O impacto negativo poderia facilmente ofuscar os efeitos do impasse sobre o limite da dívida. O programa de aperto quantitativo (QT, da sigla em inglês) do Federal Reserve já erodiu as reservas bancárias, enquanto os gestores de recursos acumularam dinheiro em antecipação a uma recessão.
O estrategista do JPMorgan Chase & Co., Nikolaos Panigirtzoglou, estima que uma enxurrada de títulos do Tesouro aumentará o efeito do QT sobre ações e títulos, derrubando quase 5% de seu desempenho combinado este ano. Os macro estrategistas do Citigroup Inc. oferecem um cálculo semelhante, mostrando que uma queda média de 5,4% no S&P 500 em dois meses pode seguir uma redução de liquidez de tal magnitude e uma sacudida de 37 pontos básicos para spreads de crédito de alto rendimento.
As vendas, marcadas para começar na segunda-feira, vão repercutir em todas as classes de ativos e competem por uma oferta de dinheiro já reduzida: o JPMorgan estima que a liquidez se reduzirá em US$ 1,1 trilhão de cerca de US$ 25 trilhões no início de 2023.
“Esta é uma fuga de liquidez muito grande”, diz Panigirtzoglou. “Raramente vimos algo assim. É apenas em quedas severas como a crise do Lehman que você vê algo parecido com essa contração.” É uma tendência que, juntamente com o aperto do Fed, reduzirá a medida de liquidez a uma taxa anual de 6%, em contraste com o crescimento anualizado na maior parte da última década, estima o JPMorgan.
Os EUA têm contado com medidas extraordinárias para ajudar a se financiar nos últimos meses, enquanto os líderes brigam em Washington. Com a inadimplência evitada por pouco, o Tesouro dará início a uma onda de empréstimos que, segundo algumas estimativas de Wall Street, pode chegar a US$ 1 trilhão até o final do terceiro trimestre, começando com vários leilões de títulos do Tesouro na segunda-feira que totalizam mais de US$ 170 bilhões.
O que acontece quando os bilhões passam pelo sistema financeiro não é fácil de prever. Existem vários compradores para títulos do Tesouro de curto prazo: bancos, fundos do mercado monetário e uma ampla gama de compradores classificados vagamente como “não bancos”. Estes incluem famílias, fundos de pensão e tesourarias corporativas.
Os bancos têm apetite limitado por títulos do Tesouro no momento; isso ocorre porque é improvável que os rendimentos oferecidos sejam capazes de competir com o que eles podem obter em suas próprias reservas.
Mas, mesmo que os bancos fiquem de fora dos leilões do Tesouro, uma migração de depósitos para o Tesouro por parte de seus clientes pode causar estragos. O Citigroup modelou episódios históricos em que as reservas bancárias caíram US$ 500 bilhões no período de 12 semanas para se aproximar do que acontecerá nos próximos meses. “Qualquer declínio nas reservas bancárias é normalmente um problema”, diz Dirk Willer, chefe de estratégia macro global do Citigroup Global Markets Inc.
O cenário mais benigno é que a oferta seja absorvida por fundos mútuos do mercado monetário. A expectativa é que suas compras, com seus próprios potes de dinheiro, deixariam intactas as reservas bancárias. Historicamente os compradores mais proeminentes de títulos do Tesouro, eles recentemente recuaram em favor de melhores rendimentos oferecidos pelo mecanismo de acordo de recompra reversa do Fed.
Isso deixa todos os outros: os não-bancos. Eles aparecerão nos leilões semanais do Tesouro, mas não sem um custo indireto para os bancos. Espera-se que esses compradores liberem dinheiro para suas compras liquidando depósitos bancários, exacerbando uma fuga de capitais que levou bancos regionais a falência e desestabilizou o sistema financeiro este ano.
A crescente dependência do governo dos chamados compradores indiretos ficou evidente já há algum tempo, de acordo com Althea Spinozzi, estrategista de renda fixa do Saxo Bank. “Nas últimas semanas, vimos um nível recorde de compradores indiretos durante os leilões do Tesouro dos EUA”, diz ela. “É provável que eles também absorvam grande parte das próximas emissões.”
Por enquanto, o alívio sobre os EUA evitarem o calote desviou a atenção de qualquer problema de liquidez iminente. Ao mesmo tempo, o entusiasmo dos investidores com as perspectivas da inteligência artificial colocou o S&P 500 à beira de um mercado altista após três semanas de ganhos. Enquanto isso, a liquidez de ações individuais vem melhorando, contrariando a tendência mais ampla.
Mas isso não acalmou os temores sobre o que geralmente acontece quando há uma queda acentuada nas reservas bancárias: as ações caem e os spreads de crédito aumentam, com ativos mais arriscados carregando o peso das perdas. “Não é um bom momento para segurar o S&P 500”, diz Willer, do Citigroup.
Apesar do rali impulsionado pela inteligência artificial, o posicionamento em ações é amplamente neutro, com fundos mútuos e investidores de varejo permanecendo parados, de acordo com o Barclays. “Achamos que haverá uma queda nas ações” sem explosão de volatilidade “por causa da fuga de liquidez”, diz Ulrich Urbahn, chefe de estratégia de múltiplos ativos da Berenberg. “Temos fundamentos de mercado ruins, indicadores negativos e uma queda na liquidez, o que não é ‘suportivo’ para o mercado acionário”.
Fonte: Valor Econômico

