Por Matheus Prado, Gabriel Roca e Victor Rezende — De São Paulo
01/09/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
Incertezas acerca do Orçamento do ano que vem e vetos da Presidência da República a trechos da lei do arcabouço fiscal ampliaram o desconforto de participantes do mercado em relação à saúde fiscal do país e decretaram uma dinâmica de incorporação de prêmios de risco nos ativos domésticos na sessão de ontem. Além disso, na bolsa, a proposta de acabar com os juros sobre capital próprio (JCP), publicada pela União durante o dia, continuou a afetar ações de empresas que utilizam o mecanismo.
No fim do dia, o dólar comercial avançou 1,67%, cotado a R$ 4,950, e o Ibovespa apresentou recuo de 1,53%, para 115.742 pontos. No mercado de juros, a taxa do contrato de DI para janeiro de 2027 saltou de 10,215% para 10,38%; e a do DI para janeiro de 2029 subiu de 10,69% para 10,84%.
Agentes passaram, desde a tarde de quarta-feira, a embutir mais prêmio de risco nos ativos locais, na medida em que aumentou a percepção de piora nas condições fiscais do país. O movimento, iniciado com a divulgação do resultado primário do governo central pelo Tesouro Nacional, impulsionou os juros de longo prazo.
Analistas também apontam que vetos presidenciais à lei do arcabouço fiscal ampliaram o desconforto ontem. Um deles derrubou a proibição de que a Lei de Diretrizes Orçamentárias previsse a exclusão de despesas primárias da meta de resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social.
Eduardo Cotrim, gestor da JGP, diz que a decisão foi o principal motivo que levou os ativos domésticos a terem um desempenho pior na sessão de ontem. “Esse veto tornou o arcabouço mais frágil e gerou boa parte da performance ruim do câmbio e a alta da curva de juros”, aponta, ao revelar, ainda, que no momento não tem posição em juros nominais e reais.
Cotrim observa que, nos últimos dias, a piora na percepção de risco fiscal voltou ao foco, ao se ter em vista tanto as especulações de se abandonar a meta de zerar o déficit primário em 2024 quanto a piora nos resultados fiscais correntes, na medida em que a arrecadação tem decepcionado. “A receita não está respondendo da forma como o governo imaginava. A deterioração dos ativos nos últimos dias tem muito a ver com essa frustração com a arrecadação”, enfatiza.
Na visão do gestor, o mercado tem tentado observar o quão crível é a promessa de se entregar um resultado primário zerado em 2024 e o compromisso com essa meta. Para ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “vai ter que ser muito forte para que isso aconteça”. “A preocupação com a questão fiscal vai voltando à medida que o tempo passa e que as projeções mais otimistas não se realizam. Agora será preciso ver se, com estimativas de arrecadação factíveis e todas as demandas de despesa, o compromisso com a meta de resultado primário será mantido.”
Segundo o estrategista-chefe para América Latina do Mizuho, Luciano Rostagno, o comportamento do investidor estrangeiro em relação ao Brasil pode estar mudando. Ele defende que os juros de longo prazo estão subindo mais e é justamente ali que o estrangeiro costuma aplicar mais.
“O estrangeiro vinha se mostrando menos preocupado e não olhando tanto para o detalhe na parte fiscal. A combinação do resultado primário pior que o esperado com a fala da [ministra do Planejamento e Orçamento, Simone] Tebet, indicando que o governo precisa levantar R$ 168 bilhões de receitas adicionais, parece trazer um choque de realidade para o estrangeiro, que se dá conta que a situação fiscal é pior”, diz Rostagno.
Já o diretor de investimentos da Nau Capital, Mauricio Valadares, entende que, nos últimos dias, os agentes pararam de operar a aprovação do arcabouço fiscal e passaram a se preocupar com a aplicabilidade da regra e sua capacidade de suavizar a trajetória da dívida. “O mercado exagera nos movimentos. No início do ano, precificava uma tragédia. Depois da tramitação do arcabouço, pode ter exagerado no otimismo”, aponta.
“Acredito que seja um ajuste, não necessariamente uma piora estrutural na visão de investidores sobre o país. Ao desenhar cenários de cortes de juros, parecemos ter espaço para cortar bastante e a bolsa costuma ser um ‘bom cavalo’. Mas, como sabemos que as empresas estão na mira do governo para aumentar a arrecadação, temos menos do que poderíamos.”
Fonte: Valor Econômico

