Por Maria Luíza Filgueiras — De Nova York
10/05/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
O economista Nouriel Roubini é conhecido como “Dr. Doom” (Doutor Catástrofe) por suas previsões fatalistas para a economia americana e global – que já se mostraram corretas na bolha “pontocom” e na crise do subprime. Ele continua mapeando riscos e lançou recentemente um livro que lista as dez maiores ameaças globais. Mas Roubini anda otimista com o Brasil, país que ele conhece bem – e diz adorar.
O fundamento é que Roubini acredita que há um superciclo de commodities em curso que vai durar “pelo menos pela próxima década”. Parece um contrassenso diante da projeção média de economistas (e dele mesmo) de uma recessão à frente em diversos países – a projeção do Citibank, por exemplo, é que o Brasil tenha recessão no segundo e terceiro trimestres, e que os EUA cheguem ao fim do ano com esse diagnóstico.
“Temos que separar as forças cíclicas das forças seculares. Há certamente uma desaceleração no crescimento econômico, nos Estados Unidos e nos países desenvolvidos, principalmente. As boas notícias são a retomada da China, que será capaz de crescer 5% ou mais neste ano, e ter demanda para uma variedade de commodities, e a Índia, que também terá crescimento robusto”, disse Roubini ao Valor, em evento promovido pelo Citi na segunda-feira em Nova York que reuniu empresários brasileiros e jornalistas.
Lula 4 tem discurso populista mas está limitado porque não detém o Congresso”
“Há uma correção de preços temporária em algumas commodities, como vimos no petróleo, mas o fundamento do mercado de energia hoje é que há um subinvestimento considerável em combustíveis fósseis, com um crescimento em renováveis ainda insuficiente para compensar isso”, exemplifica.
Não é que Roubini esteja desconectado do contexto político local e dos desafios para atrair investidores estrangeiros ou mesmo animar os locais quando fala sobre as oportunidades nacionais. “Lula 4 – considerando Lula 1, 2 e Dilma – tem um discurso que soa muito mais Dilma do que Lula 2. Mas a direção será construída por vários fatores, como um Congresso que ele não controla e não aprova legislação radical em política econômica”, diz ele, que comenta ter conversado com Fernando Haddad, ministro da Fazenda, em Davos.
“Outro ponto é que o mercado privado continua ativo e vigilante. Reduzir privatizações é aceitável, mas revertê-las, não. Goste ou não, qualquer país (ou quase todos) está sujeito à disciplina do mercado, pois seus spreads aumentam, sua moeda se desvaloriza, os investidores vão embora”, afirmou Roubini. No almoço, o economista estava à mesa composta, entre outros, por Wilson Ferreira Jr, presidente da Eletrobras, e o presidente da mineradora Vale, Eduardo Bartolomeu.
“O terceiro ponto é que acho que Lula quer ser bem-sucedido. Entre a retórica que soa muito populista e o que ele pode fazer na prática, inclusive com um BC independente, são limites a favor do Brasil”, afirma.
Roubini falou ainda sobre os riscos geopolíticos e como o Brasil se posiciona. Para o economista, os Estados Unidos subestimam a América Latina, considerando que ninguém vai mexer no seu quintal. “A China é ativa no engajamento com a região, o que é positivo para o Brasil, porque essa aproximação não é só em commodities. Os EUA vão se dar conta que precisam de uma política proativa comercial, de investimentos, de financiamento de operações ligadas ao clima, ao invés de só apontar o dedo.”
Roubini cita o fato de Dilma Rousseff ser a presidente do Banco do Brics e questionamentos do presidente Lula sobre a supremacia do dólar nas transações internacionais. Para o fundador da consultoria Roubini Macro Associates, isso eventualmente pode resultar num agrado ao parceiro chinês com o Brasil fazendo algumas operações em yuan. “Há uma grande discussão sobre a soberania do dólar e se ela poderia estar ameaçada pelo yuan. Mas a moeda chinesa está sujeita a controle de capital, não tem liquidez como o dólar e não é conversível”, diz o economista. “Pode haver algum volume nesse sentido, mas também muita cautela.”
Há sinais de que isso pode chegar também no setor privado. Em entrevista ontem à Bloomberg, o presidente da Suzano, Walter Schalka, disse que a companhia está avaliando fechar contratos em yuan, devido à pressão de fornecedores chineses.
Roubini avalia que o Brasil não deve ficar sujeito a sanções americanas ao se aproximar cada vez mais da China, devido ao tipo de relação comercial, mas que o país também não deve ficar numa posição de escolher entre um ou outro parceiro. “As restrições machucam mais exportadores de tecnologia, como fabricantes de semicondutores no Japão, Taiwan e Coreia, mas para quem produz soja e outras coisas não são consideradas uma questão geopolítica relevante. Ninguém vai proibir o Brasil de vender para China”, diz.
O economista considera que há manifestações claras, tanto nos Estados Unidos quanto na China, de que o desejo não é por uma ruptura entre os dois países.
Entre os temas globais, Roubini também fala sobre a expansão acelerada da inteligência artificial e robótica e comenta a preocupação de economistas e empresários com uma corrida desenfreada. “Essas tecnologias vão aumentar a produtividade. Ainda que não vejamos isso nos dados macroeconômicos, quem cria a inovação e quem usa pode melhorar essa produtividade, curar doenças, prolongar a vida, controlar a pandemia”, diz, considerando que a IA pode ser uma força deflacionária daqui a uns dez anos.
“Mas há efeitos colaterais. Existe um risco de maior desigualdade de renda, à medida que não é possível prover as mesmas habilidades aos empregos mais braçais ou administrativos. A classe média tende a ser espremida. Já vemos hoje uma geração de jovens que sentem que não vão conseguir atingir o mesmo patamar dos pais, o que ajuda a explicar por que extremistas radicais de direita e de esquerda estão tomando o poder.”
No mercado americano, onde já previu ao menos duas crises financeiras, Roubini não vê um problema sistêmico após a quebra de três bancos. Ele considera as grandes instituições financeiras sólidas, mas pondera que uma retração maior nos bancos regionais pode fazer secar o crédito para a economia dos rincões estadunidenses.
“Há um percentual relevante de condados que não têm um grande banco como Citi, J.P. Morgan, Bank of America ou Wells Fargo ”, diz Roubini, que acredita em mais transações de consolidação de bancos pequenos.
Fonte: Valor Econômico

