Por Gabriela Ruddy, Fábio Couto e Maria Cristina Fernandes — Do Rio e São Paulo
04/11/2022 05h00 Atualizado
A Petrobras anunciou na tarde de ontem a distribuição de dividendos no valor de R$ 43,68 bilhões relativos aos resultados do terceiro trimestre do ano. O pagamento, a ser feito em dezembro deste ano e em janeiro de 2023, foi aprovado em reunião do conselho de administração, mesmo depois de a Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) ingressar com pedido para que a Procuradoria Geral da República entre com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para sustar a distribuição. A Anapetro pediu ainda que o Ministério Público do Tribunal de Contas da União tome providencias.
A remuneração aos acionistas da Petrobras é alvo de críticas do Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, por entender que essa farta distribuição de recursos reduz a capacidade de investimento da empresa. Ontem à tarde, a estatal divulgou fato relevante anunciando a distribuição de R$ 3,35 por ação preferencial (PN) e ordinária (ON) em circulação. A primeira parcela, no valor de R$ 1,67445 por ação, será paga em 20 de dezembro, seguida por uma segunda parcela, no valor de R$ 1,67445 por ação, em 19 de janeiro de 2023.
Somados dividendos e juros sobre capital próprio (JCP), a companhia aprovou o pagamento de R$ 179,98 bilhões em proventos relativos aos resultados dos três primeiros trimestres de 2022 – valor é 77,5% superior ao do ano passado. Em todo o exercício 2021, a companhia pagou R$ 101,39 bilhões em proventos aos investidores.
A política de dividendos da empresa prevê que, quando tiver endividamento bruto inferior a US$ 65 bilhões, a companhia poderá distribuir aos seus acionistas 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e os investimentos. A política também prevê a possibilidade de pagamento de dividendos extraordinários, desde que não afete a sustentabilidade financeira da companhia. “Não existem investimentos represados por restrição financeira ou orçamentária e a decisão de uso dos recursos excedentes para remunerar os acionistas se apresenta como a de maior eficiência para otimização da alocação do caixa”, afirmou a empresa no fato relevante divulgado ontem.
Cerca de R$ 20 bilhões do montante anunciado ontem devem ir para o caixa da União. Em ofício encaminhado às estatais em julho, o Ministério da Economia havia pedido um aumento com a receita de dividendos para bancar os gastos da proposta de emenda constitucional que permitiu o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, além dos benefícios de caminhoneiros, taxistas e vale-gás.
A presidente do PT, Gleisi Hoffman, classificou o valor dos dividendos como “sangria” na petroleira. “Não concordamos com essa política que retira da empresa sua capacidade de investimento e só enriquece acionistas. A Petrobras tem de servir ao povo brasileiro”, disse em postagem em redes sociais. Na ação judicial, a Anapetro diz que uma sociedade de economia mista, como a estatal, se diferencia de empresa 100% privada pelo emprego dos lucros da companhia na realização de “investimentos estratégicos” capazes de garantir a “sustentabilidade, bem como o cumprimento de sua função social”. Em vez disso, diz a associação, a atual política transformou a empresa numa “notória distribuidora de polpudos dividendos que tornaram a companhia uma ‘vaca leiteira’ do mercado.”
A entidade também enviou carta ao conselho de administração da estatal pedindo que o colegiado se abstivesse de votar sobre o assunto. A associação argumentou que a distribuição de dividendos se refere às demonstrações financeiras da companhia que serão aprovadas em assembleia de acionistas a ser realizada apenas em abril do próximo ano, depois da transição de governo. Na carta enviada ao colegiado, à qual o Valor teve acesso, o presidente da Anapetro, Mário Dal Zot, afirma que a União, controladora da Petrobras, orienta a empresa a atuar forma lesiva ao interesse nacional por “não ter um planejamento de longo prazo que permita uma transição energética eficiente e tempestiva”.
“Estamos diante de um claro cenário de um abuso de direito do poder controlador da Petrobras. Se este abuso já estava configurado com a distribuição de dividendos nesta monta, no cenário pós eleitoral e gerando obrigações à futura gestão da Petrobras, a situação é agravada”, diz o documento. A Anapetro, junto com a Frente Parlamentar em defesa da estatal, presidida pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), ainda vai ingressar com nova ação judicial hoje na Justiça Federal contra a distribuição de dividendos anunciada pela empresa. Prates é um dos nomes cotados para assumir a presidência da estatal no futuro governo Lula.
André Vidal, chefe de óleo, gás e materiais básicos da XP, diz que o pagamento de dividendos anunciado ontem não compromete as contas da estatal, que “segue gerando bastante caixa” e vem operando abaixo da alavancagem da sua política financeira, que fala em alvo de US$ 60 bilhões de dívida bruta podendo chegar a US$ 65 bilhoes. Na reunião de ontem do conselho da Petrobras, nove membros do colegiado votaram a favor da distribuição e dois foram contrários, segundo fontes. O conselho tem quatro executivos indicados pelos acionistas minoritários, uma representante dos funcionários e seis indicados pela União, incluindo o presidente da companhia, Caio Paes de Andrade.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) também enviou ontem carta ao presidente da petrolífera com pedido para que a companhia se engaje no processo de transição de governo. Na carta, o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, solicita que a companhia garanta as informações necessárias para os novos gestores que vão assumir a empresa a partir de 2023.
Fonte: Valor Econômico
