Apesar do bom desempenho dos ativos domésticos ao longo do ano, embalados por um ambiente externo mais favorável ao risco, participantes do mercado se frustraram com a dinâmica das NTN-Bs, os títulos públicos atrelados à inflação, que destoaram por completo da tendência dos demais ativos. O juro real de longo prazo, extraído das NTN-Bs, permanece em níveis muito elevados, o que contrasta de forma bastante relevante com a valorização dos ativos brasileiros no ano, sobretudo da bolsa, já que, no geral, a alta do Ibovespa costuma ser acompanhada de um recuo da taxa real longa.
No acumulado do ano até o momento, o Ibovespa registra uma valorização de 18,2%; o dólar recua 13,5% frente ao real; e a taxa do DI para janeiro de 2035 caiu de 14,94% para 13,74%. Já no mercado de juros reais, a taxa da NTN-B para agosto de 2050 teve uma queda quase imperceptível, ao passar de 7,46% na virada do ano para 7,33% no fechamento de ontem.
“Entre os ativos locais, a NTN-B ficou um pouco para trás”, afirma o estrategista Victor Scalet, da XP. Entre os motivos, ele cita o aumento da oferta pelo Tesouro Nacional, com volumes expressivos de emissão de papéis indexados à inflação, além da ausência de um comprador marginal óbvio neste momento.
“Pelo lado da oferta, temos que ver como será neste fim de ano. O Tesouro tem sinalizado alguma acomodação na margem em termos de emissão depois do ‘off-the-run’ [leilão especial de NTN-Bs] e já diminuiu um pouco o ritmo. Se isso se mantiver, talvez tenhamos algum refresco para as NTN-Bs pelo lado da oferta”, diz.
Em relação à demanda, o estrategista elenca diversas questões que têm impedido uma compra relevante de NTN-Bs mais longas. “Os fundos de pensão, em alguma medida, já fizeram a migração de marcação a mercado com as mudanças regulatórias. E, dado que as NTN-Bs estão com taxas em nível muito elevado há bastante tempo e acima das metas atuariais, a grande maioria dos fundos de pensão já alocou”, observa.
Quanto aos fundos de investimento, ele nota que boa parte dos gestores já tentou operar o mercado ao longo do ano, ainda que de forma tática, mas que sofreu com a baixa performance do juro real longo. “E, com os fundos vindo de dois anos difíceis, não é o tipo de posicionamento que é melhor ter”, avalia. Além disso, Scalet nota que os estrangeiros também não são grandes compradores de papéis indexados à inflação, já que alguns têm, inclusive, dificuldade técnica para operar esse mercado.
Algumas casas ainda veem com bons olhos as NTN-Bs, mas fazem algumas ressalvas. No caso da UBS Wealth Management, a recomendação para os juros reais continua a ser “atrativa”. Na visão de Luciano Telo e Ronaldo Patah, os títulos indexados à inflação de dez anos têm operado com taxas acima de 7,5% e seguem funcionando como proteção, para atuar contra uma possível retomada da inflação e de olho no elevado “carry” — a estratégia de tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outra moeda, onde as taxas são maiores.
“Essa classe de ativos tem ficado atrás de outras neste ano devido ao aumento da emissão de títulos e à competição com o crédito privado, que é isento de impostos para a maioria dos investidores finais. No entanto, acreditamos que a principal razão para os juros reais elevados embutidos tanto nos títulos indexados à inflação quanto nos juros nominais de longo prazo é o persistente déficit fiscal do país e a relação dívida/PIB muito alta”, dizem os profissionais.
É uma visão compartilhada pela chefe de soluções de investimento da Tivio Capital, Letícia Albuquerque, para quem a questão fiscal é o que tem impedido um desempenho melhor das NTN-Bs. “Olhando as outras classes de ativos, muito do que aconteceu aqui dentro foi devido ao cenário internacional de dólar fraco e de ‘risk on’ [inclinado ao risco], que favoreceu outros mercados”, diz.
O desempenho melhor de outras classes de ativos, como bolsa, em relação às NTN-Bs provocou uma forte compressão no prêmio de risco do Ibovespa, de acordo com a executiva. “No fim do ano passado, tínhamos um ‘valuation’ muito descontado na bolsa e o prêmio obtido pela diferença entre o ‘earnings yield’ do principal índice da bolsa local e a NTN-B estava negociando quase um desvio-padrão acima da média. Vimos uma queda muito grande desse prêmio. A bolsa performou muito na frente, mesmo sem ter uma revisão tão grande dos lucros das empresas para cima”, nota.
Assim, não há mais a assimetria que existia antes para a renda variável, na avaliação de Albuquerque. “A bolsa está em um momento no qual, para ter uma dinâmica substancialmente melhor, precisa contar ou com a queda desse juro real longo ou com uma revisão para cima dos resultados das empresas em um contexto não muito favorável, já que começamos a ver dados mais concretos de desaceleração”, aponta a executiva.
Avaliação semelhante é defendida pelo sócio e responsável por fundos líquidos da Kinea Investimentos, Marco Aurelio Freire. “A bolsa tem mais para subir do que para cair via queda de juros reais”, diz. Ele, contudo, observa que a bolsa teve um desempenho bem mais forte que o dos juros reais de longo prazo e, assim, houve uma compressão do nível do prêmio de risco pago pela bolsa acima da NTN-B, o chamado “equity risk premium” (ERP).
“Estamos construtivos em Brasil, principalmente via juros, mas vale abrir a discussão sobre o que acontece com a bolsa, dado que o prêmio de risco deu uma boa diminuída no Brasil”, afirma Freire.
Albuquerque, da Tivio, avalia, ainda, que há um nível “substancial” de prêmio nas NTN-Bs e nota que sua área tem mantido um viés positivo em relação a esses papéis. Mas revela que, no momento, prefere os títulos com vencimento em até cinco anos.
“Não fizemos um movimento de aumentar muito a ‘duration’ por causa da preocupação fiscal. Precisamos ter mais clareza de um endereçamento dos problemas fiscais para aumentarmos a ‘duration’ na nossa alocação de juro real”, diz. “A questão eleitoral pode ser um ‘trigger’ [gatilho] sensível para essa mudança”, diz a executiva, ao apontar para discussões sobre reformas e cortes de despesas.
Visão semelhante é compartilhada pelo economista-chefe da XP, Caio Megale, ao notar que o juro real de longo prazo “é o que melhor expressa o risco fiscal”. “O juro real está pensando mais na necessidade de reformas econômicas, que não sabemos se serão pauta da campanha eleitoral e se os candidatos irão defender ou não, até porque nem sabemos quem serão os candidatos [à Presidência]. E também acredito que não saberemos tão cedo. Minha impressão é de que as definições tendem a começar um pouco mais adiante.”
Megale, assim, acredita que a discussão eleitoral pode ser o gatilho necessário para movimentos nas NTN-Bs, até porque, na verdade, as eleições seriam vistas como uma discussão sobre uma agenda futura de reformas. “Pode ser o gatilho porque a eleição vai na raiz do tema, que é a questão fiscal. Só que estamos muito longe ainda e não existe uma perspectiva de que reformas aconteçam no próximo ano. Sabemos que ficará tudo para o início do próximo governo. E, por esse ponto de vista, estamos em um limbo de notícias que façam esse tema mudar.”
Ao levar em conta uma possível mudança política na eleição presidencial de 2026, a Exploritas avalia, em carta mensal, que os ativos locais estão suscetíveis a uma grande reprecificação. Como exemplo, a gestora cita o caso do nível elevado de juros oferecidos pelas NTN-Bs, que estão perto das máximas históricas. Nesse sentido, a casa diz ver uma assimetria maior nas NTN-Bs do que em outros ativos locais.
Fonte: Valor Econômico


