A inflação de 2025 tem surpreendido para baixo, mas isso pode ter impacto limitado à frente, segundo economistas. Apesar da inércia menor, dizem, há uma série de medidas de cunho expansionista, muitas fora do resultado primário, somando cerca de R$ 200 bilhões e jogando contra revisões para baixo mais expressivas na inflação de 2026.
A inércia – a fração da inflação de um período que é transferida aos preços do momento seguinte – menor de 2025 até tem ajudado algumas instituições financeiras a não ajustar automaticamente para cima suas projeções de inflação em 2026, apesar das revisões altistas para a atividade no ano que vem. Mas o risco, apontam, ainda seria de mais, e não menos, inflação.
Desde o início de 2025, a projeção mediana do mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do país, em 2025 saiu de 4,99%, chegou a quase 5,68%, mas agora está na mínima de 4,4%, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central. Para 2026, a mediana, que superou 4,51% ao longo deste ano, agora está em 4,2%.
Só de setembro para cá, a projeção do Barclays para o IPCA em 2025 já caiu de 4,9% para 4,4%. O que causou a revisão de 0,5 ponto percentual – “que não é trivial”, afirma Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil – foi, basicamente, o comportamento da alimentação no domicílio e o de produtos industriais, na esteira da apreciação cambial. “A estimativa de inflação da alimentação no domicílio foi de 5,1% para 2,2%; a de industriais foi de 3% para 2,2%. A parte de serviços, no entanto, ficou parada em 5,9%”, aponta.
A sua perspectiva para o IPCA de 2026 também permaneceu em 4,2%. “Essa inércia menor que devemos ter em 2026 por causa de um 2025 terminando inquestionavelmente mais benigno do que o esperado, não vejo essa transmissão toda acontecendo, em função, em parte, do potencial aumento de demanda”, diz Secemski.
Ele mapeou ao menos dez iniciativas já implementadas pelo governo ou que aguardam implementação nos próximos meses, a maioria delas sem passar pelo resultado primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros). Dos quase R$ 225 bilhões (1,7% do PIB) em recursos potenciais que o Barclays espera que sejam injetados na economia nos próximos trimestres, R$ 177 bilhões (ou 79%) envolvem fontes de financiamento privadas ou extraorçamentárias – ou seja, não primárias -, como linhas de crédito reforçadas por fluxos financeiros públicos.
Segundo Secemski, isso significa que focar apenas a variação do resultado primário não será mais “suficientemente informativo” sobre quão expansionistas são as políticas públicas e seus efeitos sobre a demanda e a inflação.
O programa Reforma Casa Brasil, por exemplo, libera R$ 40 bilhões em linhas de crédito via Caixa Econômica Federal para famílias renovarem o lar, sendo R$ 30 bilhões do Fundo Social e R$ 10 bilhões da própria Caixa. Ainda no âmbito imobiliário, outros R$ 30 bilhões envolvem novos recursos para expansão do Minha Casa Minha Vida (MCMV), programa para construção e aquisição de imóveis.
Apesar dos valores expressivos envolvidos em várias dessas medidas, Secemski observa que “nem todo real impulsiona a atividade econômica da mesma forma”. Por exemplo: linhas de crédito para habitação podem ser disponibilizadas, mas podem não ser totalmente absorvidas pela população se os níveis de incerteza aumentarem durante o ano eleitoral e o medo do desemprego crescer, aponta o economista. Por outro lado, diz, se algumas dessas linhas forem usadas para novas moradias, os efeitos multiplicadores sobre a economia serão maiores do que recursos destinados à aquisição de unidades já existentes.
Secemski também afirma esperar que o forte desempenho mais recente do crédito consignado privado continue. Algumas das novas concessões, no entanto, podem ser usadas por trabalhadores formais para quitar linhas de crédito mais caras em vez de para alavancagem adicional, o que ainda beneficiaria sua renda disponível, mas o efeito sobre a economia seria menor, diz.
Por outro lado, outras iniciativas se aproximam mais de um “impulso na veia” para injetar liquidez em segmentos que, provavelmente, utilizarão plenamente esses novos recursos, aponta Secemski. É o caso da ampliação da isenção do Imposto de Renda, que entrará em vigor a partir de janeiro de 2026. “Embora o projeto de lei seja supostamente neutro em termos fiscais no nível do resultado primário, ele ainda deve estimular a economia devido à maior propensão marginal a consumir das classes de baixa renda, que devem se beneficiar da isenção em aproximadamente R$ 31 bilhões no próximo ano, em comparação com o baixo efeito adverso que pode ter sobre os padrões de consumo dos indivíduos de alta renda, cujos rendimentos financiarão a isenção.”
De forma similar, diz Secemski, o programa para reformas residenciais com linhas de crédito subsidiadas pode impulsionar rapidamente a demanda por insumos de construção e móveis nos próximos trimestres. “Em suma, eu não propaguei toda a inércia menor da inflação em 2025 para 2026 por ter no horizonte essa série de medidas que ainda são incertas do ponto de vista de impacto na demanda.”
A consultoria BRCG fala em uma “agenda não orçamentária” de R$ 220,9 bilhões entre medidas aprovadas no governo atual com impacto sobre crédito e consumo. Desse montante, R$ 113 bilhões dizem respeito a medidas de crédito subsidiado sem impacto primário, como o Reforma Casa Brasil.
Outros R$ 102 bilhões estão relacionados a fundos privados, incluindo operações garantidas. “Essas formas de atuação da política fiscal fogem um pouco do radar, porque não impactam o resultado primário, que é o indicador que todo mundo olha primeiro para acompanhar o desempenho fiscal. Existe um contexto na economia brasileira hoje em que, se você olhar só para as métricas tradicionais de impulso fiscal, isso não vai dizer com precisão a contribuição do governo para a pressão inflacionária em 2026”, diz Matheus Ribeiro, economista da BRCG.
Algumas das medidas expansionistas no radar também impactam a trajetória do endividamento brasileiro, observa Ribeiro, seja diretamente, via aumento do estoque da dívida, seja indiretamente, já que um fiscal mais frouxo exigiria uma política monetária mais apertada, com juros mais altos.
Em meio a esse cenário, algum efeito da inércia menor de 2025 para 2026 tem, ao menos, ajudado economistas a manterem suas estimativas para o IPCA no ano que vem, apesar das revisões altistas nas projeções de PIB.
O Bocom BBM revisou sua previsão de crescimento para o Brasil em 2026 para 1,7%, de 1,5%, com um IPCA em 4%. “Temos movimentos nas duas direções. Vemos uma leitura de inflação corrente bem benigna, diminuindo a inércia para o ano que vem, mas, ao mesmo tempo, tem um hiato que não vai estar tão negativo quanto se esperaria em 2026 dado o grau de aperto monetário, principalmente considerando todas as medidas e políticas programadas”, diz a economista-chefe Cecilia Machado.
O Itaú Unibanco também elevou sua previsão para o PIB em 2026 para 1,7%, de 1,5%, ao incorporar medidas fiscais e creditícias como a ampliação do MCMV, os programas Luz para Todos e Gás do Povo, entre outros. Em sentido contrário, mudanças nas regras de concessão de crédito vinculadas ao saque-aniversário do FGTS podem ter impacto negativo sobre o PIB. No fim, o Itaú estima um efeito potencial positivo de 0,3 ponto percentual (p.p) com o conjunto de medidas, dos quais já incorporou 0,2 p.p. ao seu cenário-base.
Mesmo com a revisão, o Itaú manteve um viés de alta para o PIB em 2026, à luz da possível adoção de medidas de “caráter contracíclico”, escreve a equipe liderada por Mario Mesquita. A sua expectativa de IPCA em 2026 está em 4,2%.
Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil, tem uma estimativa abaixo do consenso para a inflação em 2026, de 3,8%, com 1,8% de PIB. Seu cenário-base, no entanto, tem premissas importantes, como a de que a trajetória de médio-longo prazo esperada para a dívida/PIB não irá se alterar no decorrer da campanha presidencial de 2026. “Se as pessoas começarem a acreditar que a dívida vai subir de modo ainda mais forte, seria mais adverso em termos de câmbio, inflação”, diz Porto.
Fonte: Valor Econômico

