A isenção tributária no pagamento de dividendos sobre o estoque de lucro acumulado das empresas, prevista no projeto de lei (PL) que impõe a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre proventos, tem sido alvo de questionamentos ao esbarrar em um artigo da Lei das S.A. O conflito de regras coloca sobre a mesa um impasse de centenas de bilhões de reais.
O PL 1087/2025, que amplia a faixa de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e estabelece a tributação dos dividendos em 10%, retidos na fonte, prevê que não seja cobrado imposto no caso de distribuição do lucro acumulado que foi incorporado ao patrimônio líquido. Esse resultado pode ser sido acumulado ao longo de 30 anos, desde a promulgação da lei 9.249, de 1995, que garantiu a isenção da tributação sobre os dividendos. O projeto está em regime de urgência e deve ser logo votado pelo Congresso.
Conforme a redação atual do texto, para haver chance de distribuição desse estoque sem a tributação, foi aberta a possibilidade de as companhias declararem o pagamento ainda em 2025 – ou seja, antes da entrada em vigor da lei. No entanto, o pagamento poderá ser feito em outros anos.
Esse item foi incorporado ao PL no substitutivo elaborado pelo relator da proposta, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para regulamentar o chamado “estoque de lucros” acumulados até 31 de dezembro de 2025, de forma a manter o tratamento tributário vigente hoje.
O problema é que há uma inconsistência para as empresas que são sociedades anônimas (S.A.), que seguem uma legislação específica. O artigo 205 da Lei das S.A. determina que o dividendo seja pago no mesmo exercício em que foi declarado. Em tese, portanto, as companhias que declarassem a distribuição de proventos sobre o estoque teriam de fazer o desembolso ainda em 2025, com grande impacto sobre o caixa.
Criou-se para as S.A. – grupo que abrange as maiores empresas do país – uma incerteza sobre a possibilidade de pagar os dividendos de forma escalonada. Diante disso, muitas companhias estão à espera de esclarecimentos ou de mudanças na redação do projeto.
O assunto deverá ser discutido pela Abrasca, que reúne companhias abertas. A entidade foi recentemente alertada sobre a questão que vai afetar suas associadas, apurou o Valor.
Se consideradas as 15 principais empresas que compõem o Ibovespa, conforme os balanços do segundo trimestre, o estoque agregado de lucros e reservas de lucros chega a aproximadamente R$ 591 bilhões, de acordo com levantamento feito pelo escritório Levy Salomão.
Algumas companhias mais conservadoras e com disponibilidade de caixa estão programando o pagamento para este ano, de forma a garantir a isenção. A maioria, porém, aguarda uma definição. Um dos problemas é o efeito caixa trazido pela distribuição dos proventos. Muitas empresas não tem essa disponibilidade ou preferem reter os recursos dado o atual cenário macro, com juros elevados.
O sócio da área societária do Levy Salomão, Erickson Santana de Oliveira, destaca que esse ponto trouxe uma “dificuldade mecânica” para que as empresas S.A. consigam antecipar os efeitos do PL sem “ofender” as regras societárias. “Ficou uma armadilha”, diz.
Segundo Oliveira, o escritório tem alertado os clientes sobre a questão. Uma solução, segundo ele, seria isentar todo o estoque atual e iniciar a cobrança sobre os dividendos calculados a partir dos resultados apurados em 2026.
Daniel Loria, ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária e sócio do Loria Advogados, afirma que existe uma dúvida de interpretação e, com isso, um risco de questionamentos para as S.A. que seguirem o texto do PL. Ele diz que, se aprovada a redação atual, uma alternativa seria fazer um aumento de capital da companhia com o estoque de lucro, para contornar o efeito caixa. “Seria uma alternativa mais segura e sem risco de questionamento.”
Procurado por meio de seu gabinete, Lira não concedeu entrevista.
Fonte: Valor Econômico

