Em um ambiente marcado por incertezas tanto domésticas quanto externas, as NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA, representam a melhor classe de ativo local para enfrentar a volatilidade adiante, defende Rogério Freitas, chefe de investimentos do ASA.
Ao Valor, o executivo, que assumiu o cargo em agosto deste ano, avalia que eventos como as eleições presidenciais de 2026 têm o potencial de mexer muito nos preços dos ativos, o que o leva a tomar uma postura cautelosa e focar na proteção do patrimônio dos clientes da casa. “A regra número um é não perder dinheiro, e a regra número dois é nunca esquecer a regra número um.”
Valor: Como você enxerga o quadro atual nos mercados?
Rogério Freitas: O cenário tem sido muito importante. Os bancos centrais, depois de todo o período de combate à inflação, entraram em um ciclo de afrouxamento sincronizado e isso, de certa maneira, é positivo para mercados emergentes e ativos de risco. Nos últimos dez a quinze anos, por razões justas, os Estados Unidos foram uma esponja que sugou o dinheiro do resto do mundo, mas esse quadro ficou para trás. Agora há maior incerteza por conta de questões geopolíticas, tarifas. E esse grau de incerteza tem feito com que haja um refluxo desse investimento que estava concentrado nos EUA nos últimos quinze anos para o restante do mundo, e o Brasil está se beneficiando disso. O bom desempenho dos ativos locais nos últimos meses não tem nada a ver com os ‘nossos bonitos olhos’. Estamos indo junto com o fluxo global, é a locomotiva que está puxando e os vagões estão indo atrás.
Valor: O contexto global favorável se sustenta por mais tempo?
Freitas: O cenário global nos beneficia até certo ponto, que é quando o cenário doméstico começa a dominar. Acho que isso vai acontecer entre o primeiro trimestre e o segundo trimestre do ano que vem. Nesse momento, a gente deve começar a se descolar, seja por bem ou por mal, do resto do mundo. Nós temos excesso de endividamento, a trajetória da relação entre dívida e PIB está chegando a 85%. E se a gente tem esse excesso, o mercado cobra mais prêmio, e ele tem feito isso.
Valor: Até o cenário local ficar em primeiro plano, existe espaço para os ativos locais se valorizarem adicionalmente?
Freitas: Teremos volatilidade até o fim do ano. Os preços estão mais esticados, e os spreads, mais comprimidos. Mas ainda acho que vai continuar com um cenário mais favorável. Isso não significa que vamos ver uma performance maravilhosa, o retorno vai ficar aquém do que o mercado está esperando, mas vai ser positivo. Retorno baixo com volatilidade maior historicamente não é um ambiente bom para você aumentar risco, mas talvez também não seja o momento para zerar o risco, pois ainda tem um caminho a percorrer.
Valor: E em relação à política monetária e à postura do BC?
Freitas: A grande dúvida para o BC é a questão fiscal. Até o final do ano passado, tivemos muito estímulo fiscal, o que atrapalhou o trabalho da política monetária, porque a força predominante sobre a economia foi o fiscal. A política monetária estava funcionando, mas tinha uma força muito maior atuando. Desde o início deste ano, mudou o jogo. A política fiscal até tirou estímulos, e o trabalho do BC acabou prevalecendo. Nós tivemos um interregno de sobriedade da política fiscal. Querendo ou não, aconteceu algo positivo. Os canais de transmissão funcionaram muito bem, como crédito e câmbio, e o consumo desacelerou. Esse interregno de sobriedade vai continuar? Se sim, a gente vai ver a desaceleração da economia e desinflação continuando, e os modelos do BC vão indicar que daria para cortar a Selic talvez até uns 3 pontos percentuais no ano que vem.
Valor: E o fiscal vai permitir isso acontecer?
Freitas: É provável que o fiscal seja mais expansionista, dado o que está sendo aprovado no Congresso. E o padrão histórico não é muito favorável à manutenção dessa sobriedade fiscal em ano de eleição. Só houve um ano de eleição presidencial em que não teve expansão fiscal: 2018. Nesse ano, o presidente incumbente não era candidato à reeleição e nem tinha um sucessor. Então, o padrão não é muito animador para a gente ter a sobriedade fiscal necessária para o BC cortar um pouco mais rapidamente a taxa de juros. O que temos visto aqui é um pé no acelerador e outro no freio. O fiscal acelerando e o BC tendo que frear. Não é uma combinação muito positiva, especialmente quando você tem uma dívida de 84% do PIB e uma dúvida para os próximos quatro anos.
Valor: O mercado também tem discutido bastante as eleições…
Freitas: Nossa visão é de que ainda é muito cedo para falar do tema. O mercado pode ter debatido o tema, mas acho que isso ainda não está sendo refletido em portfólio. De novo, acho que está muito cedo. O que está fazendo preço hoje é o mercado global: dólar, Treasury de dez anos, movimento de realocação dos portfólios globais… A eleição tem chance de fazer o preço mudar muito. Se ela levar a uma mudança da política fiscal, o Ibovespa pode subir acima de 200 mil pontos, acho que o dólar pode cair bem, a taxa da NTN-B pode cair para 4,5% a 5%. Mas eu não posso apostar o patrimônio do meu cliente num único evento que é binário.
Valor: Qual a estratégia para lidar com esse risco binário?
Freitas: Eu tenho que ter um portfólio que consiga ir bem nos dois cenários, porque se eu montar um portfólio só para um lado, eu posso perder muito dinheiro. Num cenário de alternância de política fiscal, o melhor ativo é a bolsa. Mas a bolsa, em um cenário de continuidade dessa política fiscal, talvez seja o pior ativo. O melhor ativo para o cenário de continuidade talvez seja o dólar, mas num contexto de alternância talvez seja o pior. O ativo que vai bem nos dois cenários é a NTN-B. Não é o melhor ativo mas, por mais que não esteja performando muito bem esse ano, é um papel híbrido que tem taxa prefixada, que nesse cenário otimista vai bem, e uma parte de IPCA, que num cenário de dólar subindo muito, a inflação aumenta e a NTN-B também vai bem. A renda fixa indexada à inflação não é o melhor ativo em nenhum cenário, mas ela vai bem. Com volatilidade, mas que protege o patrimônio num cenário de estresse, assim como em um cenário de fechamento de taxa.
Valor: As NTN-Bs, então, são a principal aposta no momento?
Freitas: Sim, é um ativo no qual estamos sobrealocados. Mas o nosso portfólio nunca é ‘all in’ numa só classe. Temos bolsa, juros prefixados e pós-fixados, temos multimercados – classe na qual aumentamos a exposição recentemente.
Valor: Os juros prefixados já estão em um patamar justo?
Freitas: Estávamos sobrealocados em prefixados e reduzimos para neutro. Dentro da normalidade atual, acho que os níveis estão justos, o que significa uma Selic terminando o ano que vem perto de 12,5% a 13%. Quais são os cenários de não normalidade? Um é a volta da expansão fiscal – e aí o BC terá de cortar menos; e o outro é um cenário ainda mais favorável, com a economia desacelerando mais e uma desinflação maior e mais rápida que fará com que o BC reduza os juros mais e com cortes mais fortes.
Fonte: Valor Econômico

