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Imigrantes ilegais aguardam em uma estrada para serem transportados para processamento após cruzar a fronteira EUA-México em Campo, na Califórnia — Foto: Mark Abramson/Bloomberg
Os americanos vão às urnas daqui a pouco mais de um mês para escolher Kamala Harris ou Donald Trump como presidente e um dos temas que estão na cabeça dos eleitores é como, sob uma nova gestão, o país vai lidar com o fluxo de imigrantes que entram, sem documentação, nos EUA pela fronteira com o México.
Durante o governo do atual presidente, Joe Biden, houve uma explosão no número de imigrantes indocumentados no país.
Por um lado, economistas apontam que esse afluxo tem sido historicamente um impulso para a economia americana porque representa mais consumo, mais arrecadação e mais negócios para atender à nova demanda instalada no país.
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Por outro lado, cidades que se veem mais pressionadas pela chegada de grandes quantidades de imigrantes estão tendo de ampliar gastos para garantir serviços públicos a uma população que, de repente, cresce.
A ampliação da presença estrangeira também alimenta – em alguns segmentos da população americana – uma piora na sensação de segurança e uma avaliação de que os indocumentados estão tomando empregos que poderiam ser ocupados por americanos com menor nível de instrução.
Ao longo da semana passada, o Valor esteve com eleitores em Miami, em Atlanta e em Detroit. São cidades bem menos impactadas pela onda recente de indocumentados do que, por exemplo, Nova York. Mesmo assim, o tema aparece como uma preocupação entre vários eleitores que dizem que o país precisa voltar a achar um ponto de equilíbrio entre sua capacidade de absorver novos entrantes e um controle mais estrito na segurança da fronteira sul.
Tanto a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris (Partido Democrata) quanto o ex-presidente Donald Trump (Partido Republicano) falam em mudanças nas regras para indocumentados e para a segurança na fronteira.
O plano de Trump é o que mais suscita dúvidas e polêmicas. Ele quer uma “deportação em massa” e a promoção da “maior operação doméstica de deportação da história dos EUA”. Também promete voltar a investir na construção do muro na fronteira sul.
“Eu saí da Venezuela em 2016, vivi no Panamá e em 2022 vim para cá. E ainda não tenho status legal”, disse ao Valor Mariel Marrero, de 32 anos, que, como milhões de imigrantes nos últimos anos, entrou pela fronteira sul dos EUA sem a documentação exigida para ingressar no país.
Mariel seguiu um caminho comum. Solicitou asilo ao governo americano. Às vésperas das eleições e em meio a um cenário mais restritivo para imigrantes no Estado da Flórida, Mariel não esconde as preocupações. “O asilo ainda está pendente e isso de certo modo me deixa com uma incerteza”.
Os EUA têm regras que permitem visto de trabalho àqueles que entraram ilegalmente, se entregam à autoridades e solicitam asilo. Enquanto esperam uma resposta ao seu processo, eles também podem obter um número no sistema de seguridade social – que é a primeira porta da burocracia americana para acesso ao sistema de saúde e também a crédito. Mariel tem um emprego na área administrativa de uma escola em Miami. E está no social security.
Em caso de vitória de Trump, há perguntas em aberto: deportações em massa valeriam para os que entraram sem documento recentemente ou para todos? Ou apenas para a minoria que, ainda com status pendente, comete crimes em solo americano? Quais crimes? Ou valeria para delitos?
“Pode acontecer qualquer coisa”, teme Mariel, repetindo uma sensação que parece afetar muitos imigrantes que, como ela, estão em processo de se regularizar.
Os EUA têm hoje aproximados 11 milhões de imigrantes que não têm toda a documentação necessária para que sua presença no país seja regularizada – muitos deles estão nesse limbo jurídico há tempos. São venezuelanos, mexicanos, cubanos, hondurenhos, salvadorenhos, colombianos, entre várias outras nacionalidades que ao longo de anos entraram no país, não por meio de obtenção de visto, mas pela fronteira com o México, sem visto, sem autorização, tentando driblar os agentes de fronteira ou solicitando asilo.
Desde 2010, autoridades americanas vinham se deparando, por mês, com menos de 50 mil pessoas entrando ilegalmente pelo México. Em maio de 2019 – na gestão de Trump, houve um pico de imigrantes encontrados: 132.856. Depois veio uma queda em função do fechamento da fronteira durante a pandemia. Com o fim da crise da covid – na gestão Biden – a reabertura das fronteiras atraiu números recordes de imigrantes sem documentação pela fronteira com o México em 2022 e 2023.
Em dezembro do ano passado, autoridades americanas na região de fronteira encontraram 249.735 imigrantes entrando nos EUA sem documentação.
Kamala admite que o sistema de controle migratório não está funcionando bem e que precisa de correções. Segundo ela, o objetivo é garantir um sistema que funcione de maneira ordenada, com fronteiras seguras e que também seja seguro para as famílias que buscam entrar no país. Ela diz que vai trabalhar para a aprovação no Congresso de uma nova legislação para imigrantes. Biden tentou o mesmo, mas não conseguiu obter os votos da oposição republicana.
Como vice-presidente, Kamala tinha sido encarregada de ajudar países da América Latina a lidarem com as causas do movimento migratório para os EUA. Sua tarefa era tentar incentivar investimentos privados em projetos de desenvolvimento nesses países. A missão, no entanto, não produziu resultados no curto prazo e isso se transformou em um telhado de vidro da sua campanha.
No início do ano, de olho nas eleições, Biden alterou o protocolo dos agentes da fronteira, que resultou numa substancial queda das entradas de indocumentados.
Na pesquisa “New York Times”/Siena feita do início do mês, três assuntos aparecem, nessa ordem, como os que mais têm potencial para influenciar voto em 5 de novembro: economia, regras sobre aborto e imigração.
Quem coloca mais peso nesse tema, segundo a pesquisa, são homens a partir dos 45 anos, brancos, sem formação universitária, de áreas rurais. A maioria vota em Trump, embora essa não seja uma pauta exclusiva dos republicanos.
Tradicional bastião da população latina nos EUA, a Flórida é governada pelo republicano conservador Ron DeSantis. E o que se passa no Estado pode ser visto como prévia das regras mais restritivas para imigrantes em todo o país.
Uma lei estadual aprovada em 2023, e que entrou em vigor em junho deste ano, pune, em algumas situações, empregadores que deem trabalho a estrangeiros sem documentos. Entre as medidas, multa e processo contra quem entrar no Estado trazendo de carro estrangeiros sem documentos.
Romy Moreno, venezuelana que está nos EUA desde 2019, é vice-diretora na Flórida da American Business Immigration Coalition (ABIC), entidade presente em 14 Estados e que reúne empresários e executivos que empregam imigrantes – com ou sem documentação em dia.
Segundo ela, há dois efeitos visíveis da nova legislação. A Flórida começa a ver um movimento de imigrantes indocumentados se mudando para outros Estados onde as regras são mais flexíveis. Ao mesmo tempo, alguns empregadores já falam em falta de mão de obra, em especial naqueles setores altamente dependente do trabalhador que, em sua maioria, fala espanhol: agricultura, construção, hotelaria, entre muitos outros.
“Alguns empresários dizem que seus empregados foram embora da Flórida e que agora a mão de obra está ficando mais cara. Uma empresa de construção disse que com menos oferta de mão de obra imigrante, as obras estão levando mais tempo para ficarem prontas”, diz Moreno.
Não apenas as regras estaduais, mas as promessas de Trump também estão preocupando empresários e imigrantes, diz ela.
Os desafios que alguns empregadores relatam na Flórida poderiam se repetir em escala nacional em um cenário de deportações de massa? E qual seria o seu impacto na economia?
Os republicanos partem de uma premissa considerada simplista pelos críticos. Se houver menos imigrantes ilegais vivendo nos EUA mais empregos – ainda que de baixa qualificação – estarão disponíveis aos americanos. E que com menos oferta de mão de obra, os salários tenderiam a subir. Mas há mais em jogo.
“A cada 100 mil estrangeiros deportados, ocorre uma redução permanente de 8.800 empregos disponíveis para os americanos. Isso ocorre principalmente porque a deportação em massa impede a formação de novas empresas, onde nativos e imigrantes trabalham lado a lado em diferentes funções”, disse ao Valor Michael Clemens, economista, professor da Universidade George Mason e pesquisador do Peterson Institute for International Economics, que estuda as relações entre imigração e economia. Durante o governo democrata de Barack Obama, três milhões de migrantes ilegais foram deportado. Isso permitiu aos estudiosos analisar os reflexos desse tipo de política no mercado de trabalho para os americanos nativos.
O prefeito de Nova York, Eric Adams (do Partido Democrata), afirmou recentemente que ele não conseguia ver uma solução para os impactos que a cidade estava vivendo em função da chegada de milhares de imigrantes vindos da fronteira sul, em busca de asilo. Desde 2022, são mais de 210 mil. “Essa questão vai destruir a cidade de Nova York”, afirmou. Adams vem pedindo mais apoio do governo federal e do governo do Estado de Nova York. A Constituição local estabelece a obrigação do poder público de garantir ajuda a quem está em necessidade. Alguns governadores e prefeitos enviaram de ônibus para Nova York grupos de imigrantes que tinham chegado em seus Estados e cidades próximos à fronteira com o México.
Com os abrigos públicos tomados, muitos hotéis de Nova York recebem da prefeitura para abrigar famílias de imigrantes. Adams diz que o orçamento da cidade está sob pressão. Porém, em um relatório divulgado no início do ano, a controladoria de Nova York apontou que a chegada de imigrantes deve ser vista como “uma benção” para a economia da cidade.
Chicago e Denver estão entre outras cidades que têm recebido grandes grupos de imigrantes.
Nos últimos dias, Trump e seu candidato a vice, o senador J.D. Vance, insistiram em declarações baseadas em fakenews sobre imigrantes haitianos matando e comendo cães e gatos de moradores na pequena Springfield, em Ohio.
Latinos já estabelecidos e que votam nos EUA representam cerca de 14% dos eleitores nos EUA. A maioria, segundo pesquisas, não simpatiza com Trump, ainda mais após as declarações sobre Ohio.
“O problema é que ele não tem filtro. Diz o que vem à cabeça. Se não falasse coisas como essas, teria mais apoio”, disse no sábado à reportagem Francisco Guardado, mexicano-americano, de 35 anos, que vive em Detroit, onde é sócio de uma empresa de construção. Ele conta que a cidade também viu um grande fluxo recente de latinos, muitos deles venezuelanos. Guardado diz que ainda não se decidiu sobre em quem votar.
Mariel Marrero, que não está apta a votar, diz que se preocupa com um ambiente que reforça a estigmatização de imigrantes – principalmente no que diz respeito a casos que envolvem crimes. “O problema é que a maioria acaba pagando por poucos.”
Fonte: Valor Econômico

