Por Larissa Garcia — De Brasília
23/10/2023 05h02 Atualizado há uma hora
O novo instrumento de proteção cambial – ou “hedge” no jargão do mercado financeiro – para investidores de longo prazo, que está em elaboração pelo governo, contará com um fundo para garantir as operações, segundo apurou o Valor. O Tesouro trabalha para viabilizar a criação desse colchão, mas ainda não foi definido se será administrado pelo Banco Central (BC) ou por outro banco público ou privado.
O valor do fundo ainda será debatido, mas, segundo fonte a par das discussões, poderia começar com algo entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões e ir crescendo conforme a demanda do mercado. Esse valor pode ser alavancado entre cinco e dez vezes.
Dessa forma, convertendo em reais, esse volume seria suficiente para dar proteção a operações na casa dos R$ 200 bilhões, porque o instrumento vai utilizar um cálculo de probabilidade de “perda máxima esperada”, semelhante ao que é feito em seguradoras tradicionais, como de automóveis ou planos de saúde.
Essa métrica leva em conta uma média das perdas históricas e pode ser avaliada caso a caso, a depender do prazo do financiamento a ser coberto, por exemplo, e de outros fatores.
Na prática, na hora de conceder o financiamento ao projeto, o banco vai acionar a proteção oferecida pelo governo e vai pagar uma taxa, que será repassada ao investidor. Assim, o custo total de capital (juro internacional mais o hedge cambial) ficaria abaixo do que o praticado atualmente no mercado. O fundo funcionaria como uma espécie de “resseguradora”.
Quando o investidor estrangeiro coloca dinheiro em um país, ele fica exposto às variações da moeda local e, por isso, precisa se proteger, ou fazer hedge. Trata-se de um instrumento que equaliza possíveis perdas cambiais.
O Tesouro, de acordo com o interlocutor, está analisando juridicamente qual é a melhor estrutura, mas seria uma espécie de “fundo soberano”, semelhante ao modelo adotado por outros países. A equipe econômica espera que o real se aprecie com o aumento de ingressos estrangeiros no país após a criação do instrumento e, por tratar de “possibilidade de perda”, seria cobrado um prêmio “com menor chance de sinistro”, em analogia ao seguro de um carro.
O objetivo é ampliar a captação de recursos de investidores estrangeiros de longo prazo, que atualmente reclamam da exposição à variação cambial no Brasil porque a proteção para aportes com prazos superiores a dois anos no país é muito cara. Muitos preferem alocar dinheiro no México e na Índia, principais “concorrentes” no mundo emergente. Em conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad em viagens internacionais, eles relataram que a falta de proteção cambial era o principal entrave.
Essas aplicações são caracterizadas como investimentos diretos no país (IDP), que estabelecem um relacionamento de médio e longo prazo com o país. O fluxo mostra trajetória de desaceleração, tendo encerrado agosto com ingresso de US$ 4,3 bilhões, 57,4% abaixo do registrado no mesmo mês do ano passado, quando o setor externo registrou entrada de US$ 10 bilhões. Este foi o menor resultado para meses de agosto desde 2020, quando havia sido de US$ 2 bilhões. No período acumulado em 12 meses, houve entrada US$ 65,9 bilhões, ou 3,21% do Produto Interno Bruto (PIB).
O governo quer atrair principalmente investimentos do chamado “real money”, com foco em aportes para fomentar o setor produtivo e não para especulação. Além disso, o novo instrumento terá critérios para selecionar projetos mais sustentáveis, mas não vai excluir propostas de transição. Um exemplo dado pela fonte é o gás natural, que não é a alternativa mais limpa, mas é menos agressivo que o petróleo, então seria elegível para tomar o hedge com a garantia do fundo.
Caso o Banco Central seja escolhido como administrador do fundo, a ideia é que o mecanismo não tenha impacto no balanço da autoridade monetária e que “não se confunda” com as reservas internacionais. Na contabilidade fiscal, o hedge seria semelhante às operações de swaps cambiais, que não são classificadas como despesas ou receitas primárias, mas entram no resultado nominal.
O instrumento é classificado pela equipe econômica do governo como uma “correção” de uma falha de mercado que pode dar uma “estabilidade” ao real.
Na última quinta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à agência “Reuters”, que o instrumento seria criado e regulamentado até o fim do ano por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN) ou pelo próprio BC, sem passar pelo Congresso. Segundo fonte ouvida pelo Valor, esta será “uma decisão de governo”.
Na sua fala, Haddad disse estar confiante de que o desenho ficará pronto ainda neste ano. Ele acrescentou que a iniciativa tem como foco principal a atração de recursos para investimentos sustentáveis, que ganharam o holofote do capital externo.
Fonte: Valor Econômico
