Cargo do C-level, antes conhecido como um “controlador financeiro”, ganha status de “arquiteto de valor”
, Para o Valor
As responsabilidades do CFO (chief financial officer ou diretor financeiro) estão ganhando tração. Deixam de cobrir apenas as tarefas típicas de um “controlador financeiro” para ganhar objetivos de um “arquiteto de valor” – ou mais centradas em gerar lucro, no longo prazo, nas operações.
A conclusão é de um estudo que acaba de ser publicado pela consultoria EY. Em resumo, o relatório destaca que:
- Os CFOs estão evoluindo para arquitetos de valor, absorvendo normas de sustentabilidade e aproveitando a inteligência artificial (IA) para impulsionar a criação de receitas e a inovação no longo prazo;
- Os executivos deverão equilibrar o desempenho de curto prazo com a criação de valor no longo alcance, abordando desafios e oportunidades simultaneamente;
- A IA e as novas tecnologias vão permitir que os diretores aprimorem relatórios financeiros, fornecendo insights mais profundos e promovendo modelos de negócios sustentáveis.
“Os CFOs não têm o luxo de abrir mão de uma responsabilidade para se concentrarem em outra. Deverão manter as prioridades atuais e assumir novas tarefas”, afirmam no estudo Julie Teigland, vice-presidente global de alianças e ecossistemas; Normando Emmenlauer, líder de sustentabilidade, e Kristin Vorbohle, diretora da consultoria empresarial, todos da EY.
“À medida que a sustentabilidade se torna essencial à estratégia das empresas e mais presente nos relatórios de negócios, os CFOs se veem chamados a impulsionar o valor corporativo geral, tanto financeiro quanto não financeiro.”
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Para os autores, tecnologias disruptivas pavimentam parte dessa transformação. “A IA, ao automatizar processos e apoiar as equipes de contabilidade, dá aos CFOs mais espaço para garantir impacto além do desempenho das finanças, da escrituração contábil eficiente e da análise de documentos”, assinalam. “Como resultado, tornam-se ‘arquitetos de valor’, função que promove modelos de negócios mais sustentáveis, inovadores e lucrativos, capazes de capturarem um maior volume de receitas para as empresas.”
Os consultores acreditam que as companhias que abraçarem essa abordagem no C-level vão sair na frente da concorrência. “As organizações que movem a posição de CFO numa nova direção se beneficiam de um maior avanço no desenvolvimento dos negócios e da capacidade de coordenarem melhor a geração de valor”, aconselham. “Já as retardatárias correm o risco de perder uma supervisão estratégica das operações, diminuindo o poder de entregar retornos no futuro.”
A pesquisa “Corporate Reporting 2024”, da EY, reforça a análise dos especialistas. A enquete revela que 80% dos investidores institucionais concordam que os CFOs desempenham um papel fundamental em desafiar os CEOs e as equipes executivas a adotarem uma visão de longo prazo sobre o desempenho dos lucros trimestrais. O levantamento ouviu dois mil líderes financeiros e 815 investidores globais.
“Além disso, a investigação aponta que a mesma proporção de investidores [82%] apoia aportes em sustentabilidade, mesmo que eles façam com que as metas de lucros trimestrais, por exemplo, não sejam atingidas”, comparam.
Automação e IA
O volume de dados disponíveis nas empresas cresce exponencialmente e os CFOs devem ser capazes de analisar e usar essas informações para gerar insights de negócios e atender aos requisitos dos relatórios de sustentabilidade, continuam os pesquisadores.
“Habilidades técnicas aprimoradas, particularmente com o uso da IA, aumentarão a capacidade da gestão financeira de enfrentar o desafio da análise de dados”, alertam.
De acordo com a pesquisa, 87% dos líderes financeiros dizem que as empresas estão atualmente “pilotando ou usando a IA” para o estudo de informações e integração de registros não financeiros aos relatórios corporativos. Entre os dados não financeiros mais relevantes para os CFOs estão indicadores de desempenho operacional, de satisfação do cliente, de qualidade do produto e de níveis de produtividade.
Na área de trabalho, o efeito da IA será mais sentido na contabilidade e na análise de dados, assinalam. “Com a introdução da tecnologia, espera-se que a quantidade do tempo gasto com tarefas contábeis e confecção de relatórios diminua significativamente, à medida que sejam automatizadas”, estimam. “Essa mudança liberará tempo para o CFO e equipe interpretarem registros que geram valor de forma holística, com o intuito de impulsionar a sustentabilidade na empresa, ao mesmo tempo em que a operação permanece lucrativa.”
Como ser um “arquiteto de valor”
Assim como um arquiteto projeta casas e edifícios, um “arquiteto de valor” desenha uma história de negócios e um novo modelo operacional, comparam os executivos da consultoria.
Para isso, eles sugerem três caminhos que podem potencializar esse novo perfil das diretorias financeiras:
1. “Escreva” uma história de valor ligada ao ESG
O público de interesse do CFO se expandiu, afirmam. “Os relatórios sob a alçada dele não são mais usados exclusivamente por participantes do mercado financeiro, mas por clientes e fornecedores, funcionários, organizações não governamentais e consumidores”, detalham. “Os investidores globais esperam que os documentos financeiros adotem um modelo ‘multistakeholder’, em que as empresas demonstram o impacto das decisões tomadas em diferentes setores, de parceiros a comunidades.”
A pesquisa da EY indica que 82% dos investidores afirmam que as organizações precisam “fazer mais” para envolver diversos stakeholders (governos, consumidores, funcionários e comunidades); além de relatarem melhor questões ESG que vão virar material de trabalho para outros investidores e analistas, explicam.
“O arquiteto de valor do futuro deverá reportar o desempenho financeiro e não financeiro para ganhar e manter a confiança de todos”, avisam. “Serão responsáveis por gerenciar conjuntos de investidores e lidar com a pressão desses grupos sobre o desempenho ESG e as opções de financiamento sustentáveis. Esse trabalho inclui a presença dos dados de sustentabilidade dos negócios nas apresentações e roadshows dos CFOs, para levantar novos fundos.”
O que fazer:
- Entender melhor os requisitos ESG da empresa e as expectativas dos investidores;
- Desenvolver alternativas de financiamento para a impulsionar a sustentabilidade nos negócios.
2. Elabore um modelo de negócio que integre valor financeiro e não financeiro
Identificar modelos de negócios para as transformações de sustentabilidade na empresa é uma prioridade central, pois será preciso demonstrar o valor de médio a longo prazo criado a partir dessas mudanças.
Métricas ESG e dados não financeiros devem ser incorporadas ao planejamento – com um plano estratégico de médio prazo, orçamentos e previsões – a fim de garantir que a sustentabilidade seja incorporada aos processos de gestão de desempenho e de tomada de decisão
O que fazer:
- Incluir métricas ESG no planejamento de curto e longo prazo das despesas operacionais e de capital;
- Usar critérios de sustentabilidade nas decisões de investimento.
3. Construir um novo modelo operacional para as finanças
Novos requisitos do guarda-chuva ESG ganharam repercussão nas operações financeiras. Essa influência afetará processos, relatórios e tomadas de decisão, bem como outras áreas da empresa, como a TI, que poderá criar plataformas inteligentes sobre o progresso da sustentabilidade nos negócios; e no RH, com mais treinamento e qualificação de funcionários.
O que fazer:
- Introduzir rotinas para a coleta e criação de relatórios de dados ligados ao ESG;
- Adicionar novas habilidades à equipe, com uma cultura organizacional voltada à experimentação e inovação.
Resoluções assertivas
“Definitivamente, o nosso papel nas empresas tem mudado”, diz ao Valor o CFO do banco digital PagBank, Artur Schunck. “Hoje, o diretor financeiro atua muito mais focado na estratégia do negócio, do que apenas como um controlador financeiro. Por conta disso, é necessário ter uma visão completa das operações, dos produtos e serviços da companhia, aliada à análise de rentabilidade. Dessa forma, é possível fazer um cenário de sustentabilidade no longo prazo e contribuir para a decisão de onde investir e no que não investir mais.”
O executivo, que tem se dedicado nas últimas semanas a projetos na área de TI, como a incorporação da IA nas projeções financeiras, diz que já desempenha a função de “arquiteto de valor”.
“No meu dia a dia, busco contribuir com uma visão estratégica ao oferecer análises financeiras que vão além dos números, considerando a dinâmica do negócio”, avalia. “Trabalho para orientar a tomada de decisões com base em uma abordagem técnica, ajudando a companhia a equilibrar crescimento e rentabilidade”.
No PagBank, segundo ele, a ideia é aplicar essa dinâmica ao utilizar tecnologias avançadas, que permitem otimizar processos financeiros e antecipar tendências de mercado. “Isso possibilita que tomemos decisões mais assertivas, alinhadas aos objetivos da empresa.”
Para Schunck, no grupo há onze anos e na cadeira de CFO há cinco, as decisões de um CFO não podem se limitar aos impactos de curto alcance. “É fundamental garantir que cada escolha contribua para o crescimento sustentável da organização, no longo prazo”, ensina. “Muitas vezes, movimentações que parecem vantajosas num momento podem comprometer a trajetória da companhia e devem ser analisadas com cautela, para evitar riscos.”
Além dos temas listados pela EY para fortalecer os CFOs como arquitetos de valor, Schunck acrescenta a necessidade de observar diferentes cenários para deixar a organização mais preparada para as mudanças do mercado.
“Em 2025, a volatilidade econômica, as transformações tecnológicas, as questões climáticas e a concorrência exigirão que o CFO antecipe movimentos e esteja pronto para agir com flexibilidade, garantindo a resiliência dos negócios”, afirma.
Diálogo constante
André Machado, vice-presidente financeiro da Siemens Energy no Brasil, de soluções de energia, concorda com a análise do colega do PagBank e chama a atenção para a participação das tecnologias emergentes na formação do novo perfil das lideranças.
“A TI, em suas diversas formas – com a IA, robôs que rodam em servidores e ERPs [sistemas de gestão empresarial] sofisticados – facilitou e trouxe produtividade às funções financeiras”, avalia. “No futuro, esse avanço permitirá 100% de automação nas atividades do setor.”
Como conseqüência do salto tecnológico, o CFO ganha tempo para se concentrar no futuro do negócio, continua. “Passa a ser dever do líder integrar o gerenciamento da empresa aos dados sobre finanças, além de explicá-los, demonstrar riscos e oportunidades e, por fim, contribuir para o planejamento de médio e longo prazo.”
Para ele, uma das questões mais relevantes apontadas pelo estudo da EY é saber dosar o desempenho imediato com a criação de valor no longo prazo. “Werner von Siemens [1816-1892], fundador da companhia, tem uma frase muito interessante alinhada a essa premissa: ‘não venderei o futuro pensando no lucro de curto prazo’”, relata.
Os acionistas sempre esperam resultados rápidos, especialmente em subsidiárias de países como o Brasil, onde o risco de negócio é maior, complementa. “Portanto, a habilidade de manter o equilíbrio entre o curto e o longo prazo é um exercício constante, que nunca acaba”, afirma. “Com mudanças geopolíticas e decisões de investimento que fluem com rapidez, esse desafio fica ainda maior para o CFO.”
Machado, há 30 anos na Siemens Energy e há seis na liderança financeira da companhia, revela que outra de suas estratégias como “arquiteto de valor” é manter um diálogo constante, “às vezes formal, outras vezes informal”, com o presidente, pares e times, a fim de conectar o que vê nos números da empresa com o futuro dos negócios e, em algumas situações, até sugerindo novos planos.
“É fundamental não ficar imerso apenas na realidade da empresa, mas observar perspectivas externas”, ensina. “Busco me conectar com pessoas com visões diferentes, tenho relacionamentos próximos com outros CFOs e mantenho contato com os bancos, que trazem as tendências do mercado”.
O vice-presidente financeiro também atua em associações de classe, como a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), onde integra o comitê de financiamento. “Recentemente, me engajei em uma mentoria reversa, na qual uma jovem com pouco tempo de carreira é minha mentora. Tem sido uma experiência formidável.”
Capital humano
Antônio Gouveia, sócio-líder de serviços financeiros da EY Brasil, lembra que investir na capacitação das equipes faz parte das novas agendas dos CFOs.
“É importante desenvolver programas de treinamento contínuo para o time financeiro, direcionados para habilidades digitais e análise de dados”, argumenta. “Essa movimentação pode englobar workshops, cursos on-line e certificações em ferramentas específicas do setor”.
Ao mesmo tempo, diz Gouveia, é recomendado apostar em uma “cultura de aprendizado”. “Promover uma cultura organizacional que valoriza a instrução contínua e a inovação incentiva os colaboradores a buscarem novas competências”, ressalta. “Estabelecer mentorias em que profissionais experientes possam compartilhar conhecimentos com os mais jovens também ajuda a acelerar o processo de formação e a integração de novas tecnologias no ambiente de trabalho.”
Recrutar novos talentos pode auxiliar a missão do CFO “repaginado”, acrescenta o consultor. Mas, é indicado procurar candidatos com experiência em ciência de dados, análise financeira avançada e no uso de ferramentas digitais, aconselha.
“Montar times multidisciplinares que combinam conhecimentos financeiros tradicionais com competências em tecnologia deve estar no radar das diretorias”, diz. “Essa estratégia enriquece a capacidade da equipe de abordar problemas complexos e gerar soluções criativas.”
Novo perfil dos CFOs
5 principais desafios
| Rápidas mudanças no ambiente dos negócios | Para acompanhar o ritmo das inovações, é preciso apoiar a transformação digital, que remodela as empresas desde a automação de processos até a implementação da IA. |
| Atração e retenção de talentos | Em um mercado competitivo, deve-se oferecer um ambiente de trabalho inovador para atrair profissionais qualificados, além de programas de desenvolvimento para que a equipe se sinta valorizada e comprometida com o crescimento da companhia. |
| Volatilidade econômica | Diante de mudanças frequentes nas taxas de juros e no câmbio, além de incertezas globais, é necessário manter uma gestão estratégica e adaptável, a fim de garantir a estabilidade e a evolução do negócio |
| Superar a gestão do caixa | A função vai além da administração financeira. É preciso gerenciar os custos da companhia e agir como um facilitador, que agrega valor à operação. |
| Complexidade regulatóri | O Brasil possui um ambiente regulatório complexo e em constante alteração, o que exige que os CFOs estejam atualizados sobre novas normas e leis. |
5 principais habilidades
| Entendimento do negócio | É fundamental ter uma visão ampla da organização, além dos assuntos financeiros. Essa postura permite correlacionar receitas e custos de forma estratégica, oferecendo insights que ajudam na tomada de decisões. |
| Adaptabilidade | Deve-se saber aproveitar as oportunidades em momentos de prosperidade e de retração econômica. A competência possibilita adotar as melhores práticas para mitigar riscos e maximizar resultados, mantendo a saúde financeira da corporação. |
| Comunicação eficiente | Faz parte do trabalho estabelecer relações de confiança com pares de diferentes áreas da empresa. Invista na escuta ativa e no poder de convencimento para gerenciar as demandas dos diversos stakeholders |
| Saber planejar | Abordagens estratégicas influenciam o planejamento financeiro. A ação envolve a análise de dados, projeção de receitas e despesas, de tendências econômicas e variações no comportamento do consumidor. |
| Integração com outras áreas | O cargo não deve se limitar ao departamento financeiro. A capacidade de colaborar com outras divisões, como produtos e TI, é considerada valiosa. O esforço assegura que decisões financeiras sigam alinhadas com metas corporativas, promovendo uma cultura de colaboração e inovação. |