Por Daniela Chiaretti, Valor — São Paulo
06/02/2024 11h40 Atualizado 06/02/2024Presentear matéria
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Na tentativa de barrar o crescimento da extrema direita, a União Europeia derrubou ontem metas ambientais mais ambiciosas. Em dois momentos, a Comissão Europeia, braço executivo do bloco, recuou para atender protestos de agricultores disseminados pelo continente nos últimos dias — ao abandonar o plano para reduzir pela metade a utilização de agrotóxicos e ao descartar a meta recomendada para cortar emissões agrícolas de gases-estufa.
A proposta de cortar pela metade o uso de agrotóxicos em 2030 “tornou-se um símbolo da polarização”, reconheceu Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (CE), em discurso ontem no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na França. Ela recomendou que se abandonasse a ideia, ao menos por enquanto.
“Nossos agricultores merecem ser ouvidos”, reconheceu. “Muitos se sentem encurralados em um canto”, seguiu. Uma longa fila de dezenas de tratores cercou o edifício pela manhã, repetindo cenas que se espalham nas capitais europeias.
Ursula von der Leyen reconheceu que a agricultura europeia “precisa transitar para um modelo de produção mais sustentável”, com práticas melhores para o ambiente e que não causem tantos danos ao solo. Mas fez uma autocrítica: “Talvez não tenhamos defendido esse ponto de vista de forma convincente”.
A decisão repercutiu imediatamente na direita europeia. A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni disse, em nota, que o recuo no tema dos pesticidas também era “uma vitória italiana”.
Ursula von der Leyen tornou-se presidente da Comissão em dezembro de 2019 e seu ciclo termina em outubro, depois das eleições do Parlamento europeu. “A retirada dos dois pontos indica que esse talvez não seja o melhor momento para dar esse passo e que não somos teimosos. Vamos retirar essa ideia e deixar que a democracia traga novos comissários e parlamentares”, diz uma fonte ao Valor. Pesquisas eleitorais sinalizam que a extrema direita está se fortalecendo em vários países europeus. “Podem conquistar mais assentos do que nunca.” A alemã não manifestou ainda se deseja candidatar-se ao posto novamente.
À tarde, Wopke Hoekstra, comissário europeu para Ação Climática, apresentou aos parlamentares a recomendação da Comissão de a Europa cortar em 90% suas emissões líquidas de gases-estufa em 2040. Trata-se do roteiro proposto para chegar lá. É o início de um processo. A próxima Comissão apresentará uma proposta legislativa a ser acordada, depois das eleições, pelo Parlamento Europeu e pelos estados-membros.
A UE assumiu o compromisso de cortar emissões de gases-estufa em 55% até 2030 e se tornar “net-zero” em 2050. Mas não há compromisso para o meio do caminho, 2040. Os verdes europeus e o movimento ambientalista queriam que a meta de corte fosse de 95%. Os mais conservadores, na outra ponta, temem que os esforços penalizem a indústria e a agricultura europeia e beneficiem a China, os Estados Unidos, a Índia e até países africanos, sem medidas similares e menores custos e produção.
A sessão se tornou uma amostra da briga política que a UE irá enfrentar em junho, na eleição dos novos representantes do Parlamento Europeu. “Essa discussão é uma campanha eleitoral, não é um debate climático”, disse uma política verde. Os esforços para conter a crise climática foram rejeitados pelos parlamentares mais conservadores, negados pelos representantes da extrema direita e criticados pelos políticos verdes por não serem ambiciosos o suficiente.
A Comissão Europeia foi cautelosa diante da tensão política. O documento apresentado é uma estratégia, com análise de impactos, sobre rotas possíveis para tonar a UE neutra em carbono até 2050, baseada na ciência. Não é uma lei nem uma decisão, mas provocou reações contundentes — e várias vezes absurdas— dos parlamentares ligados a partidos da extrema direita.
Vários disseram que metas net-zero são suicidas para a economia do bloco. Um parlamentar arrancou risos dos Verdes. “Não pode existir vida sem CO2. As plantas, os animais e as pessoas irão desaparecer com essa política climática”. É verdade que o CO2 é essencial para a vida na Terra. O problema é que as emissões provocadas pelo homem ao queimar combustíveis fósseis e desmatar estão ampliando de maneira desastrosa o efeito estufa e o aquecimento global.
Uma deputada disse que o Parlamento europeu se fechou em uma “torre de marfim” e “não ouve os gritos dos agricultores. Mais de 40 milhões de europeus não podem aquecer suas casas. A pobreza energética já é um problema”. Outra criticou até as metas do bloco para 2030. “Não são realistas. Como vamos medir o metano emitido pelo gado?”, questionou, usando argumento comum ao agronegócio brasileiro. “Não podemos ir contra os interesses dos cidadãos. Ou vamos desaparecer, como os dinossauros”, disse outro.
Fonte: Valor Econômico