Por Roseli Loturco — Para o Valor, de São Paulo
30/08/2022 05h06 Atualizado há 2 horas
Apesar de o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, acompanhar muitas vezes o movimento das bolsas americanas, analistas acham que ele está prestes a se descolar. E as razões são várias. Primeiro porque o Brasil começou seu ciclo de alta de juros antes dos Estados Unidos e da Europa e a sua queda também deve se dar antes. Hoje, com a taxa básica, a Selic, a 13,75% ao ano, o investidor comum tem olhado pouco para a renda variável e preferido correr menos risco na renda fixa. Mas com a sinalização da inversão da curva de juros, esse comportamento pode mudar.
Analistas veem uma volta de respiro na economia e alguns apostam até em um certo ‘rali’ na bolsa após as eleições. Dizem que o mercado já precificou o “risco eleitoral” e que os dois candidatos à frente das pesquisas de opinião são conhecidos e não devem apresentar uma agenda de surpresas, caso sejam vencedores. “É difícil quantificar em pontos, mas, passada a eleição, podemos ter cenários bem positivos para bolsa porque tem muita empresa com bons resultados e, qualquer que seja o novo presidente, se mantiver o comprometimento com as metas fiscais, pode ter rali no final do ano na bolsa”, afirma Tiago Ring, sócio e gestor de ações da Absolute Investimentos.
Para o gestor, o momento para entrar na bolsa é agora, pois os preços das ações estão baratos. Uma das formas que o mercado tem de avaliar é fazendo a correlação entre o preço dos papéis versus o lucro das empresas (valuation, em inglês). “Enquanto nos EUA está em torno de 18 vezes a correlação de preço sobre lucro, o das empresas da bolsa brasileira está abaixo de dez vezes. Muito baixo. Quando a renda fixa cair a bolsa não estará mais neste patamar. É importante se antecipar a esse movimento”, diz Ring.
Até agora, no entanto, o comportamento do investidor tem sido outro. Só este ano, até agosto, houve resgates de R$ 53 bilhões em fundos de renda variável e ingressos de R$ 80 bilhões na renda fixa, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). E apesar de acharem difícil o Ibovespa não sofrer quando as bolsas nos EUA estão em queda, os analistas acham que ele pode começar a cair menos daqui para frente. Os setores mais sensíveis à alta dos juros devem ser os primeiros a se beneficiar na bolsa se a Selic sinalizar queda, como shopping, varejo em geral, construtoras, serviços e infraestrutura. Se olhar empresa por empresa, a radiografia fica mais exata. “A valuation da Renner hoje está em 16 vezes, mas, historicamente, negociava a 22 vezes e já chegou a 30 vezes em 2019. O Itaú negociava historicamente em torno de dez vezes e hoje está em torno de sete”, observa Marcos Peixoto, sócio e gestor de renda variável da XP Asset.
Como a reprecificação foi acentuada no Brasil, a XP acha que se as bolsas americanas caírem 20%, o Ibovespa cai 10% porque lá os papéis ainda estão mais caros. Os especialistas lembram que se olharmos em um horizonte mais longo, em 2021, o Ibovespa já havia tomado um tombo de 12%. “As ações mais sensíveis a juro tiveram desempenho negativo. A Magazine Luiza caiu 71% em 2021. Americanas caiu 58% e Cyrela caiu 44%. Vemos potencial grande de valorização, com a volta gradativa do crescimento da economia local e o ajuste da inflação com queda dos juros”, afirma Isabel Lemos, gestora de ações da Fator Administração de Recursos. A volta da produção na China, na sua opinião, também deve ajudar na baixa da inflação.
Outro ponto é o fluxo positivo de investimento estrangeiro na bolsa este ano, que bateu em R$ 60 bilhões até agosto. “O importante é que o estrangeiro tem percepção que o Brasil está barato e que tem ativos interessantes. O segundo ponto é que está tendo recompra de ações. A empresa com disponibilidade de caixa decide se investe, recompra ação ou distribui dividendos. Neste momento, ela tem feito as três coisas”, observa Lemos.
Os analistas destacam ainda que é importante que a entrada de recursos externos continue para a apreciação dos ativos. “A taxa de juro elevada também reduz a volatilidade no câmbio o que é benéfico para o investidor estrangeiro. Tem também a questão da guerra da Ucrânia envolvendo a Rússia, e conflitos entre China e EUA. O Brasil está longe de qualquer tensão geopolítica”, diz Welliam Wang, gestor de renda variável da AZ Quest.
O gestor acredita ainda em melhora do ambiente de bolsa pós eleições independente de quem for eleito. “Têm papéis muito descontados, como o do Banco do Brasil, que está quatro vezes o lucro, da Petrobras, três vezes e o da Localiza, que está 18 vezes o lucro, tem perspectiva de melhora por conta da normalização da oferta de carros.”
Fonte: Valor Econômico
