Autarquia de registro de marcas e patentes funciona com presidente interino e só 10% da receita do que arrecada
Por Arthur Rosa — São Paulo
19/05/2023 09h47 Atualizado há um minuto
Boa parte da população não sabe o que significam essas quatro letras: INPI. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial, órgão governamental — uma autarquia federal — que atua com registro de patentes e marcas, não é nada popular. Há pesquisa com essa comprovação.
Foi realizada pelos professores Kone Cesário e Gustavo Cesário, do KG Cesário Pareceres e Pesquisas, entre 30 de março e 7 de abril, com uma amostra de 200 pessoas acima de 16 anos.
Apenas 44% das pessoas que responderam à pesquisa disseram conhecer o INPI. E a situação fica ainda pior: um em cada três dessas pessoas, porém, deram respostas erradas sobre a função do órgão — como pesquisa industrial, pesos e medidas — ou afirmaram não se lembrar.
Levando em consideração essas duas perguntas, de acordo com os professores, o real desconhecimento sobre o INPI chega a 71% — sete em cada dez brasileiros. Poucos sabem o que ele faz e sua importância para o Brasil.
INPI x Anvisa
A mesma pesquisa fez perguntas sobre a Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. E o resultado foi o inverso. A população conhece o órgão e sabe realmente o que faz.
Um total de 98% respondeu que conhece a Anvisa e, dessas pessoas, 94,4% tinham a correta compreensão da atuação do órgão. Apenas um percentual muito pequeno deu respostas sem qualquer relação com o órgão (3,1%) ou afirmou que não se lembrava (2,6%).
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Kone Cesário e Gustavo Cesário: Pesquisa revela que INPI não é nada popular entre os brasileiros — Foto: Divulgação
Esses números, segundo a professora Kone Cesário, refletem o descaso político dado ao INPI. O órgão, acrescenta, nem sempre ganhou a real importância que deveria.
“Entra governo, sai governo, pouco muda. Já se passaram mais de cem dias da gestão Lula e a autarquia ainda não tem um presidente”, diz.
No comando está interinamente o diretor de administração, Júlio César Moreira.
CNI
O INPI faz parte de um documento de reivindicações entregue pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O INPI está debaixo do chapéu da pasta — na gestão anterior estava atrelado ao Ministério da Economia. Eram propostas prioritárias para os cem primeiros dias do governo.
A CNI quer a edição de uma norma para transformar o INPI em uma agência, como a Anvisa, para “garantir a sua autonomia financeira e assegurar a modernização de seus procedimentos, com base em padrões e boas práticas internacionais”
O INPI é superavitário e capaz de gerar os recursos de que precisa. A sua receita atual é suficiente, inclusive, de acordo com a CNI, para promover a sua modernização.
Hoje, porém, os recursos financeiros arrecadados são direcionados ao Tesouro Nacional. Com isso, fica submetido às limitações impostas pelo orçamento — que destina apenas uma pequena parcela do que o ao órgão arrecada.
Arrecada muito, mas recebe pouco
Só para se ter uma ideia: as receitas geradas em 2021 foram de R$ 581,4 milhões, segundo o documento da CNI, e o valor previsto no orçamento de 2022, para o INPI, foi de R$ 70 milhões. Após contingenciamentos, o montante efetivamente liberado caiu para apenas R$ 34 milhões, com adicionais de R$ 20 milhões.
Por isso, luta-se tanto pela independência do órgão. Seria a saída, afirma a indústria, para “redução do tempo para análise de patentes e eliminação do passivo de pedidos pendentes (backlog), estímulo ao registro de patentes e, consequentemente, à pesquisa e inovação e melhoria do ambiente de negócios e da segurança jurídica e, consequentemente, maior atração de investimentos”.
A discussão está, inclusive, na Justiça Federal. A Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) ajuizou, em 2021, uma ação civil pública contra o INPI e a União.
A sentença foi proferida em abril de 2022 e suspensa por recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Condenava a União a garantir ao INPI as receitas necessárias para “medidas a serem progressivamente adotadas para aprimoramento de suas atividades”.
Determinava, ainda, um prazo de 90 dias para apresentação de um relatório detalhado do funcionamento da autarquia e mais 90 dias para a apresentação das medidas a serem adotadas para aprimoramento de suas atividades.
Análise mais rápida
O presidente interino, Júlio César Moreira, apresentou recentemente um plano ambicioso para o órgão. Até 2026, decidir em dois anos os exames de pedidos de patentes, sem contestação — hoje o prazo é de 3,4 anos e, em 2019, era de 6,3 anos. Com isso, o INPI estaria no mesmo patamar dos grandes escritórios internacionais de patentes.
Para alcançar esse objetivo, bate-se sempre na mesma tecla. Moreira reafirmou a necessidade da autonomia de gestão do INPI para contratar examinadores, comprar equipamentos, investir em tecnologia e outras ações.
Por ora, o órgão está solicitando ao MDIC aumento do orçamento para este ano, dos atuais R$ 52 milhões para R$ 72 milhões.
Para ser mais eficiente, está previsto no Plano Estratégico do INPI para os próximos quatro anos o ingresso de novos examinadores de marcas e patentes — hoje são 446. O órgão, criado em 1970, tem hoje, no total, quase mil funcionários, enquanto a Anvisa, criada em 1999, 2,1 mil servidores.
Concessão de patentes
A ABPI também corre por fora da Justiça. Junto da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi), enviou no dia 16 de março carta ao MDIC defendendo o prazo de dois anos para a concessão de uma patente no país.
Alertam para o direito constitucional do titular em explorar seu invento com exclusividade, por “período razoável”, e também de requerer indenização retroativa por conta da demora na análise dos exames feitos pelo INPI.
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Essa rapidez evitaria disputas eternas, como a travada pela indústria farmacêutica, que apesar de perder no Supremo Tribunal Federal (STF) a discussão sobre a extensão do prazo de patentes, continua no Judiciário, com nova argumentação, para não perder a exclusividade na venda de medicamentos.
Fonte: Valor Econômico