Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
05/05/2023 05h00 Atualizado há 4 horas
A temperatura da atividade brasileira no primeiro trimestre do ano melhorou, na visão de economistas, sobretudo com os dados divulgados do último mês para cá. Isso tem levado instituições financeiras a revisarem para cima projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2023, muitas prevendo números acima de 1%. A resiliência, no entanto, deve ter fôlego curto e permanece, entre analistas, a perspectiva de que a atividade ficará mais fraca passados os três primeiros meses do ano.
Nos últimos dias, elevaram suas previsões para PIB em 2023 a ASA Investments (zero para 0,5%), o ABC Brasil (0,1% para 1,2%), o Opportunity Total (0,8% para 1,3%), a Legacy (0,7% para 1,5%), o Barclays (1% para 1,5%) e o Bradesco (1,5% para 1,8%). No boletim Focus, pesquisa do Banco Central com o mercado, a mediana das projeções para o PIB de 2023 começou o ano em 0,8%. No início de abril, estava em 0,9% e, até o fim do mês, foi a 1%.
A perspectiva de que a agricultura deve puxar o PIB do primeiro trimestre não mudou, mas economistas passaram a ver um desempenho melhor também do consumo das famílias, sustentado por um mercado de trabalho ainda aquecido e que puxa a demanda em serviços e no varejo.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/N/6/njLym1R36IPHJ9UmNlUQ/arte05bra-103-ativa-a4.jpg)
“Apesar de alguma volatilidade de curto prazo nos dados, em parte por um processo de ajuste sazonal mais desafiador desde a pandemia, a principal conclusão parece ser que a atividade no primeiro trimestre de 2023 se manteve melhor do que esperávamos”, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays.
Nas pesquisas do IBGE de fevereiro, os serviços subiram 1,1%, ante janeiro, enquanto a mediana das estimativas de mercado, colhidas pelo Valor Data, apontava 0,5%. O varejo ampliado – que inclui veículos e material de construção e entra no PIB – subiu 1,7%, bem acima da expectativa de 0,7%.
O Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), que agrega as pesquisas do IBGE e a agricultura, subiu 3,3% em fevereiro, ante estimativa de 1,2%. Embora o indicador, em geral, não entre nos modelos dos economistas para projetar PIB, eles dizem que o IBC-Br ajuda a “dar um norte”. Secemski nota, por exemplo, que, na comparação interanual, o índice costuma subestimar o PIB do primeiro trimestre.
“Faltam ainda os dados de março, mas achamos que o PIB do primeiro trimestre vem bem mais forte”, diz Leonardo Costa, economista da ASA. “Já tínhamos uma expectativa que o agro fosse sustentar o primeiro trimestre. [O ajuste] foi por causa do consumo das famílias mais forte, que vemos refletido nos serviços no comércio, demorando a desacelerar”, afirma.
Para economistas, a principal surpresa, no entanto, tem sido com os dados do mercado de trabalho. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do governo federal para acompanhar o setor formal, mostrou criação líquida de 195 mil vagas em março, muito acima da estimativa de mercado de 97,5 mil postos. Na série dessazonalizada, foram 300 mil novas vagas criadas, segundo Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity. “É realmente bastante impressionante”, afirma.
Mesmo na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, que abrange o mercado formal e informal, a taxa de desemprego subiu para 8,8% no primeiro trimestre, mas, na série dessazonalizada, houve queda, observa Fonseca.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/J/a/YcnWETTSerKhKYgsffig/arte05bra-102-ativa-a4.jpg)
“Temos um mercado de trabalho ainda bastante apertado, decorrente dos impulsos fiscais dos últimos dois anos de pandemia, além da majoração de auxílios, corte de impostos e, agora no início de 2023, vemos isso se transmitindo em aumentos dos salários nominais, com ganhos reais expressivos”, afirma. Soma-se a isso, segundo Fonseca, a supersafra de grãos, que se traduz em uma renda muito forte do setor agro.
O avanço da agricultura impulsiona setores de serviços como de transporte e armazenagem, observa Daniel Xavier Francisco, gerente do departamento econômico do ABC Brasil. Os dados do IBGE também indicam, segundo ele, atividades de informação e comunicação mais fortes, além de imobiliárias, financeiras e outros serviços. “Alguns serviços estão mostrando pouca sensibilidade ao que se esperaria para uma taxa de juro como a vigente hoje”, afirma.
Lógica similar, diz, vale para a indústria no PIB, mas esta ainda deve registrar um número baixo – a previsão do ABC Brasil mudou de contração de 0,1% para ligeiro avanço 0,2%. “A indústria também tem setores que não estão tão dentro do ciclo econômico, mais relacionados a commodities, como mineração e extração”, afirma Francisco, explicando que eles são impulsionados pela retomada da demanda chinesa.
Do lado da demanda brasileira, nas projeções do ABC Brasil, o consumo das famílias foi revisto de 0,5% para 1,2%, e o do governo passou de estabilidade para 0,8%. “O reajuste de servidores e do salário mínimo entra em consumo das famílias e impulsiona serviços para cima. Já os estímulos do governo, como via Bolsa Família, dão impulso maior ao varejo”, diz Francisco.
Até a projeção do banco para a Formação Bruta de Capital Fixo – medida para os investimentos no PIB – foi revista de queda de 0,1% para alta de 0,1%. “Ainda é uma perspectiva praticamente zerada”, pondera Francisco.
Mais cautelosa, Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria, não alterou sua projeção de 1% para o PIB em 2023. Ela pondera que, embora o número já considerasse gastos maiores do governo, alguns reajustes e políticas podem tornar o consumo um pouco mais resiliente do que o previsto. “De qualquer forma, temos o consumo das famílias no PIB crescendo 1,5%”, afirma.
Ela diz estar vendo, no entanto, volatilidade nos dados gerais. “É difícil extrair um sinal muito claro de que a economia está mais forte do que no fim do ano passado.”
Os índices de confiança empresarial e dos consumidores, calculados pela Fundação Getulio Vargas, recuaram 0,3 e 0,2 ponto, pela ordem, em abril, em um movimento que a instituição considerou de acomodação após subirem mais de dois pontos no mês anterior.
Os indicadores IGet, do Santander com a GetNet, indicam queda de 2,9% do varejo ampliado em abril, ante março, após uma retomada no primeiro trimestre de 2023, observam Gabriel Couto e Rodolfo Almeida em relatório. Já o IGet Serviços recuou 2,8%.
O monitor da ASA para a atividade aponta desaceleração em abril. A projeção da gestora de 0,5% para o PIB em 2023 é melhor do que a previsão anterior zerada, mas, em relação aos últimos anos (2,9% em 2022 e 5% em 2021), “é um PIB fraco”, afirma Costa. “O primeiro trimestre vai dar a impressão de que vem em ritmo forte, mas, nos outros, a fotografia pode ficar muito feia muito rápido”, diz, projetando queda do PIB no segundo e no terceiro trimestre.
Fonte: Valor Econômico


