possa realmente turbinar o IED na indústria — o que provavelmente exigiria resolver os gargalos no mercado de trabalho e reduzir barreiras comerciais, entre outras medidas —, o país poderá ter dificuldade para igualar as taxas extraordinárias de crescimento atingidas pelos tigres asiáticos e China — o dragão asiático.
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Ao contrário da China, a Índia é uma democracia turbulenta — Foto: Manish Swarup/AP
Fonte: Valor Econômico

