Por Martin Wolf
28/09/2022 05h01 Atualizado há 6 horas
Em tempos difíceis, o dólar é o refúgio e a força do mundo. Isso é verdade mesmo quando os Estados Unidos são a fonte do problema, como aconteceu na crise financeira de 2007-09. É verdade novamente agora. Uma série de choques que incluem a inflação alta nos EUA desencadeou um movimento de alta do dólar que é familiar. Além disso, ela não vem se dando apenas contra as moedas das economias emergentes, mas também contra as de outros países de alta renda.
Enquanto isso, a história geral do ciclo do dólar está subordinada a algumas histórias específicas. Arruinar as políticas macroeconômicas, especialmente a gestão fiscal, é algo que se mostra particularmente perigoso quando o dólar está forte, os juros estão em alta e os investidores buscam segurança. Kwasi Kwarteng, por favor preste atenção.
A capacidade dos Bancos Centrais de dar suporte aos mercados e à economia desapareceu por um tempo. Em tal momento, a sobriedade percebida dos tomadores importa mais uma vez. Isso vale para as famílias, empresas e, não menos importante, os governos
A estimativa do JP Morgan para a taxa de câmbio nominal efetiva do dólar aumentou 12% entre o fim do ano passado e segunda-feira. No mesmo período, a taxa efetiva do iene desvalorizou 12%, a da libra 9% e a do euro 3%. Somente em relação ao dólar os movimentos são maiores: a libra caiu 21%, o iene 20% e o euro 16%. O dólar é o rei do castelo.
Então, por que isso aconteceu? É importante? O que pode ser feito a respeito?
Quanto ao por que, a resposta é que a economia mundial sofreu quatro choques vinculados desde 2020: a pandemia; uma enorme expansão fiscal e monetária; o lado da oferta no pós-pandemia, em que a demanda reprimida (e desigual) atingiu as restrições da oferta de insumos industriais e commodities; e, finalmente, a invasão da Ucrânia pela Rússia, que atingiu a energia, especialmente para a Europa.
Os resultados incluíram o aumento das incertezas, uma forte pressão inflacionária nos EUA, uma necessidade da política monetária recuperar o atraso, particularmente a do Federal Reserve, e forças recessivas poderosas, especialmente na Europa. Com o aperto monetário do Fed à frente do de seus pares nos países de renda alta, o dólar ganhou força. Enquanto isso, os resultados divergentes das economias emergentes são determinados pela maneira como suas economias são administradas, se elas exportam commodities e seus graus de endividamento.
Surpreendentemente, no G-20 as moedas de muitos países emergentes saíram-se melhor do que as dos países de alta renda. O rublo russo teve uma grande valorização. Na rabeira estão a libra, a lira turca e o peso argentino. Em que companhia a libra se encontra!
A força do dólar importa?
Sim, porque, como observa um artigo recente de coautoria de Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), isso tende a impor uma pressão contracionista sobre a economia mundial. Os papéis dos mercados de capitais dos EUA e do dólar são muito maiores do que sugere o tamanho relativo de sua economia.
Seus mercados de capitais são os do mundo e sua moeda é o porto seguro do mundo. Assim, sempre que os fluxos financeiros mudam de direção, afastando-se ou dirigindo-se para os EUA, todo mundo é afetado.
Um dos motivos é que a maioria dos países se preocupa com suas taxas de câmbio, particularmente quando a inflação é uma preocupação: apenas o Banco do Japão pode ficar feliz com sua moeda fraca. O perigo é maior para aqueles que têm dívidas externas pesadas, ainda mais se elas forem denominadas em dólares. Os países sensíveis evitam essa vulnerabilidade. Mas muitos países em desenvolvimento agora precisarão de ajuda.
Essas forças recessivas emanadas dos EUA e a alta do dólar somam-se às criadas pelos grandes choques reais. Na Europa, acima de tudo, há a maneira como os preços mais altos da energia estão simultaneamente aumentando a inflação e enfraquecendo a demanda real. Enquanto isso, a determinação do líder da China de eliminar um vírus que circula livremente no resto do mundo está afetando sua economia. O Partido Comunista Chinês pode controlar o povo chinês. Mas ele não pode esperar controlar as forças da natureza dessa maneira indefinidamente.
O que pode ser feito? Não muito.
Fala-se de uma intervenção cambial coordenada, como aconteceu na década de 80, com os acordos do Plaza e depois do Louvre, primeiro para enfraquecer o dólar e então para estabilizá-lo. A diferença é que o primeiro se adequada especialmente ao que os EUA queriam. Isso tornou a intervenção consistente com seus objetivos internos. Enquanto o Fed não estiver satisfeito com o rumo da inflação, esse não pode ser o caso desta vez. É improvável que uma intervenção cambial destinada a enfraquecer o dólar por apenas um país, ou vários, consiga tanto.
Uma questão mais importante é se o aperto monetário está indo longe demais e, em particular, se os principais bancos centrais estão ignorando o impacto cumulativo de sua mudança simultânea em direção ao aperto. Uma vulnerabilidade óbvia está na zona do euro, onde a pressão inflacionária interna é fraca e uma recessão significativa é provável no ano que vem. Mesmo assim, conforme destacou na semana passada a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde: “Não deixaremos esta fase de inflação alta alimentar o comportamento econômico e criar um problema duradouro de inflação. Nossa política monetária será definida com um objetivo em mente: cumprir nosso mandato de promover a estabilidade dos preços”. Isso poderá acabar sendo um exagero. Mas os bancos centrais têm poucas opções: eles têm de fazer “o que for preciso” para conter as expectativas de inflação.
Ninguém sabe o grau de aperto que poderá ser necessário. Ninguém sabe também até que ponto a dívida pública vai ajudar, agindo como uma poderosa correia de transmissão, ou atrapalhar, causando um colapso financeiro. O que se sabe é que a capacidade dos bancos centrais de dar suporte aos mercados e à economia desapareceu por um tempo. Em tal momento, a sobriedade percebida dos tomadores importa mais uma vez. Isso vale para as famílias, empresas e, não menos importante, os governos. Mesmo governos do G-7 anteriormente confiáveis, como o Reino Unido, estão aprendendo essa verdade. A maré financeira está baixando e só agora percebemos quem está nadando nu. (Tradução de Mario Zamarian).
Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times
Fonte: Valor Econômico
