Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
06/07/2022 05h02 Atualizado há 53 minutos
O PIB brasileiro vai crescer bem menos em 2023 na comparação com 2022. Para o sócio e economista-chefe do Julius Baer Family Office, Paulo Miguel, “vamos atingir o pico da expansão neste ano” e a ação atrasada da política monetária, o prolongamento do ciclo de aperto de juros pelo Banco Central e as incertezas no país e no mundo vão frear a atividade no próximo período.
Segundo o economista, “a sinalização é de desaceleração [da atividade em 2023]”. O especialista explica que, “dadas as surpresas de inflação e a defasagem de política monetária, a gente entrou no terreno contracionista só mais recentemente e, em termos de juro real ex-ante [juros esperados para um período futuro], a política monetária vai fazer um trabalho ainda mais contracionista mais adiante”.
O Julius Baer Family Office estima um crescimento do PIB de 0,5% para 2023 e um avanço neste ano de 2%, mas com uma tendência de ajuste para cima. De acordo com o economista da casa, a atividade mostrou dinâmica melhor no fim do primeiro semestre, especialmente os dados de emprego e de crescimento de serviços e varejo. Além disso, a provável injeção de dezenas de bilhões de reais na economia por meio da “PEC das bondades” tende a impulsionar o PIB na segunda metade de 2022.
O economista considera que o BC tem uma missão difícil pela frente, o que corrobora a visão de um 2023 praticamente estagnado. “As expectativas de [inflação para] 2023 e 2024 começam a se descolar da meta. É muito difícil para o BC parar o ciclo [de alta de juros] diante desse comportamento de preços e expectativas.”
Conforme Miguel, a projeção no Julius Baer Family Office é de que o BC deve ir a 14% no aperto da taxa Selic. Na visão do especialista, a autoridade tende a buscar elevações mais “homeopáticas”, com doses de altas menores, deixando a porta aberta para o ciclo continuar. “A gente contava que o topo dessa montanha dos juros seria visível no primeiro semestre, mas isso está adiado para o terceiro trimestre.”
A grande dificuldade em prever o rumo dos juros vem da continuidade de pressões sobre preços, tanto do lado da oferta quanto da demanda. “As surpresas da inflação continuam. Há um prolongamento de algumas dificuldades setoriais [de problemas de oferta] que se agravam por conta da guerra.” O Julius Baer Family Office projeta inflação de 8,5% neste ano, “se formos considerar as intervenções em preços de combustíveis”.
Para 2023, Miguel vê um cenário mais favorável para o BC iniciar um corte de juros e terminar o ano com a Selic em 9,5%. “Se tivermos um cenário de commodities mais fraco [com redução de preços], combinado com a defasagem de política monetária, pode trazer um alívio [das pressões inflacionárias] e abrir espaço de corte em 2023.” Na visão do especialista, “há uma evidência maior de desaceleração global e dinâmica de [preços de] commodities mais positiva, então são elementos que ajudam a reduzir a pressão inflacionária”.
O grau de incerteza, porém, ainda é elevado. No próximo ano, um dos fatores de preocupação é a possibilidade de haver uma recessão nos Estados Unidos e no mundo. “Podemos ter uma recessão global e os efeitos para o Brasil vão depender de como o governo encaminha temas essenciais para a confiança [como consolidação fiscal e reformas]”, diz.
Miguel ressalta que, a partir do próximo ano, o novo governo terá uma chance de consolidar o Brasil dentro de um rearranjo das cadeias de valor globais. “Posicionar o Brasil em favor desse redesenho é uma tarefa chave no próximo governo”, afirma.
A inserção do país, no entanto, “vai depender de uma situação doméstica compatível”. Um ponto chave, na visão do economista, seria a realização de uma reforma tributária. “Seria um dos elementos que facilitaria bastante o Brasil se posicionar nesse reequilíbrio. Uma reforma tributária no nível de impostos indiretos seria uma revolução, um choque positivo, quase como uma variável de aumento de produtividade.”
O economista-chefe do Julius Baer aponta ainda que, aos olhos do mundo, a preservação dos biomas e a agropecuária brasileira estão interligadas, ou seja, a deterioração da imagem do país na questão ambiental pode prejudicar os investimentos no setor. “Nós temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e um setor agropecuário eficiente. Mas a imagem da agricultura brasileira acaba se colocando no exterior como negativa por outros interesses.” De acordo com Miguel, o tema da Amazônia “será cada vez mais determinante do ponto de vista de atratividade de investimento”.
Uma agenda de redução de desmatamento e de aproveitamento do potencial natural do país poderia “firmar o Brasil como potência no mercado de carbono, reforçando a potência e eficiência do nosso setor agropecuário”. Na opinião de Miguel, “é fundamental o próximo governo ter uma agenda ambiental que sinalize nesse sentido”.
Para o especialista, apesar das reformas nos últimos anos, “nossa consolidação fiscal permaneceu sendo um trabalho incompleto e arrastado no tempo”. Segundo o sócio do Julius Baer Family Office, o Brasil, durante os anos da pandemia, teve performance muito aquém do resto do mundo, com deterioração maior dos ativos. A recém-destacada atratividade do Brasil em meio a uma preocupação com segurança alimentar e energética e pela busca de regiões livres de conflitos geopolíticos tende a ser temporária, diante dos problemas estruturais apresentados pelo país. “Isso tudo é muito conjuntural”, afirma o economista.
“Muita coisa precisa ser feita para a gente voltar a ser um polo de atratividade no âmbito da economia real e de investimentos em larga escala”, afirma o economista. O próximo governo precisa “fazer boas escolhas no âmbito fiscal”. Nesse sentido, a “PEC das bondades” passa uma mensagem muito ruim para os investidores estrangeiros. “Fica a ideia de banalização na mudança constitucional e que o arcabouço fiscal e as regras estão ao sabor das conveniências.”
Paulo Miguel: Dadas as surpresas de inflação e a defasagem de política monetária, a gente entrou no terreno contracionista só mais recentemente — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Fonte: Valor Econômico

