Imagine um equilibrista atravessando uma corda esticada a dezenas de metros de altura. O público segura a respiração, fascinado pelo espetáculo, mas consciente de que qualquer passo em falso pode ser fatal. O mercado de ações dos Estados Unidos vive algo parecido.
O relatório “Pricing Perfection”, publicado pelo Banco Morgan Stanley nesse mês de setembro, descreve como o S&P 500, índice que reúne as maiores empresas americanas, caminha sobre essa corda bamba. De um lado, a promessa de crescimento quase ilimitado com a inteligência artificial. Do outro, os riscos de expectativas que podem ter ido longe demais.
Segundo o estudo, apesar de S&P 500 acumular alta de quase 10% neste ano e estar em sua máxima histórica, eles ainda vêm potencial para o índice se valorizar mais 9% em 12 meses. Entretanto, eles alertam para os riscos na exuberância do mercado.
O entusiasmo se apoia em uma combinação poderosa: a crença em uma onda de investimentos em IA generativa, incentivos corporativos da chamada “One Big Beautiful Bill Act”, recentemente aprovada no congresso, e a expectativa de que o Federal Reserve volte a cortar juros já em setembro.
Com o clima de euforia, os preços já refletem um cenário praticamente perfeito. Como o relatório aponta, o índice negocia a 22,8 vezes os lucros e o prêmio de risco em relação aos títulos do Tesouro americano de dez anos é de apenas 0,25 ponto percentual. Em outras palavras, eles alertam que não há quase nenhuma margem de segurança. E essa confiança pode ser abalada por três fatores.
O primeiro é a expectativa de crescimento de lucros de 14% a 15% em 2026, que pode ser inviabilizada pelo aumento de custos com tarifas, pela retração no consumo ou pela dificuldade em sustentar margens tão altas sem cortes de pessoal. O segundo é que as gigantes conhecidas como “Magnificent Seven” já apresentam queda no fluxo de caixa livre, o que lança dúvidas sobre o retorno de seus investimentos bilionários em data centers. O terceiro é a política: um Fed pressionado a cortar juros em excesso por conveniência eleitoral arriscaria reacender a inflação, elevar os juros de longo prazo e fragilizar o dólar.
No lado positivo, eles ressaltam que a inteligência artificial pode gerar benefícios anuais de até 920 bilhões de dólares para as empresas do S&P 500, o que equivale a quase 30% dos lucros projetados para 2026. No longo prazo, isso pode criar um valor de mercado adicional entre 13 e 16 trilhões de dólares, apenas para esse índice.
Para nós, brasileiros, a mensagem é clara. O que acontece na bolsa americana não fica restrito a Nova York. Taxas de juros e expectativas de crescimento nos Estados Unidos influenciam diretamente o dólar, os fluxos de capital e, portanto, a própria Bolsa brasileira. O investidor que só olha para o Ibovespa sem considerar o que está em jogo no S&P 500 pode estar enxergando apenas parte do quadro.
A confiança cega na alta americana pode até sustentar o apetite por risco por algum tempo, mas qualquer tropeço lá fora tem reflexos imediatos aqui em nosso mercado. Por isso a recomendação do relatório é de vigilância, reforçar a diversificação global e olhos atentos para riscos que podem mudar a cena rapidamente.
Fonte: Folha de S.Paulo

