Por Lucianne Carneiro e Alessandra Saraiva — Do Rio
29/06/2023 05h01 · Atualizado há 6 horas
Os dados do Censo Demográfico 2022, divulgados nesta quarta-feira (28) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a desaceleração do ritmo de crescimento da população brasileira, fruto da mudança demográfica do país, se deu de forma mais acentuada que a esperada, afirmam demógrafos ouvidos pelo Valor.
Especialistas indicam que fatores conjunturais como a pandemia e a epidemia de zika, além de um desempenho mais fraco da economia, que afeta a decisão de nascimentos, reforçaram uma tendência estrutural que já era de redução da natalidade e aumento da mortalidade. E ajudam a explicar ainda a evolução da população nos últimos 12 anos, entre o Censo 2010 e o mais recente. Uma expansão mais lenta da população também impõe desafios à capacidade de expansão da economia e de geração de riqueza no país, além de mudanças específicas em políticas públicas em áreas de saneamento e habitação.
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O IBGE informou que a população cresceu 0,52% em média, por ano, entre 2010 e 2022. Foi a menor taxa em 150 anos, desde o primeiro Censo, em 1872, ainda no Brasil Império, e também a primeira abaixo de 1%. Entre 2000 e 2010, o crescimento médio anual foi de 1,17%. Em 2022, o país tinha 203.062.512 pessoas, o que representa um crescimento de 6,5% frente à população de 2010, ano do Censo anterior, que era de 190.755.799 (12,3 milhões a mais). Mas o número está abaixo tanto da projeção populacional feita em 2021 (213,3 milhões) e também da prévia do Censo 2022 divulgada em dezembro (207,8 milhões), ambos dados do próprio IBGE.
Houve surpresa entre demógrafos diante da distância entre o número projetado e o final da população brasileira contada pelo Censo. “Eu confesso que fiquei surpreso”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Até mesmo o presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, admitiu que esperava uma diferença, mas não “tão alta”, e atribuiu a questão à falta de uma contagem populacional no meio da década, entre um Censo e outro, que deveria ter ocorrido em 2015. Atraso na coleta dos dados – o período se estendeu dos tradicionais três meses para dez meses – podem também contribuir para o resultado.
O diretor da FGV Social, Marcelo Neri, afirma que o crescimento menor da população não quer dizer, necessariamente, que haverá menor necessidade de políticas públicas. Ele explica que, apesar do crescimento de apenas 6,5% da população entre 2010 e 2022, o número de domicílios aumentou em 34%. Significa que há menos pessoas por residência frente a 2010. “Do ponto de vista das políticas públicas, essa mudança é importante para as políticas de habitação e saneamento”, diz o economista. “Já havia um problema de habitação e saneamento e o problema cresceu. O marco do saneamento tem metas e essas metas não ficaram mais fáceis.”
A avaliação é de que o Censo 2022 mostra o retrato de “uma diminuição muito acentuada do crescimento populacional”, como afirma o professor do Departamento de Demografia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo/Unicamp), Roberto Luiz do Carmo. “A taxa de crescimento anual foi metade do que tinha sido na década anterior. Em números absolutos, também foi a mais baixa em muito tempo. Foi de 12,3 milhões e, em períodos anteriores, era da ordem de 20 milhões, 22 milhões. Já era esperada uma tendência de decréscimo, mas foi mais acentuada do que se imaginava”, diz ele.
No contexto das tendências demográficas, Carmo cita a diminuição dos nascimentos – com redução da taxa de fecundidade, diante da maior inserção da mulher no mercado de trabalho – e o aumento da mortalidade – por causa do envelhecimento do Brasil. A pandemia e a epidemia de zika se somam a isso. “A gente tem essa dinâmica demográfica mais estrutural, somada a dois fatores conjunturais muito importantes: epidemia de zika e a pandemia.”
A professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e vice-presidente da União Internacional para o Estudo Científico da População (IUSSP, na sigla em inglês), Laura Wong, acrescenta mais dois fatores: o desempenho fraco da economia brasileira nos últimos anos e a migração de jovens. “A pandemia gerou mudanças no comportamento reprodutivo, que já estava diminuindo. Com o cenário pessimista da economia, as mulheres também tiveram menos filhos. E isso também levou à migração da população jovem, em idade de trabalhar e ter filhos”, diz Wong, que é uma das especialistas da comissão formada pelo IBGE para avaliar os resultados do Censo.
“Problema de habitação e saneamento, que já existia, cresceu” — Marcelo Neri
No retrato do Brasil neste novo Censo, a maioria da população (61,1%) – o que corresponde a 124,1 milhões de pessoas – vive nas grandes concentrações urbanas, em cidades nas quais há mais de 100 mil habitantes. Por outro lado, quase metade (44,8%) dos municípios tinha até dez mil habitantes, embora respondesse por apenas 6,3% da população, ou 12,8 milhões de habitantes. Os números mostram uma tendência clara de perda de população dos municípios mais populosos – inclusive aqueles que são centros de grandes concentrações urbanas – ou de ritmo menor de crescimento.
Cinco dos dez municípios mais populosos perderam população entre 2010 e 2022: Salvador (-9,6%), Recife (-3,2%), Belo Horizonte (-2,5%), Rio de Janeiro (-1,7%) e Fortaleza (-1,0%). Cidade mais populosa do país, São Paulo ainda registrou crescimento (1,8%), para 11,4 milhões de pessoas, mas em velocidade menor que o de municípios de seu entorno. “A população das capitais está crescendo menos ou perdendo população para os demais municípios da concentração urbana. Este é o fato novo desse Censo. Os municípios núcleos das concentrações urbanas, especialmente daquelas metropolitanas, estão perdendo dinâmica. Ou crescendo pouquinho, ou perdendo população”, afirma o diretor de Geociências do IBGE, Claudio Stenner.
Os dados do Censo 2022 também mostraram forte expansão do número de domicílios, uma alta de 34%, de 67,5 milhões em 2010 para 90,7 milhões em 2022. Parte disso, segundo o gerente técnico do Censo, Luciano Duarte, reflete a queda da média de moradores por domicílio, que passou de 3,31 em 2010 para 2,79 em 2022.
O economista Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), diz que o Brasil passou do ponto do bônus [demográfico]: “Depois do bônus, vem o ônus”. Na visão de Tafner, a mudança no perfil demográfico brasileiro agrava não só a situação do sistema previdenciário brasileiro mas compromete o próprio crescimento econômico do país. “Os países ricos aproveitaram o bônus demográfico para ampliar a produtividade do trabalho e investiram pesadamente em infraestrutura lá atrás”, compara o economista. E acrescenta: “Acontece o mesmo com os seres humanos: a tendência é de economizarem riquezas durante a sua fase mais ativas”.
Tafner lembra que o declínio da taxa de crescimento demográfico no país já era um fenômeno conhecido. “A demografia não muda de uma década para outra, o que acontece é um ajuste nas casas decimais”, diz ele. A “armadilha” que ameaça o país é, segundo ele, a combinação dessa alteração no perfil demográfico com a baixa capacidade de poupança do setor privado, “O déficit fiscal acaba subtraindo a poupança do setor privado que financiaria o crescimento”, explica.
Newton Conde, da Conde Consultoria Atuarial, especialista em previdência, diz que um cenário de crescimento populacional menor no país pode interferir em possível aumento no contingente de idosos, o que teria impactos na Previdência Social. “Há muito tempo vem se falando em crescimento de idosos [dentro da população brasileira]”, disse. “Significa que mais pessoas chegam à aposentadoria vivos e com expectativa de vida maior. Isso para a sociedade é bom, mas para a Previdência não. Porque aí haveria despesa maior com inativos e os ativos não estão contribuindo.”
Ele reconheceu, porém, que não há como afirmar, com certeza, se essa tese será confirmada. Isso porque o IBGE divulgou apenas a população atualizada do país, de 203 milhões, mas com menor ritmo de crescimento médio anual desde o primeiro Censo em 1872 – e sem a separação por faixas etárias.
Conde explicou que, se a perda de habitantes se concentrou, por exemplo, em brasileiros muito jovens, fora da idade economicamente ativa e contribuinte, “não afeta em nada a Previdência”. “Mas pode acontecer [redução de população] em faixa etária próxima a aposentadoria” disse. “Ou entre os aposentados”, sugeriu. Ele ressaltou ser importante ter a abertura por faixas etárias para saber se haverá impacto ou não nas contas do INSS. “Assim, poderemos pegar as informações do Censo anterior e comparar.” (Colaboraram Rafael Rosas e Rodrigo Carro)
Fonte: Valor Econômico
