Por Estevão Taiar, Lu Aiko Otta e Julia Lindner — De Brasília
13/09/2023 05h01 Atualizado há 4 horas
O Orçamento de 2024 “está cercado de incertezas” e conta com uma perspectiva “otimista demais” do governo federal, afirmou em entrevista ao Valor o novo diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus Pestana. A IFI é um órgão de monitoramento da política fiscal ligado ao Senado.
Pestana afirma que a piora do cenário para o déficit primário neste ano dificulta atingir a meta de resultado primário zerado, com intervalo de 0,25 ponto percentual do PIB para cima ou para baixo, estabelecida pelo arcabouço fiscal para o ano que vem.
Ele lembra que em meados do primeiro semestre as projeções iniciais para o déficit primário do governo federal deste ano estavam na casa de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), aproximadamente R$ 100 bilhões. Embora secretários do ministério da Fazenda e do Planejamento e Orçamento continuem afirmando que é possível encerrar 2023 com déficit de cerca de R$ 100 bilhões, o próprio governo federal projeta oficialmente resultado negativo de R$ 145 bilhões, aproximadamente 1,4% do PIB.
“A boca do jacaré está abrindo”, afirma Pestana, que foi deputado federal por dois mandatos. “A intenção pode estar indo para um lado, e o resultado, para outro.”
Do lado das despesas, ele destaca, por exemplo, o impacto que a atual política de reajustes do salário mínimo tem sobre as contas da União. Do lado das arrecadação, lembra que o Orçamento de 2024 “tem um buraco reconhecido de R$ 168 bilhões de despesas condicionadas à realização de receitas”, que, por sua vez, ainda dependem da aprovação do Congresso.
No caso da medida provisória (MP) 1.185, que muda parte da legislação da tributação sobre subvenções, Pestana chama atenção para a dificuldade de aprovação do texto no Congresso. Isso porque a proposta, segundo ele, altera “as regras [para investimentos] do jogo durante o jogo”.
“Além disso, não basta a questão legislativa, tem o potencial de litigância”, afirma, destacando que o tema impacta “500 das maiores empresas do Brasil”. O governo federal planeja arrecadar R$ 35 bilhões em 2024 com as alterações.
Sobre a tributação de offshores e fundos exclusivos, ele aponta o risco de “corrosão da base tributária”, com fuga de recursos. Também afirma que no caso dos fundos exclusivos “não é uma questão pacífica” se a proposta é de tributação sobre estoque ou fluxo dos recursos, já que o texto do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 traz as duas possibilidades, segundo ele.
O diretor-executivo da IFI ainda lembra que a estimativa inicial do governo federal com a taxação de apostas eletrônicas era de algo entre R$ 15 bilhões a R$ 18 bilhões em 2024. “Agora se fala em menos de R$ 1 bilhão;”
Já o projeto de lei do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), na visão dele, é “uma coisa mais abstrata” e com impacto fiscal de difícil mensuração.
Secretário de Planejamento, Orçamento e Coordenação de Minas Gerais entre 1995 e 1998, Pestana relata que encontrou dificuldades durante o sua gestão para recuperar recursos da dívida ativa do Estado, descobrindo que grande parte das empresas com débitos já tinha falido. “São falsos ativos”, diz.
Para o diretor da IFI e relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2017, “não há vontade nem maioria sólida” para realizar uma reforma administrativa “profunda” no Congresso. Mas, mesmo que houvesse, isso “também não geraria resultado [fiscal] no curto prazo”.
Por sua vez, a intenção do governo federal de passar um pente-fino em despesas como as ligadas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também deve enfrentar dificuldade, já que os números analisados pela IFI mostram que “houve aceleração” maior do que a prevista na execução dessas despesas. “A fila [do INSS] andou”, afirma.
Assim, ele diz que ao governo pode não sobrar alternativa para cumprir a meta de resultado primário em 2024 a não ser cortando gastos discricionários, como custeio e investimentos.
No caso deste ano, Pestana acredita que há argumentos favoráveis a não cumprir os pisos dos gastos com saúde e educação atrelados ao avanço da receita, já que o Orçamento de 2023 foi aprovado com base no teto de gastos. Em um prazo mais longo, afirma que a Emenda à Constituição dos Precatórios deixou uma “bomba fiscal de efeito retardado para 2027”.
Ocupando há dois meses e meio o cargo atual, Pestana é formado em economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UJFJ), onde já foi professor, assim como na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com o diretor-executivo da IFI, o fato de ele ser aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não interfere na função de “pitbull” das contas públicas que o órgão precisa ter.
Pestana destaca ainda a importância da “equipe técnica e consistente” que forma a IFI.
Fonte: Valor Econômico

