Por Karl Lester M Yap, Colleen Goko e Zijia Song — Bloomberg
14/02/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
Uma nova rodada de operações de socorro financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) está em curso, envolvendo alguns dos países mais endividados do mundo. Neste ano, três países – Egito, Paquistão e Líbano – já aceitaram deixar de controlar o câmbio de suas moedas para destravar a assistência do fundo.
Esse pode ser apenas o começo. Com pelo menos duas dezenas de países fazendo fila diante do FMI em busca de pacotes de socorro financeiro, as traders de câmbio se preparam para uma nova onda potencial de desvalorizações no mundo em desenvolvimento.
“São muito prováveis novas desvalorizações em alguns dos mercados de fronteira frágeis”, disse Brendan McKenna, estrategista do banco Wells Fargo em Nova York. “Num momento em que as reservas externas se esgotam, a capacidade de defender âncoras [cambiais] diminui. Investidores com exposição a esses mercados deveriam pensar em fazer hedge contra riscos de desvalorização.”
A desaceleração econômica deixou alguns mercados emergentes e de fronteira com cargas de endividamento insustentáveis e escassez de dólares. “Alguns países compensaram a falta de poupanças locais com a empréstimos no exterior, quando isso era barato, e agora foram duramente castigados pela reprecificação das taxas de juros globais”, disse Charles Robertson, economista-chefe global da Renaissance Capital, de Londres.
Agora, as âncoras cambiais e as taxas de câmbio administradas estão sobrecarregadas. Distorções em países como a Nigéria e o Líbano levaram à adoção de várias taxas de câmbio. Embora moedas mais fracas possam contribuir para atrair capital e aumentar a competitividade de um país em termos de comércio exterior, também podem elevar a inflação e fazer crescer vertiginosamente os valores das quitações das dívidas.
Isso significa que os investidores têm de ficar atentos a quadros de instabilidade em países possivelmente à beira desses eventos, segundo o estrategista Hasnain Malik da Tellimer, de Dubai. “A desvalorização da moeda torna inviável uma série de mercados no universo dos emergentes e de fronteira”, disse Malik, mencionando Argentina, Egito, Gana, Líbano, Nigéria, Paquistão, Sri Lanka e Zimbábue.
“A alta das taxas de juros globais e dos preços das commodities deixou expostos muitos países em desenvolvimento com taxa de câmbio fixa. Os choques obrigaram alguns países a desvalorizar acentuadamente, e outros poderão segui-los em breve.
Quando a China inesperadamente desvalorizou o yuan, em agosto de 2015, isso levou a uma venda em massa global, o que apagou US$ 13 trilhões em capitalização de mercado em seis meses. Quaisquer reverberações desse tipo são pouco prováveis desta vez, com mercados de menor porte pressionados a desvalorizar.
A Bloomberg fez um apanhado de países onde o câmbio paralelo está mais fraco que a taxa oficial.
A Argentina tem tentado evitar uma desvalorização abrupta, adotando regras que restringem o acesso a dólares. Isso deu origem a uma dezena de taxas de câmbio sobrepostas. A taxa oficial é de 190 pesos, mas US$ 1 custa 373 pesos nas ruas de Buenos Aires.
O FMI, que forneceu US$ 44,5 bilhões em ajuda financeira ao país, defendeu a abolição das restrições. Questionado sobre a possibilidade de desvalorização, porta-voz do BC argentino citou o orçamento do governo de 2023, que indica que o peso encerrará o ano significativamente mais fraco do que a taxa oficial, a 269 pesos por dólar, ainda assim bem distante do paralelo.
Na Nigéria, muitos preveem que a maior economia africana desvalorizará a naira após as eleições, no fim deste mês. A média das estimativas reunidas pela Bloomberg prevê desvalorização de 20%.
“O risco na Nigéria de uma desvalorização da moeda é alto”, disse Ayodeji Dawodu, diretor de pesquisa soberana e de crédito para a África do Banctrust Investment Bank, de Londres. “Isso está muito evidente no diferencial entre a taxa oficial e a taxa do mercado paralelo.” A moeda está sendo negociada a cerca de 755 por US$ 1 no mercado informal, enquanto a taxa oficial é de cerca de 460.
A exemplo da Argentina, a Nigéria também opera várias taxas de câmbio para transações distintas. Todos os três principais candidatos presidenciais prometeram pôr fim a isso. Porta-vozes do banco central não deram retorno.
O Malaui desvalorizou a kwacha em 25% em maio para fazer frente a uma escassez de divisas externas. Embora o spread entre a taxa oficial e a taxa do paralelo tenha diminuído inicialmente, ele voltou a aumentar a partir de setembro, e a moeda enfraqueceu para um nível recorde no dia 8 deste mês, após o BC ter dito em janeiro que realizaria vendas periódicas de dólares. O BC não deu retorno imediato a um pedido por seus comentários.
A Etiópia está desmentindo especulações de que poderá desvalorizar sua moeda e adotou medidas restritivas contra o mercado paralelo de câmbio, onde o birr está cotado a 99 por dólar, contra 53,5 da taxa oficial. O país da África oriental começou a negociar um acordo com o FMI em 2021, e o fundo disse em janeiro que busca um compromisso “construtivo e sensato com o governo da Etiópia”. Os avanços no alívio da dívida foram prejudicados por dois anos de guerra civil. O BC não deu retorno a um pedido de comentários.
Bangladesh anunciou planos de migrar para uma taxa de câmbio unificada com variação de 2% até junho. Mas o país do Sudeste Asiático, cujo teto para sua moeda é de 107 por dólar, poderá também precisar adotar uma desvalorização de 26%, segundo a Bloomberg Economics. Para aumentar as exportações e reduzir as importações, a taka precisará cair para 145, disse o analista Ankur Shukla. Porta-voz do BC disse não ver necessidade de desvalorizar a moeda.
Na Ucrânia, o FMI mantinha conversações com autoridades locais ontem, para reavaliar um programa de quatro meses. A análise, se concluída com sucesso poderá dar acesso a um pacote multianual de nada menos que US$ 16 bilhões. O governo ucraniano desvalorizou a hryvnia em 20% em julho e assinou um acordo-ponte em dezembro, num momento de intensificação da invasão do país pela Rússia, que já dura quase um ano e que destruiu a economia local. As reservas do país estão estáveis e não há motivos para desvalorizar a moeda agora, disse Yuriy Heletiy, vice-presidente do BC, em janeiro.
Fonte: Valor Econômico
