Por Victor Rezende, Matheus Prado e Gabriel Roca — De São Paulo
20/12/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
Sem sinais de esgotamento, o apetite dos investidores pelos ativos brasileiros teve mais um capítulo na sessão de ontem. O Ibovespa voltou a registrar máxima histórica e os juros futuros deixaram em segundo plano o tom cauteloso adotado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na ata da última reunião. Essa cautela, porém, fez bem ao câmbio doméstico, que anotou um movimento firme de apreciação, ao fechar no menor nível em um mês, com o dólar novamente abaixo de R$ 4,90.
As expectativas em torno do diferencial de juros deram sustentação à moeda brasileira na sessão de ontem. O dólar à vista encerrou a sessão em queda de 0,81%, negociado a R$ 4,8648, após ter ido a R$ 4,85 na mínima do dia.
Uma parte do movimento se deveu a fatores externos, já que o dólar perdeu a disputa contra a maioria das divisas emergentes. No entanto, um Copom ainda bastante cauteloso e desconfiado em torno da melhora do cenário externo se somou a uma visão mais alinhada a cortes de juros por alguns dirigentes do Federal Reserve (Fed), como a presidente da distrital de San Francisco, Mary Daly. Assim, o real se manteve mais apreciado.
“Temos notado um aumento na posição comprada em real por fundos locais, diante da melhora estrutural que vemos na conta corrente, além de estarmos em um ambiente de dólar mais fraco e com um BC que é mais cauteloso”, nota o superintendente de renda fixa da SulAmérica Investimentos, Getúlio Turatti Ost. Ele diz, ainda, que o movimento impressiona, ao se ter em vista que o ambiente atual costuma ser sazonalmente negativo para o real.
O otimismo com o real, assim, continua a se mostrar presente. Dados da B3 mostram que, somente na segunda-feira o investidor institucional local aumentou a posição vendida em dólar – aposta na queda – via derivativos (dólar futuro, cupom cambial, swap cambial e minidólar) em cerca de US$ 750 milhões, para um total de US$ 13,49 bilhões.
Para Ost, a cautela adotada pelo Copom se reflete no comportamento benigno do câmbio. “A postura do BC indica um juro médio mais alto do que acabaríamos vendo caso houvesse uma aceleração no ritmo de cortes, por exemplo. Além disso, observamos uma entrada de recursos de estrangeiros na bolsa. Tudo isso aponta para esse comportamento benigno do câmbio, mas temos dificuldade em ver um rali além disso se não vier de fatores globais”, afirma.
Já a AZ Quest mantém em sua carteira posições compradas em real e vê um momento bastante positivo para a moeda à frente. Na visão do sócio e responsável pela área macro da gestora, Marco Antonio Mecchi, o câmbio deve continuar a apreciar e pode cair abaixo de R$ 4,70. “O juro real está muito alto e o diferencial de juros reais continua alto. Além disso, os termos de troca estão a nosso favor, o que já funcionou bastante este ano, principalmente por causa da parte agrícola.” Mecchi avalia que o crescimento econômico deve continuar resiliente em 2024 e ficar mais próximo de 2% do que de 1%. “E tudo isso vai fazer o câmbio ter uma apreciação, o que deve ajudar o BC a cortar mais os juros.”
Essa visão também é defendida pelo sócio e diretor de investimentos (CIO) da Legacy Capital, Felipe Guerra, ao esperar juros mais baixos à frente. “O fato de termos uma conta corrente melhor dá apoio ao fundamento do país e permite que o Brasil tenha uma moeda mais estável e, portanto, menos vulnerável, o que vai se refletir em taxas de juros mais baixas. Por isso, preferimos posições em juros”, afirma.
Guerra diz não acreditar em desvalorização do real e espera que a moeda se aprecie um pouco mais. Mas, em termos de risco e retorno, a Legacy prefere posições em juros, ao se atentar à posição técnica ruim da moeda no momento.
“Vemos uma melhora importante de conta corrente, que as pessoas já visualizaram por conta do alto preço das commodities e da menor importação. No ano que vem, deve melhorar mais um pouco, mas já estamos com o BC cortando juros e o nosso ‘carry’ está um pouco menos atrativo que o do México”, diz. Para Guerra, a melhora nas contas externas indica que, nos próximos meses, o fluxo de entrada de dólares deve seguir firme no país. “Não vejo o real sofrendo muito.”
O ambiente otimista se espalhou, ainda, para a bolsa, que teve novo recorde. O Ibovespa subiu 0,59%, aos 131.851 pontos, enquanto os juros de longo prazo exibiram leve queda. A taxa do DI para janeiro de 2029 recuou de 10,18% para 10,14%.
No curtíssimo prazo, o gestor de renda variável Marcelo Nantes, da ASA Investments, avalia que o foco dos investidores deve ficar exatamente no fluxo estrangeiro para a bolsa, já que o capital externo continua a entrar na renda variável local com intensidade importante, enquanto o volume de negócios na B3 recua. Assim, caso haja uma mudança de humor no mercado, pode haver um movimento de correção rápido e de magnitude importante nas ações brasileiras.
“A perspectiva para uma janela de três a seis meses é positiva, com o juro americano se mantendo em evidência. Se a expectativa em relação à trajetória das taxas dos EUA piorar, como já aconteceu este ano, não ajuda os ativos de risco. Entre os riscos positivos, o investidor local ainda não voltou para a bolsa, e esse fluxo poderia resultar em fôlego adicional para os ativos”, avalia.
Fonte: Valor Econômico

