Por Sergio Lamucci, Marsílea Gombata, Anaïs Fernandes, Marta Watanabe, Lucianne Carneiro, Alessandra Ribeiro, Rafael Vazquez e Rafael Rosas — De São Paulo e do Rio
02/12/2022 05h01 Atualizado há 5 horas
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A economia brasileira perdeu fôlego no terceiro trimestre, crescendo 0,4% em relação ao segundo, feito o ajuste sazonal – nos dois trimestres anteriores, a expansão tinha sido de 1,3% e 1%. Apesar da desaceleração do PIB total, a demanda doméstica – o consumo das famílias, o investimento e o consumo do governo – teve bom desempenho, crescendo 1,4%. Pelo lado da oferta, os serviços ainda avançaram a um ritmo considerável, de 1,1%, enquanto a indústria teve alta mais moderada, de 0,8%. A agropecuária caiu 0,9%.
A queda da agropecuária foi um dos fatores que frearam o PIB no período de julho a setembro, refletida também na variação de estoques, que tirou 0,76 ponto percentual do crescimento. Além disso, o setor externo contribuiu negativamente para o PIB, uma vez que as exportações cresceram menos que as importações. O ciclo de alta dos juros também influenciou a desaceleração, num quadro de famílias muito endividadas. A perda de ritmo deve seguir nos próximos trimestres.
Com a revisão de todas as séries trimestrais desde 2020, “em geral para melhor”, como notado pela LCA Consultores, os economistas promoveram ligeiras revisões para cima das projeções de crescimento de 2022, para a casa de 3% ou um pouco mais. Para 2023, a expectativa é de uma expansão bem mais modesta, à medida que o efeito dos juros mais elevados e da desaceleração global atinja a atividade. Os mais otimistas esperam um avanço um pouco acima de 1%, enquanto os mais cautelosos veem uma alta em torno de 0,5% ou menos (ver Resultado do ano deve ficar mais perto de 3% após revisões pelo IBGE).
A variação do PIB no terceiro trimestre, de 0,4%, foi inferior ao consenso dos analistas ouvidos pelo Valor Data, de 0,6%. A abertura dos dados, porém, mostrou uma demanda interna forte. O consumo das famílias cresceu 1%, número razoável, ainda que menor que os 2,1% do trimestre anterior. Já o investimento avançou 2,8%, bem mais que o 1,3% das previsões do mercado, embora inferior aos 3,8% do segundo trimestre. O consumo do governo, por sua vez, teve alta de 1,3%, depois de dois trimestres seguidos de retração.
Nas contas do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, a chamada demanda doméstica final (soma do consumo das famílias, consumo do governo e investimentos, menos a variação de estoques) avançou 1,4%, ritmo ainda forte, embora abaixo do 1,9% do segundo trimestre.
“Após liberar R$ 21 bilhões extras de FGTS e antecipar o 13º de aposentados e pensionistas no segundo trimestre, o governo adotou novas medidas de estímulo nos três meses seguintes, com a aproximação das eleições”, lembra a LCA. “A principal ação foi a expansão do valor do Auxílio Brasil [de R$ 400 para R$ 600]. Outras medidas relevantes foram as ampliações das desonerações fiscais e do auxílio gás e a ajuda para taxistas e caminhoneiros.”
A variação de estoques teve uma contribuição negativa expressiva no terceiro trimestre, tirando 0,76 ponto percentual da expansão do PIB, nos cálculos de Ramos. Ela ficou negativa em R$ 9,2 bilhões de julho a setembro. A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, explica que o terceiro trimestre é tradicionalmente de variação de estoque negativa por causa da agricultura, em especial a soja. Como neste ano a soja teve queda na produção, isso afetou a variação de estoques.
Ainda pelo lado da demanda, o setor externo também ajudou a explicar o avanço mais fraco do PIB. Ramos estima que a diferença entre vendas e compras externas tirou 0,31 ponto percentual do crescimento. As exportações aumentaram 3,6% sobre o segundo trimestre e as importações subiram 5,8%.
Pelo lado da oferta, a agropecuária recuou 0,9%, depois de três altas trimestrais seguidas. Já o setor de serviços, com peso de 70% no PIB, subiu 1,1%, liderou o crescimento no terceiro trimestre, embora o número tenha sido um pouco mais fraco que o 1,3% do trimestre anterior. A perspectiva de menor renda das famílias e maior endividamento ameaçam a manutenção desse cenário para o setor, afirma Rodolfo Margato, economista da XP. “O segmento vem mostrando resultado bastante sólido, sendo protagonista do crescimento no período recente”, diz Margato, ao lembrar que seis dos sete subsetores de serviços tiveram alta no terceiro trimestre – informação e comunicação subiu 3,6%, e atividades financeiras, 1,5%. Apenas o comércio caiu – 0,1%. Economista da LCA, Rodrigo Nishida diz que há uma trajetória de desaceleração em curso dos serviços. Esa tendência deve continuar, depois de o setor ter se beneficiado da redução das medidas restritivas à mobilidade e da retomada de atividades presenciais. “Já estamos vendo uma trajetória de desaceleração do PIB e de serviços. A perspectiva é que isso continue”, afirma ele. “Isso porque o efeito da retomada de serviços vai se esgotar, assim como o das medidas de auxílio. E isso em um contexto de aperto de condições monetárias, juros subindo, endividamento alto, e cenário global mais complicado.”
A indústria teve uma alta de 0,8%. O segmento com o avanço mais forte foi a construção civil, de 1,1%. A indústria de transformação, por sua vez, ficou quase estável, com alta de 0,1%, enquanto a indústria extrativa recuou 0,1%.
Ao tratar da perda de fôlego no terceiro trimestre, Rebeca nota que a desaceleração está ligada ao recuo da agropecuária, ao comércio exterior, aos efeitos da política monetária e a uma base elevada, por causa do avanço do PIB nos últimos cinco trimestres. Para o quarto trimestre, a perspectiva é que a desaceleração da atividade continue, e o PIB pode ficar até estagnado, segundo Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da JGP Gestão de Recursos. “O resultado do Caged [que traz números do emprego formal] diminuiu, os indicadores de confiança ficaram bem piores, o comércio comentou que a Black Friday não foi tão boa, a Anfavea [associação das montadoras] relatou que não foi muito bem.” Nos próximos meses, a Selic mais alta atingirá a economia com mais força, o que terá impacto sobre o crédito.
As dúvidas sobre a política fiscal a partir do próximo governo podem afetar o cenário de crescimento para 2023. Se for aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição mais modesta, por um prazo menor e com valores fora do teto abaixo dos R$ 198 bilhões propostos pela equipe do PT, o ambiente pode ficar mais favorável no mercado, levando a um dólar mais barato. Também é necessário que se apresente uma nova regra fiscal crível, que indique uma trajetória sustentável da dívida pública. Sem isso, a atividade em 2023 poderá desacelerar mais do que se prevê, com a queda da Selic sendo retardada. Para completar, a economia global passará por desaceleração expressiva.
Outro destaque de ontem foram as revisões do PIB divulgadas pelo IBGE, evidenciando que a aceleração da economia ganhou força a partir de meados de 2021 e perdeu um pouco de ímpeto no terceiro trimestre de 2022, diz Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria. Nesse cenário, a BRCG revisou o PIB projetado para 2022 de alta de 2,8% para alta de 3,2%. Para o ano que vem houve revisão de crescimento de 0,4% para 0,5%.
A queda do PIB de 2020 foi revista para 3,3% – o dado anterior era recuo de 3,9%. Além disso, as revisões preliminares das contas de 2021 mostraram retomada mais firme no ano passado – o crescimento foi revisado de 4,6% para 5%. “Em suma, caímos menos em 2020 e tivemos recuperação mais vigorosa em 2021, com composição mais salutar”, diz Ribeiro.
Fonte: Valor Econômico

