No fim dos anos 2000, surgiu a Profilaxia Pós-Exposição, a PEP, na sigla em inglês, um medicamento administrado até 72 horas após uma relação de risco pelo prazo de 28 dias, logo disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. Em 1 de dezembro de 2017, o Ministério da Saúde incorporou ao portfólio preventivo a Profilaxia Pré-Exposição, a PrEP. Trata-se de um medicamento preventivo, a ser administrado de maneira recorrente.
Medidas como essas se unem a outras, como a testagem e o tratamento gratuito, uma vez que as pessoas que apresentam a carga viral indetectável não transmitem o vírus. Essa estratégia é conhecida como “Prevenção Combinada”, pela adoção de ações conjuntas de combate ao HIV/aids.
Apesar de todas essas medidas e de um orçamento específico para enfrentar o HIV/aids — assegurado pela lei e que, portanto, se manteve estável —, o país tem apresentado dados alarmantes em casos de notificação em determinados grupos sociais. Segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2021, houve um incremento na taxa de detecção dos casos de aids — quando já há sintomas da doença — entre os homens.
Os maiores aumentos ocorreram entre os mais jovens. Na idade de 15 a 19 anos, o aumento foi de 45,9%, o que significa uma elevação de 4,7 para 6,9 por 100 mil habitantes. Entre aqueles que têm entre 20 e 24 anos, passou de 26,3 a 33,2 por 100 mil (+26,2%). Na faixa etária de 25 a 29 anos, o aumento foi de 16%, de 46,2 para 53,6.
De acordo com o boletim, 52,6% dos casos de HIV conhecidos do sexo masculino são HsHs, homens que fazem sexo com homens — homossexuais, bissexuais ou homens que tiveram uma relação homossexual.
“O risco reside na prática sexual. Mulher que faz sexo anal desprotegido tem o mesmo risco do HsH”, afirma a médica infectologista Rosana Richtmann, do Grupo Santa Joana. “Até antes da PrEP era uma coisa normal usar camisinha. Hoje, mudou. Ninguém quer usar camisinha porque tem PrEP.”
Uma pesquisa realizada pelo IBGE apontou essa tendência. O número de adolescentes e jovens entre 13 e 19 anos que usa camisinha caiu de 72,5% em 2009 para 59% em 2019.
Em aplicativos de encontros, é comum jovens se identificarem como usuários de PrEP como um meio “seguro” de abolir a camisinha. No entanto, não há meio de verificar a veracidade da informação.
Um agravante, segundo o Painel/PrEP, estudo divulgado pelo Ministério da Saúde no ano passado, é que das 64 mil pessoas que aderiram à PrEP nesses quatro anos, mais de 24 mil abandonaram o tratamento. A pesquisa mostrou também que apenas 12% tinha entre 18 e 24 anos e 72% mais de 12 anos de estudo. Os dados ajudam a ilustrar uma nova realidade, apontada por Richtmann, diante da desigualdade do acesso à PrEP. Enquanto na capital paulista, em 2021, o número de novos casos caiu 37,5%, quinto ano seguido de queda, os casos na região Norte, a mais pobre do país, aumentaram 21% entre 2011 e 2021.
Até 2013, a maioria dos casos se dava entre os declarados brancos. Em 2021, 12% se declaravam negros e 48,1% pardos, comumente a população mais pobre do país. “Essas pessoas não estão sob PrEP”, afirma a infectologista.
Com mais de 1,6 milhão de seguidores no TikTok, o psiquiatra e comunicador Jairo Bouer dialoga diariamente com um público pré-adolescente e adolescente. Ele vê como positiva a adoção de novos modos de prevenção.
“Se a gente ficasse só nas estratégias comportamentais, como o ‘use camisinha’, os resultados tenderiam a ser mais modestos. O grande desafio é fazer a informação chegar a esse grupo. A questão de PrEP e PEP tenho a sensação que chega menos.”
De acordo com o psiquiatra e comunicador, a essa falta de informação se somam uma resistência ao uso de preservativo e um desaparecimento dos programas de educação sexual nas escolas. “Nos últimos quatro anos, sobretudo, mas é um fenômeno que já vinha acontecendo.”
Nos últimos dez anos houve uma queda dos casos de aids entre as mulheres em todas as faixas etárias. No entanto, o boletim mostrou que, em 2021, 45,6% das novas infecções pelo HIV em mulheres — quando a pessoa apresenta a sorologia positiva, sem sintomas da doença — ocorreu na faixa entre 15 e 34 anos. Idade em que a mulher está em idade reprodutiva.
“A principal forma de transmissão [no caso feminino] acaba sendo a via sexual”, afirma a ginecologista Helga Marquesini, do Centro de Medicina Sexual do Hospital Sírio-Libanês.
A PrEP para mulheres que desejam engravidar é recomendada em casos específicos. “Se a gente tiver uma mulher hétero ou um homem trans que tiveram sexo vaginal ou anal sem preservativo, elas estariam no critério de usar PrEP.”
A ginecologista alerta para o fato de que muitas mulheres ainda se colocam em situações de exposição ao vírus por minimizarem os riscos eventuais de sua relação. “Uma mulher que não é usuária de droga injetável e usa preservativo na maioria das vezes pode estar minimizando o risco dela. A mulher que julga conhecer aquela parceria acaba minimizando o risco.”
A recomendação é que as mulheres tenham consciência dos riscos e saibam se impor diante dos parceiros. Um problema que acomete em especial quem está iniciando a vida afetiva e sexual. “A pessoa deve iniciar a vida sexual quando conseguir lidar com as situações adversas, negociar o uso do preservativo”, afirma Marquesini.
O Ministério da Saúde modificou recentemente sua estratégia de prevenção ao HIV. Incluiu, no início de 2023, a PrEP sob demanda. Nela, o usuário toma duas doses do comprimido entre 2 e 24 horas antes da exposição de risco, um comprimido 24 horas após a dose inicial e outro após 48 horas.
A pasta incorporou a oferta de PrEP a partir dos 15 anos, sem a necessidade de autorização dos pais ou responsáveis na rede pública, exceto em casos específicos relativos à saúde do adolescente.
A adoção da medida no último caso foi feita com base no estudo PrEP1519, realizado entre 2019 e 2021, junto a homens que fazem sexo com homens (aHSH), travestis e meninas trans, todos na faixa na adolescência.
Segundo o diretor do Departamento de HIV/AIDS, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, Draurio Barreira, o Programa Saúde nas Escolas também está em processo de reorganização para a retomada da prevenção das ISTs, como a aids. “Espera-se que essa ação possa contribuir para a implementação das políticas de promoção à saúde e prevenção do HIV voltadas para juventudes.”
O ministério afirma seguir com a estratégia da “Prevenção Combinada”, que inclui o uso da camisinha ante o avanço de outras ISTs, como a sífilis, que vem aumentando há dez anos e atingiu seu maior patamar (77,8 por 100 mil habitantes) em 2021.
“Nós estamos vendo aumento das outras ISTs porque não está se usando mais preservativo”, afirma Richtmann. “Outras infecções podem ser porta para o HIV”, afirma Marquesini, diante da perda de imunidade do corpo. É hora de voltar a se cuidar.
Fonte: Valor Econômico