A massa de renda total dos domicílios brasileiros deve crescer nos próximos anos de maneira mais intensa nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que no Sudeste e no Sul do país, aponta o estudo da Tendências Consultoria chamado “Classes de Renda e Consumo no Brasil: 2023-2033”, antecipado ao Valor. O estudo leva em conta a massa real de renda – descontada a inflação.
No período de 2023 a 2027, as projeções da consultoria são de expansão de 3,4% ao ano da massa de renda brasileira. As taxas devem ser 4,6% no Norte e 4,1% no Nordeste e no Centro-Oeste. O mesmo perfil aparece nas estimativas para o período de 2028 a 2033, quando Norte (4,1%), Nordeste (4%) e Centro-Oeste (3,9%) também devem registrar avanço anual maior da massa de renda que no Sul (3%) e no Sudeste (3,3%) do país.
Não é de hoje que a massa de renda no país cresce em ritmo distinto nas cinco grandes regiões. Especialistas apontam diversos fatores tal cenário de crescimento desigual da massa de renda total, na ótica regional.
Responsável pelo estudo, o economista da Tendências Lucas Assis explica que essas regiões com expansão mais acelerada da massa de renda são beneficiadas pela base menor, que torna o crescimento mais fácil que em áreas já consolidados, mas que cada uma delas também apresenta razões específicas para o movimento.
No Nordeste, a perspectiva é de aumento de investimentos públicos e privados. O retorno do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tende a beneficiar a região, diz ele, assim como a expansão da capacidade produtiva de diferentes setores, especialmente em petróleo e gás.
“Se em 2022 e 2023 a massa de renda no Nordeste foi beneficiada pelos programas de transferência de renda e os reajustes do salário mínimo, nos próximos anos as principais influências serão dos investimentos públicos e privados, que devem beneficiar o mercado de trabalho local. Não se espera novas ampliações dos programas de transferência”, afirma.
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Na região Norte, o impulso vem da administração pública – com presença relevante no Produto Interno Bruto local -, da concessão de rodovias e portos, e da maturação de investimentos na indústria extrativa de minério de ferro. “Com a redução de gargalos logísticos, a região também deve atrair investimentos”, nota.
A agropecuária, por sua vez, está por trás do crescimento da massa de renda esperada para o Centro-Oeste, destaca Assis. “O Centro-Oeste é a principal fronteira agrícola do país e vai continuar crescendo na próxima década. A redução de gargalos de escoamento vai estimular ainda mais a produção na região”, diz.
No Centro-Oeste, esse ritmo mais acelerado de aumento da massa de renda será sustentado por pessoas como Ângelo Ozelame e Daniel Latorraca, que são parte da rede de empreendedores do AgriHub, ligado à Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), e mostram o espalhamento do agronegócio na economia. Ozelame é fundador da Escola Agro – com cursos voltados aos fornecedores do agronegócio – e da Lucro Rural – plataforma de gestão financeira para o agronegócio, com atuação nas áreas comercial, financeira e fiscal tributária. Com 34 anos, vem de uma família de pequenos produtores rurais de Espumoso (RS), formou-se em agronomia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e foi trabalhar há alguns anos como analista no Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), em Cuiabá.
Lançou a Escola Agro enquanto era empregado, mas um ano depois, em 2018, passou a se dedicar de forma integral ao negócio. Em 2020, abriu a segunda startup. Sua renda hoje é dez vezes maior do que antes de virar empreendedor, conta. Em 2023, a Lucro Rural encerrou o ano com seis vezes mais clientes que no ano anterior, além de R$ 25 bilhões em notas fiscais processadas, no atendimento aos clientes. “Mais do que a questão financeira, ganhei muito conhecimento. E o potencial do setor é enorme não só por causa das perspectivas de crescimento do agronegócio, mas também de sua complexidade financeira e tributária. A gente ajuda nas decisões do produtor da porteira para fora, na parte econômica”, diz Ozelame.
O economista Daniel Latorraca viu nos serviços financeiros o espaço para trabalhar com o agronegócio. É fundador da Creditares, empresa que se apresenta como um hub de serviços financeiros para os produtores rurais, através de assessores financeiros, os chamados “agrobankers”. A plataforma oferece hoje crédito e consórcio e vai ampliar o portfólio para seguros e ferramentas de proteção (hedge) para operações no mercado futuro. “Acompanhei a evolução da agropecuária e o impacto na economia nos últimos anos, especialmente em Mato Grosso. Tanto é que me animei para empreender. Na minha planilha, o agronegócio vai continuar crescendo. Se vão crescer, vão precisar de mais crédito”, afirma Latorraca.
Esse ritmo mais expressivo da massa de renda em Nordeste, Norte e Centro-Oeste não significa, no entanto, redução das desigualdades regionais no país, esclarece Lucas Assis. Isso porque a massa de renda de Sudeste e Sul continuará crescendo. “A desigualdade regional deve ser mantida nos próximos dez anos pelo menos. Por mais que as regiões mais vulneráveis apresentem crescimento da massa maior que Sudeste e Sul, essas últimas regiões também crescem. À medida que todas as regiões crescem, a desigualdade regional deve permanecer marcante”, pondera.
A dinâmica regional de crescimento mais acelerado da massa de renda em Nordeste, Norte e Centro-Oeste se dá em paralelo a uma expansão mais acelerada da renda entre as classes de renda mais alta que na classe D/E, aponta o estudo da Tendências Consultoria. Isso porque a recuperação econômica tende a beneficiar mais os mais ricos, que também são favorecidos por remuneração de investimentos, aluguéis e lucros de empresas.
Para 2024, a previsão da consultoria é de aumento de 2,9% da massa de renda no país. Enquanto nas classes D/E essa variação é de 1,4%, o ritmo fica acima dos 3% nas demais classes: A (3,2%), B (3,4%) e C (3,6%). Entre 2023 e 2027, a média de crescimento anual é de 2,2% nas classes D/E, metade dos 4,4% da classe A. Sem critério oficial no país para a definição das classes de renda, a Tendências usa o seguinte parâmetro: classe A (renda mensal domiciliar superior a R$ 24,2 mil), B (entre R$ 7,8 mil e R$ 24,2 mil), C (entre R$ 3,2 mil e R$ 7,8 mil) e classes D/E (até R$ 3,2 mil).
Na análise da classe A, Assis explica que há impacto tanto do aumento da renda média daquele grupo quanto do aumento do número de domicílios no topo da pirâmide, reflexo da migração de outras classes. Na outra ponta, das classes D/E, não há expectativa de grande alteração dos programas de transferência de renda, o que afeta a capacidade de expansão da massa de renda. “No longo prazo, as classes de renda mais alta ainda devem liderar esse crescimento da renda. Há uma expectativa de migração dos domicílios das classes mais baixas para as classes mais altas, mas ainda em processo muito lento”, diz Assis.
Neste contexto, Assis destaca a diferença do momento atual em relação aos anos 2000, quando houve rápida ascensão dos mais pobres e aumento da classe média. “Essa última década no Brasil foi marcada por dois choques negativos: a recessão de 2015/2016 e a pandemia. Então esse crescimento dos próximos anos é um cenário positivo em relação aos últimos dez anos, mas é diferente dos anos 2000”, nota.
Fonte: Valor Econômico

