O mexicano Ernesto Torres Cantú assumiu como chefe da divisão internacional do Citi em outubro do ano passado, em meio à reformulação operacional promovida no grupo pela CEO Jane Fraser. Nessa posição, ele supervisiona as operações em 93 países, que respondem por quase 60% da receita do conglomerado. Sediado em Londres – até mesmo para facilitar o relacionamento com diferentes fusos horários -, ele tem uma visão holística da economia global e diz que, em termos relativos, o Brasil está em uma situação bastante favorável.
Cantú esteve recentemente no Brasil, na sua primeira visita desde que assumiu o novo cargo. O país é a quinta maior operação do Citi. Depois dos EUA e Reino Unido, há um bloco bem compacto formado por China, Índia, Brasil e México. Em reuniões com clientes, o executivo diz que os desafios que as grandes empresas enfrentam estão relacionados com a reacomodação das cadeias de suprimentos globais, em função de questões geopolíticas. “Quando isso acontece, quando um cliente decide transferir uma fábrica de um país para o outro, nós estamos nesses dois países, então é mais fácil, eles continuam sendo nossos clientes”.
Para o executivo, apesar de desafios recentes, a situação brasileira é positiva, quando comparada com outros países. “Tudo depende do ponto de vista. O Brasil começou 2024 com projeção de PIB de menos de 1%, e vai terminar com 3%. Poucos países no mundo estão crescendo nesse nível, especialmente com uma economia tão grande como o Brasil. Em termos relativos, o Brasil parece bem.” Mesmo sobre a questão fiscal, que é a principal preocupação dos investidores locais, Cantú diz que a situação brasileira não é ruim.
Economia brasileira tem fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja”
Segundo ele, a disciplina fiscal é importante em todos os países. “Se não há disciplina, isso é sempre um preâmbulo de mais problemas à frente. No geral, o Brasil tem o arcabouço fiscal, que, apesar de algumas modificações, ainda está em vigor. A expectativa no começo do ano [passado] era que o governo terminaria 2024 com dívida de 90 e pouco por cento do PIB, e agora está em 78%. As receitas orçamentárias estão indo bem, e isso é incrivelmente importante para manter a disciplina fiscal. A intenção do governo é manter essa disciplina. Não acho que houve mudança sobre isso.”
Cantú diz que a América Latina tem se beneficiado das mudanças nas cadeias globais de suprimento. Alguns países, como o México, são impulsionados pelo “nearshoring” (estratégia de levar a produção para mais perto dos centros consumidores), enquanto outros, como o Brasil, podem tirar vantagem do “powershoring” (produzir mais próximo de fontes de energia, preferencialmente limpas). “A economia brasileira tem fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja. Tem um enorme mercado consumidor local, autossuficiência energética, uma matriz limpa, não tem desastres climáticos. Tem todas as condições necessárias para continuar crescendo.”
Mesmo quando comparado com sua terra natal, o México, Cantú diz que o Brasil está crescendo mais e cita melhorias no ambiente de negócios, como a recém-aprovada reforma tributária. O executivo, que foi CEO do Citi Banamex, um dos maiores bancos mexicanos, agora supervisiona a cisão da unidade de varejo, concluída em dezembro, e a oferta inicial (IPO, na sigla em inglês) dela. Segundo ele, o Citi estará pronto para a oferta entre o terceiro e o quarto trimestres deste ano. “Tudo que está sob nosso controle vai acontecer até o fim do ano. Mas a data do IPO depende de aprovações regulatórias e condições de mercado.” O Citi ainda não definiu a fatia que será vendida no IPO, mas a ideia no médio prazo é se desfazer de 100% do banco de varejo.
Sobre o futuro governo de Donald Trump nos EUA e seu impacto para a América Latina, Cantú diz que mais tarifas apontam para uma inflação mais elevada e, consequentemente, taxas de juros maiores também. De qualquer forma, ressalta que a economia americana tem se mostrado muito resiliente nos últimos anos. “Os EUA podem adotar determinadas políticas, e aí os outros países reagem. Se a maior economia do mundo está crescendo, isso é bom para todo mundo. […] De qualquer forma, os EUA são uns 20 e pouco por cento da economia global, o que significa que ainda tem os 75%, 80% restantes.”
O lucro do Citi no Brasil cresceu e o banco deve superar a meta que estimava uma expansão de 50% nos ganhos entre 2022 e 2024. Cantú diz que, apesar da falta de IPOs, as emissões de dívida e a atividade de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês) estão indo bem, e lembra que a área de banco de investimento não é a maior parte da operação local. “O grosso do negócio está em outros setores, que crescem todos. Somos muito fortes em custódia, cash management, câmbio, instrumentos de hedge.” Segundo ele, o grupo tem investido muito no país e continuará a fazê-lo. “O Brasil é uma fonte importante de crescimento para o Citi. E um exportador líquido de ‘melhores práticas’. Muitas coisas que são feitas aqui eu gostaria de ver replicadas em outras partes do mundo.”
Fonte: Valor Econômico