Por Larissa Garcia e Estevão Taiar — De Brasília
18/07/2022 05h03 Atualizado em 13 segundos
A poucos meses da eleição, o governo anunciou uma série de medidas, como a redução de impostos e tentativa de ampliação de benefícios sociais, que jogam contra os esforços do Banco Central para reduzir a inflação, não só pelo risco fiscal, mas também por aquecer a economia enquanto a autoridade monetária tenta pôr freio na atividade.
A taxa básica Selic é o instrumento utilizado pelo Banco Central para equilibrar os preços – quando a inflação está alta, o Comitê de Política Monetária (Copom) sobe os juros com o objetivo de desaquecer o consumo, para que a pressão ceda pelo lado da demanda. Iniciativas fiscais expansionistas, que geram mais gastos para os cofres públicos e colocam mais dinheiro nas mãos das pessoas, acabam gerando o efeito monetário contrário, estimulando a economia.
Embora algumas dessas ações reduzam a inflação no curto prazo, a expectativa é que haja uma espécie de “efeito rebote” nos preços em 2023, que atualmente é o alvo integral da política monetária. De acordo com o último questionário pré-Copom, o mercado estima que as medidas tributárias devem puxar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em dois pontos percentuais para baixo até o fim 2022.
O BC não divulgou qual seria o impacto da redução dos impostos na inflação do próximo ano, mas disse que vão elevar “em menor magnitude” o índice de preços no período. Economistas consultados pelo Valor ressaltam ser difícil calcular precisamente em quanto essas medidas podem elevar a inflação no futuro devido à incerteza da conjuntura global e doméstica.
O último relatório Focus, levantamento semanal do BC com analistas de instituições financeiras e casas de análise, mostra o efeito do “pacote de bondades” do governo. Há quatro semanas, a expectativa era que a inflação fechasse este ano em 8,50%. Agora, os economistas esperam 7,67%, redução de 0,83 ponto percentual. Para 2023, por sua vez, a estimativa passou de 4,70% para 5,09%, com tendência de alta. Para 2024, o mercado projetava 3,25% e passou a ver 3,30%.
“Essas políticas contrárias aos interesses da política monetária são muito comuns. Em ano eleitoral, a cartilha é essa, mas nem sempre isso conversa bem com a economia. O BC está aumentando juros para levar a inflação para a meta e vem uma medida fiscal expansionista, dando mais dinheiro para as pessoas e reduzindo impostos, exatamente estimulando a demanda”, ressalta o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), André Braz.
Em sua visão, são medidas eleitorais “que jogam contra a política monetária e só dificultam o trabalho do BC, que agora tem que pensar nesse possível efeito rebote para o ano que vem”. Para ele, o BC talvez tenha que aumentar juros acima do esperado. No mês passado, a autoridade monetária elevou a Selic em 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano, e indicou novo ajuste de “igual ou menor magnitude” em agosto.
A redução da inflação gerada pelo pacote pode não ser compensado totalmente no próximo ano porque um índice menor corrente leva a menor reajuste futuro de preços. “Se você tem uma inflação que ia fechar em 9% e agora vai a 7% por conta das bondades, você tem uma indexação menor no aluguel, nos medicamentos e nos salários, por exemplo, porque a inflação corrente recuou. Mas se os fundamentos não permitem que ela fique baixa, gradualmente vai subir. Podemos ter um segundo semestre do ano que vem mais turbulento e com juros já desgastados”, diz Braz.
Na avaliação da estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patricia Pereira, é mais difícil calcular o efeito da transferência de renda na inflação de 2023, mas ela garante que o impacto aparecerá nos índices do ano que vem. “De um lado está o BC subindo juros e do outro está o governo federal dando estímulo fiscal.”
Ela lembra que, no início da pandemia, os R$ 600 pagos mensalmente pelo Auxílio Emergencial já tiveram “um impacto muito importante” na atividade econômica, em meio a uma conjuntura deflacionária. “Agora, estamos com uma inflação extremamente alta e contratando outro estímulo bem relevante”, diz, destacando também que o governo federal fala em diminuir a fila do Auxílio Brasil em dois milhões de pessoas. “O efeito é direto no consumo.”
A projeção da MAG é que o IPCA de 2023 fique em 5,35%, sendo 1 ponto percentual exclusivamente da recomposição de alíquotas de impostos. Tudo isso em meio a um “período muito delicado para a política monetária no mundo inteiro”. “Ficar dentro do intervalo da meta [de inflação do Brasil] em 2023 está cada vez mais difícil”, afirma.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) também revisou a sua projeção para o IPCA de 2023, de 4,2% para 4,8%, “em função do efeito da recomposição das alíquotas dos impostos federais em janeiro do próximo ano”.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que as medidas por definição têm efeito de elevar a inflação futura, porque os incentivos vigoram só até o fim deste ano. “Estamos trocando inflação corrente por inflação futura. Só que o governo tira de uma inflação que não está no horizonte e joga para 2023. Há esse efeito direto e os indiretos [por meio do risco fiscal] que serão combatidos com política monetária. É um pé no freio e outro no acelerador.”
O analista lembra que a análise do BC sobre as medidas levam em conta apenas o chamado horizonte relevante, período para o qual a política monetária tem efeito, que na última decisão do Copom era apenas 2023. “Certamente teremos impacto em 2024 e 2025 também.” Sanchez pondera que embora as medidas tenham efeito social positivo no curto prazo, não são sustentáveis e geram inflação no futuro, o que também acaba penalizando os mais pobres, que sentem mais a variação de preços.
Fonte: Valor Online

