Por Marta Watanabe — De São Paulo
24/04/2023 05h00 · Atualizado há 4 horas
A trajetória de resultado primário prometida pelo governo federal na proposta de novo arcabouço fiscal tem, para 2026, último ano do atual mandato, meta convergente com o superávit que seria entregue pela regra anterior, do teto de gastos, segundo as expectativas de mercado do pré-pandemia.
O esforço fiscal necessário que se vislumbrava, porém, não tinha a mesma magnitude. A mediana das projeções de 31 de dezembro de 2019 do boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, tinha como ponto de partida esperado para 2023 um superávit primário equivalente a 0,25% do PIB, para se chegar a resultado positivo de 1,3% do PIB em 2026, num esforço fiscal correspondente a 1,05% do PIB. A taxa pode dobrar na proposta do governo federal. Pela trajetória sugerida, a base é de déficit de 0,5% do PIB em 2023 para se chegar a superávit primário de 1% do PIB. Considerando banda de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo, o esforço fiscal necessário é de 2% do PIB.
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As projeções mais recentes da mediana das expectativas divulgados no Focus mostram que o mercado ainda não comprou a nova regra fiscal, cujas regras gerais foram divulgadas em 31 de março, destaca Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). As projeções de consenso mais recentes veiculadas pelo Focus para o período de 2023 a 2026, destaca, mantêm as mesmas expectativas que se tinha pouco antes do fim de março.
A trajetória mais recente da mediana das estimativas do Focus está bem abaixo do que o governo projeta, com déficit primário de 1% do PIB em 2023 e ainda mantendo resultado negativo, de 0,3% do PIB, no último ano do mandato atual. Para Borges, a situação só mudará e se tornará mais convergente com a trajetória sugerida pelo governo mais ao fim deste ano, caso o indicador se aproxime mais do que está na regra fiscal proposta. Ou caso o governo consiga aprovar medidas que rendam receitas significativas e com baixo risco de frustração de arrecadação.
Borges lembra que as expectativas em dezembro de 2019, além de serem anteriores à crise sanitária, também vinham embaladas no otimismo gerado pela aprovação da reforma da Previdência. “Era um período também em que o teto de gastos estava de pé.” De lá para cá, diz, houve piora significativa das expectativas.
Ao fim de julho de 2021, já mais de um ano após a eclosão da pandemia, mas ainda antes da apresentação e aprovação da PEC dos Precatórios – proposta que começou a fragilizar mais fortemente o teto de gastos – o consenso do Focus já mostrava déficit para 2023, de 0,7% do PIB, mas com melhora gradativa e superávit de 0,5% do PIB em 2026.
“Em julho de 2021 o teto ainda estava relativamente forte, apesar dos debates de então de que a regra devia ser alterada de 2023 em diante. Mesmo assim já há deterioração em relação às expectativas anteriores à pandemia.” A PEC dos Precatórios resultou na Emenda Constitucional (EC) 113/2021 e EC 114/2021. Um de seus efeitos mais importantes foi o parcelamento do pagamento de precatórios.
Menos de um ano depois, ao fim de maio de 2021, a mediana da projeção de resultado primário para 2023 era de déficit 0,35% e o ponto de chegada em 2026 se mantinha no azul, com superávit de 0,35% do PIB. “Estamos falando de um período após a PEC dos Precatórios, mas antes da aprovação ou apresentação da PEC Kamikaze, que foi a paulada de morte no teto de gastos, e da PEC da Transição, que foi o prego no caixão do teto.”
A PEC Kamikaze resultou na EC 123/2022 que, dentre outras medidas, aumentou de forma temporária, a menos de três meses antes das eleições, o benefício do então Auxílio Brasil, além de instituir Bolsa Caminhoneiro e Bolsa Taxista. A PEC da Transição resultou na EC 126/2022 e elevou em R$ 145 bilhões o teto de gastos para o Orçamento de 2023, além de determinar o estabelecimento de uma nova regra fiscal.
Quando se olha o consenso mais recente do Focus, diz Borges, há claramente uma distância enorme entre o que o mercado espera e as metas prometidas pelo governo. “Há um ver para crer. Porque é preciso aumentar muito as receitas. Precisamos de algo em torno de R$ 130 bilhões a R$ 150 bilhões a mais de receitas recorrentes no acumulado dos quatro anos para viabilizar a consecução das metas fiscais.” Borges destaca ainda que o texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) da nova regra fiscal mostra mecanismos fracos para garantir o cumprimento das metas. O incentivo para o governo em buscar receitas, avalia, será o mercado, já que melhorando-se a percepção, há melhores condições para câmbio, juros e perspectivas de endividamento.
Para Borges, se o governo conseguir aprovar leis que garantam receitas significativas também é possível melhorar expectativas. Entre as medidas com potencial para isso, diz, está uma nova lei para restringir a dedução de subvenção do ICMS na base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O que o governo quer, explica, é que sejam deduzidos apenas as subvenções relacionadas a investimentos mas não a custeio.
Outra medida com bom potencial, diz Borges, seria a regulamentação de preços de transferência. Hoje empresas apuram prejuízos em exportações intracompanhia para paraísos fiscais. Com isso, boa parte do lucro é auferida em local com tributação favorecida.
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, também diz que o aumento de receitas na magnitude necessária para sustentar a regra fiscal terá de vir de aumento de carga tributária, porque não será proporcionado por crescimento econômico. Nesse campo, indica, a revisão de gastos tributários é o melhor caminho, mas muito difícil do ponto de vista político. Para ele, a solução que provavelmente será adotada é fazer parcelamentos de tributos, nos moldes de um Refis, não só para débitos tributários, incluindo os litígios no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), como para os previdenciários.
Leal de Barros diz que um Refis pode trazer elevação de receitas e melhorar a percepção de mercado. Ele lembra, porém, que a regra fiscal proposta pelo governo trata essa receita de Refis como recorrente. “Ou seja, se eventualmente fizerem um Refis e conseguirem receita enorme, isso vai inchar a base de arrecadação e gerará maior crescimento real de gastos no ano seguinte, o que também é uma forma de flexibilização da regra.”
“Esse ganho de arrecadação, que a princípio ajuda a meta de primário de um ano, vai vazar para mais despesa no ano seguinte e gera dificuldade maior para cumprir as metas à frente. A regra só fica em pé, se ano após ano houver surpresas sistemáticas de arrecadação.”
Fonte: Valor Econômico

