Por Tom Fairless, Nicholas Bariyo e Ryan Dube — Dow Jones Newswires
06/04/2022 05h02 Atualizado há 7 horas
A disparada dos preços de alimentos e combustíveis está elevando a pressão sobre os governos pelo mundo para que ajudem a bancar a conta maior dos consumidores, o que aperta as finanças públicas e eleva a instabilidade política nas economias mais frágeis.
Assustados por protestos recentes, de Bancoc até a Sicília, muitos governos adotaram subsídios ou benefícios para proteger famílias e empresas da alta de preços.
Mas essa ajuda está ampliando a já elevada dívida dos governos, num momento em que o custo do endividamento sobe. Em alguns países, a alta pode ser grande demais para ser viável, o que levanta o espectro da agitação política.
Os subsídios “poderão sustentar a confiança do consumidor no curto prazo, mas, ao mesmo tempo, impedem [que se façam] correções saudáveis na economia”, o que inibe empresas e consumidores de se adaptar às mudanças, disse Joerg Kraemer, economista-chefe do Commerzbank de Frankfurt.
Na Europa, o ataque da Rússia à Ucrânia fez com que o preço da gasolina e do diesel desse o maior saltos desde os choques do petróleo da década de 1970, num cenário de inflação já em alta. Após se irritar com as restrições de combate à covid-19, os europeus agora protestam contra a redução cada vez maior de seu poder de compra.
Agricultores gregos dirigiram seus tratores, em meados de março, até o prédio do Ministério da Agricultura, em Atenas, para exigir alívio. Na Sicília, caminhoneiros interromperam as entregas de alimentos. Na Espanha, motoristas de caminhão em greve causaram escassez de alimentos em algumas áreas e fizeram com que empresas como Danone e Heineken emitissem alerta de corte de produção.
A inflação na Espanha subiu para 9,8% em março, segundo dados preliminares da semana passada, seu maior nível desde 1985.
Em meados de março, a França evitou uma greve similar com um pacote de ajuda de € 400 milhões, que incluiu pagamentos diretos a caminhoneiros. Na Espanha, os grevistas recusaram o pacote proposto pelo governo, de € 500 milhões, como pequeno demais. A Alemanha divulgou recentemente pagamentos em dinheiro a contribuintes, descontos no transporte público e um teto temporário aos preços da gasolina e do diesel.
Todos esses gastos extras se somam a mais de dois anos de disparada do gasto público com a pandemia. Os governos dos 19 países da zona do euro provavelmente terão déficit público de cerca de 4,5% do PIB, em média, neste ano, em parte devido a novos subsídios, segundo a Capital Economics.
Muitos economistas dizem que os subsídios costumam ser politicamente difíceis de retirar quando duram mais que o objetivo original. O Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que eles tendem a beneficiar famílias mais ricas, que consomem mais energia. Os subsídios ao gás e petróleo podem ainda minar a meta de deixar os combustíveis fósseis. Os subsídios globais a esses combustíveis totalizaram cerca de US$ 6 trilhões, ou 7% da PIB global, em 2021, diz o FMI.
Para os países emergentes, em especial, o custo para as contas públicas, já pressionadas, é um problema extra. Os emergentes têm de refinanciar cerca de US$ 7 trilhões em dívidas neste ano, em relação aos US$ 5,5 trilhões de 2021.
Em toda a África, governos em dificuldades após a recessão induzida pela pandemia, mantiveram ou adotaram subsídios, o que ameaça agravar a crise da dívida do continente. Com a nova disparada atual dos preços dos alimentos e dos combustíveis, muitos países africanos estão acuados, após os esforços para reparar a destruição causada pela pandemia.
Na Nigéria as autoridades suspenderam planos há muito propagandeados de abandonar o subsídio ao gás. Já o governo de Zâmbia expande os subsídios aos fertilizantes a fim de apoiar os produtores de milho, o que põe em xeque as promessas do país, altamente endividado, de conter a disparada da dívida externa. Após manifestações públicas, o Quênia, a maior economia do leste da África, anunciou novos subsídios para ajudar as famílias pobres. Agora pretende gastar mais de US$ 500 milhões nos próximos dois anos para atenuar os efeitos da inflação no país.
“Estamos sendo humilhados pela situação da economia”, disse o queniano Isaac Kitao, dono de ônibus, à TV estatal, na semana passada. “Os preços dos combustíveis estão muito altos e não podemos elevar as tarifas. Não entendemos o que está acontecendo porque o governo nos disse que queria subsidiar o preço do combustível.”
O Egito, maior importador mundial de trigo, costuma comprar 70% do produto da Ucrânia e da Rússia. Os preços crescentes da farinha e do combustível elevou os gastos do governo em cerca de US$ 1 bilhão, o que o fez tabelar o preço do pão não subsidiado. Após protestos contra os preços dos alimentos em partes do Iraque, o governo começou a usar farinha e petróleo de suas reservas estratégicas, que estão agora quase esgotadas.
O governo do Líbano restringiu no começo de março a sua oferta de alimentos subsidiados e determinou que os moinhos fornecessem exclusivamente farinha destinada à produção de pão, até o país conseguir garantir mais remessas de trigo do exterior. Desde então, o preço da farinha disparou, disseram donos de padaria. “Estão tornando [a farinha] cara demais para nós”, disse Mohammad Fakhani, dono de padarias em Beirute. “O preço da saca de farinha continua a se multiplicar, parece ficção.”
Economistas dizem que países asiáticos estão em situação melhor para suportar o choque inflacionário decorrente da guerra do que em crises anteriores, por contarem com finanças públicas mais saudáveis e por dependerem menos de capital estrangeiro. Alguns, como Malásia e Indonésia, são exportadores líquidas de commodities. A elevação da receita gerada pelos produtos de exportação poderá ajudar a financiar subsídios sem abrir grandes rombos nos orçamentos, dizem economistas.
Na China, os consumidores estão parcialmente protegidos da alta do petróleo pelos preços regulados da gasolina no varejo. Se os preços do petróleo continuarem subindo, as refinarias estatais vão arcar com uma parcela desproporcional do custo adicional, disse Zhu Haibin, economista-chefe, para a China, do J.P. Morgan Chase.
Na Índia, o governo orçou cerca de US$ 40 bilhões para um programa de subsídios a alimentos e fertilizantes no ano fiscal que se encerrou em março de 2023, para proteger consumidores e agricultores. A disparada dos preços agora sugere que essa conta poderá subir para 1% a 1,5% do PIB, disse Andrew Wood, diretor da equipe de classificações da S&P Global Ratings, o que dificulta ainda mais para o governo cumprir sua meta de reduzir o déficit público para 6,4% do PIB, em relação aos 6,9% do último ano fiscal.
No Paquistão, o premiê, Imran Khan, anunciou, no fim de fevereiro, um subsídio de mais de US$ 1,5 bilhão para gasolina, diesel e energia elétrica. A popularidade vem caindo devido à inflação alta, o que provocou uma tentativa da oposição de derrubar seu governo.
A urgência foi tanta que Khan anunciou o subsídio sem anuência prévia do FMI, que tem pressionado o Paquistão a retirar subsídios em muitos setores. O governo e a Fundo discutem agora se o programa do FMI para o Paquistão poderá continuar ou não.
Alguns países de baixa e média rendas que exportam commodities, mas importam alimentos e combustíveis, estão em situação melhor, pois o crescimento da receita de exportação pode ajudar a neutralizar o efeito dos preços crescentes dos itens importados.
Na Argentina, o FMI disse que a capacidade do país de cumprir o novo programa de refinanciamento de US$ 44 bilhões está ameaçada devido ao impacto da guerra na Ucrânia. O programa prevê cortes nos onerosos subsídios à energia, o que, segundo economistas, ficará politicamente mais difícil com a disparada dos preços do petróleo.
Embora o aumento do preço dos grãos possa elevar as exportações argentinas, as famílias enfrentam gastos crescentes no supermercado, num país em que cerca de 40% da população vive na pobreza e onde a inflação supera 50%. No início de março, o governo disse que os agricultores teriam de direcionar 800 mil toneladas de trigo para o mercado interno, para garantir o abastecimento local e baratear produtos básicos.
Fonte: Valor Econômico

