“Vale a pena ser otimista” diante da perspectiva de que a persistência inflacionária de medidas mais ligadas à política monetária, como os núcleos, irá ceder. O executivo conversou com o Valor de Londres, antes de vir ao Brasil para a 15ª edição do “Citi Brasil Equity Conference”, nesta terça-feira.
O apontamento feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que a desinflação tem dois momentos, sendo o segundo, o de trazer a inflação de fato para a meta, mais desafiador, é um dos pontos destacados por Lubin. “Não acredito que esse segundo estágio seja tão difícil assim”, diz o economista do Citi. Além da taxa de juros real muito alta, Lubin menciona como fatores favoráveis a queda relevante nos preços das commodities e a “armadilha deflacionária” na China, que acaba influenciando outros países. “O que podemos começar a ver é uma inflação surpreendentemente baixa”, afirma.
Valor: Vamos começar a ver um movimento de redução de juros nos mercados emergentes?
David Lubin: Sim. Já vimos alguns bancos centrais começando a cortar as taxas de juros. Uruguai, Costa Rica, Vietnã já começaram um ciclo de flexibilização e não é difícil imaginar que outros países seguirão esse exemplo. E faz sentido. Quando consideramos os juros reais ex-ante dos mercados emergentes, a mediana está em torno de 1,5% agora, mas, ao longo dos últimos dez anos, a média dessa medida é de cerca de 0,5%. Isso ajuda a dar a sensação de como a política monetária nos emergentes está apertada, ainda mais quando observamos o contexto histórico. Brasil, México, Chile, Colômbia… todos esses países estão com juros reais excepcionalmente altos para padrões históricos, mas acredito que, agora, há razões para acreditar que a inflação começará a cair de forma sólida.
Valor: Quais razões?
Lubin: É fácil fazer essa afirmação quando olhamos, principalmente, a inflação ‘cheia’. Os preços das commodities estão caindo e, na nossa visão, devem continuar a cair por vários trimestres. Petróleo, gás, trigo, soja, níquel, minério de ferro, milho… Tudo está colocando muita pressão para baixo, ao menos na inflação ao produtor. Existe uma relação vaga, mas intuitiva, entre os preços ao produtor e ao consumidor. Mas quero acrescentar mais dois pontos. O primeiro tem relação com a China, que, no momento, tem um sério problema deflacionário. Há algumas evidências que sugerem que, quando a China ‘produz um preço’ para cima ou para baixo, isso tende a influenciar outros países, porque a China tem muito poder de preço na economia global. O segundo ponto tem relação com os núcleos de inflação. Os únicos países em que o núcleo não está caindo de forma sólida são os da América do Sul. É irônico e paradoxal, porque são países que vêm apertando a política monetária de forma dramática e que têm taxas de juros reais muito altas.
Valor: A persistência inflacionária nos núcleos tende a continuar?
Lubin: Acho que vale a pena ser otimista. Na verdade, é engraçado… [O presidente do Banco Central] Roberto Campos faz questão de ressaltar que a desinflação no Brasil pode ser entendida em dois estágios. A primeira fase é mais fácil e, depois, existe essa fase mais difícil. Em outras palavras, uma vez que você chega a uma inflação de 4% ou algo assim, fica mais difícil depois levar a inflação de volta para a meta. Por causa dessa deflação nos preços das commodities; da fraqueza da China e da armadilha deflacionária em que a China está; e pelo fato de as taxas de juros reais estarem muito altas agora, não acredito que esse segundo estágio seja tão difícil assim. Na verdade, o que podemos começar a ver é uma inflação surpreendentemente baixa.
Valor: É um cenário que foge um pouco do consenso…
Lubin: Acredito que devemos estar abertos a esse cenário, até por causa do que já vejo acontecendo em termos de dinâmica de preços no atacado. E também tivemos nas últimas semanas, em geral, números de inflação que foram surpreendentemente baixos em diferentes regiões geográficas e em diferentes tipos de economia – desde exportadores de commodities, como Brasil e Chile, até exportadores de manufaturados, como Índia ou Hungria. Não importa onde você esteja ou que tipo de economia tenha. Nas últimas semanas, os números de inflação ficaram abaixo das expectativas do mercado.
Valor: Os bancos centrais de países desenvolvidos estão em uma discussão sobre aperto monetário adicional. Isso pode afetar o sentimento em torno dos emergentes?
Lubin: Na teoria, sim. Na prática, o efeito é relativamente menor, principalmente porque já estamos em um estágio avançado do processo de aperto monetário no mundo desenvolvido. Em 2022, quando os Estados Unidos realmente começaram a levar a sério o processo de aperto, isso foi acompanhado por um fortalecimento do dólar e houve uma combinação de aumento dos juros e valorização do dólar. Esse aperto das condições monetárias suga capital dos mercados emergentes e criou alguma instabilidade financeira, mas, na verdade, a intensidade foi muito menor do que as pessoas esperavam. Neste ano, tivemos essa situação interessante em que o Fed continuou a aumentar os juros, mas o dólar esteve fraco. Embora eu diga que o apetite por risco em relação às economias emergentes é relativamente frágil, ele não está nem um pouco destruído. E uma das consequências de os juros reais estarem historicamente muito altos nos emergentes é que eles atuam como um ímã para fluxos de capital. Assim, quando o dólar está enfraquecendo, isso cria um ambiente em que gestores estão mais dispostos a alocar capital em mercados emergentes.
Valor: Apesar desse ambiente de juros altos, a atividade segue resiliente nos emergentes. Por quê?
Lubin: Em alguns países, o clima ajudou. Foi o caso do Brasil, que teve sorte, com um desempenho fantástico da agropecuária no primeiro trimestre. E, em outros países, a poupança acumulada em decorrência de gastos públicos durante a pandemia também ajudou. Mas, de certa forma, acho que provavelmente é correto pensar que esse quebra-cabeças de crescimento forte e inflação baixa vai se resolver sozinho. Em outras palavras, esse quadro deve desaparecer nos próximos trimestres, até porque acho que veremos mais e mais pressão sobre o crescimento econômico.
Valor: Há uma frustração do mercado, principalmente, com o desempenho do crescimento chinês…
Lubin: Havia uma suposição generalizada de que a recuperação da China neste ano seria parecida com retomadas anteriores, que foram impulsionadas por estímulos e por investimentos. Essa não é a história da China em 2023. A recuperação neste ano não é impulsionada por estímulos. É o resultado do que acontece quando as pessoas são liberadas do ‘lockdown’. É uma recuperação impulsionada pelo consumo e por serviços e, por isso, há poucos efeitos positivos para as economias emergentes.
Fonte: Valor Econômico

