Por Ricardo Mendonça — De São Paulo
12/12/2022 05h00 Atualizado há 3 horas
O economista Marcos Lisboa faz uma avaliação crítica em relação ao texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovada no Senado na semana passada. Segundo Lisboa, o texto, que dá ao governo uma licença para gastar quase R$ 200 bilhões fora do limite fixado pela regra do teto, tem a marca do “populismo mais fácil”.
A PEC, na sua avaliação, estabelece uma via para a efetivação da política social, mas sem impor perdas a outros segmentos, sem mexer em isenções e benefícios de setores privilegiados da sociedade. Trata-se, portanto, de mera continuidade do caminho adotado nos últimos anos.
Depois de citar isenções para taxistas e caminhoneiros, instituídas pelo governo Jair Bolsonaro, e margem generosa para pagamento de emendas do relator do Orçamento, que pode continuar no governo Luiz Inácio Lula da Silva, Lisboa afirma que o pendor pela acomodação é o que ajuda a explicar o baixo crescimento do país.
Agora, para piorar, com possíveis consequências sobre a dívida e a inflação. “Isso vai ter um custo social muito alto”, afirma.
Lisboa foi secretário de política econômica no primeiro mandato de Lula e hoje é presidente do Insper, em São Paulo.
Na instituição de ensino, trabalhou com o ex-prefeito Fernando Haddad, que lecionou no local entre 2017 e 2021. Apesar disso, Lisboa não quis fazer considerações a respeito da indicação de Haddad ao comando do Ministério da Fazenda. Na entrevista realizada poucas horas antes da confirmação da indicação feita por Lula, Lisboa disse que não fala sobre nomes, apenas sobre políticas públicas.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual é a sua avaliação a respeito da PEC da Transição nos termos em que a matéria foi aprovada no Senado?
Marcos Lisboa: Olha, eu fico preocupado. Porque está começando essa jornada com um agravamento da situação fiscal. Isso vai ter consequências sobre a evolução da dívida, pode ter um impacto relevante para volta da inflação no próximo ano. E isso vai ter um custo social muito alto. Aparentemente, a gente continua na trajetória de não enfrentar os problemas de base. A questão não é equilíbrio fiscal ou responsabilidade social. A questão é que a gente tem que construir a responsabilidade social escolhendo prioridade da política pública.
Valor: O que seria isso?
Lisboa: A gente assistiu nos últimos dois anos a uma disseminação da concessão de benefícios e ações tributárias para igrejas, distribuição de benefícios para taxistas, benefícios para caminhoneiros, proteção para setor de etanol e muitos outros. Se a gente quiser ter um caminho de responsabilidade social, a gente deveria rever essas instituições de benefícios e, aí sim, destinar os recursos públicos para a gema social dos mais vulneráveis.
Valor: A sinalização não tem sido essa.
Lisboa: O caminho que tem sido escolhido nos últimos anos, e agora, aparentemente, também pelo novo governo, é o caminho do populismo mais fácil. Que é não comprar brigas e fingir que não há restrições. Vai ter um preço mais tarde.
Valor: Tem a necessidade de garantir o pagamento do Auxílio Brasil com piso de R$ 600 já em janeiro. Que outra solução poderia ser dada a isso?
Lisboa: Ah, você podia ter alguma solução específica, pontual, mas não foi isso que foi feito. O que veio proposto não foi isso. Foi: “acomoda tudo que está aí, não vamos enfrentar nenhum dilema, vamos conseguir muito mais recursos”. O abre alas é o social, mas na sequência vem recursos para emenda de relator, vem novas transferências de benefícios para grupos localizados. Então é esse populismo que tem custado caro ao Brasil.
Valor: Pelo que o senhor fala, não é de hoje?
Lisboa: O Brasil cresce pouco há quase 50 anos. Há 40 anos a gente cresce bem menos que o resto do mundo. É assim desde meados dos anos 70, quando o Brasil iniciou essa trajetória – um descasamento em relação ao que estava acontecendo com os demais emergentes. É bom lembrar quando começou esse processo, no governo [Ernesto] Geisel. O mundo estava em dificuldades, e o Brasil falou “não, não vamos ter dificuldade, vamos estimular a economia, não vamos enfrentar ajustes”. E então foram subsídios públicos, recursos públicos, segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento], a ideia de fortalecer a nossa indústria. Então a economia foi desacelerando na segunda metade da década de 70, progressivamente, com uma inflação crescente. E então uma década perdida. E a gente está agora numa segunda década perdida.
Valor: Há uma sinalização forte do novo governo em fazer a reforma tributária logo no primeiro ano. Que tal?
Lisboa: Eu acho que o segredo é saber qual vai ser a reforma. Se for a PEC 45 e, de fato, convergir para um IVA, um imposto sobre valor adicionado, com alíquota única, é um bom caminho. Eu temo que não é isso o que vai acontecer. Eu temo que a discussão de uma reforma tributária venha acompanhada dos diversos grupos de interesse e acabe saindo uma versão ainda pior do que é a PEC 110, que está no Senado. Essa já traz, de nascimento, as isenções, os regimes especiais, tudo aquilo que levou a esse regime tributário disfuncional que o Brasil tem.
Fonte: Valor Econômico