1 Nov 2022 ADRIANA FERNANDES
Meta é atender promessas como manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 e isenção de IR até R$ 5 mil. Mercado sinaliza que expansão do gasto não pode passar de R$ 100 bi.
Passada a euforia com a vitória nas urnas, as negociações de um pacote fiscal passam agora a concentrar as atenções na transição de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O partido trata o projeto de Orçamento de 2023 como um problema deixado pelo presidente Jair Bolsonaro que precisará ser consertado. O foco central inicial na agenda econômica é refazer o Orçamento e acomodar os principais compromissos assumidos por Lula durante a campanha.
O relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), estará em Brasília esta semana para iniciar as discussões técnicas antes de se reunir com parlamentares.
O pacote para as contas públicas envolve um acordo político para a aprovação do projeto de Orçamento de 2023 e dependerá também da definição do tamanho de uma licença para gastar (chamada no mercado de “waiver”) até a aprovação de uma nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos.
Aliado de Lula, o relator do Orçamento é próximo do ex-governador do Piauí e senador eleito, Wellington Dias (PT), que está na lista da bolsa de apostas dos candidatos a comandar o ministério da Fazenda no terceiro governo Lula.
Entre o primeiro e o segundo turnos da eleição, Castro preferiu ter uma atuação discreta, evitando se manifestar sobre temas que marcaram o debate em relação ao orçamento, como a tesourada de 60% da verba para o programa Farmácia Popular e para a saúde, revelada pelo Estadão; o destino das emendas de relator que sustentam o orçamento secreto; e o financiamento do piso salarial dos enfermeiros.
Emissários do PT vêm conversando com o relator e assessores no Senado de forma informal. Castro sinalizou que está à disposição para fazer um parecer em linha com as novas demandas que surgiram com as promessas de campanha, como a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600.
Mas o relator tem ponderado que não dá para fechar o parecer sem saber com quanto a mais de espaço ele vai contar. Ou seja, o tamanho do “waiver”, que só poderá ser fechado de fato quando os novos ministros da Fazenda e do Planejamento (ministério que deve ser recriado) forem escolhidos.
Investidores e agentes do mercado financeiro têm sinalizado que essa licença para a expansão do gasto não pode passar de R$ 100 bilhões (1% do PIB) em 2023.
As principais promessas de campanha, que incluem aumento de investimentos, demandam um espaço maior que R$ 150 bilhões, como mostrou o Estadão. Mas há quem defenda uma necessidade de gasto de R$ 200 bilhões.
SENHA. A “Carta para o Brasil do Amanhã”, assinada por Lula na semana passada, dá a senha do que o novo governo pretende encaminhar para cumprir os compromissos assumidos na campanha. A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos”, diz o documento.
Promessas como reajustar a faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 5 mil e a política de recuperação do poder de renda do salário mínimo e dos salários dos servidores vão demorar quatro anos até o final do mandato para serem implementadas. Isso significa, na prática, que nem tudo será feito em 2023, mas um pouco a cada ano.
O diagnóstico dos auxiliares de Lula é que o projeto de Orçamento, como encaminhado por Bolsonaro, é insustentável e demanda a atenção urgente. A discussão precisa ocorrer paralelamente à definição sobre o tamanho do “waiver”, permitindo incluir os valores adicionais na lei ou prevendo créditos extraordinários fora das regras fiscais para ampliar as dotações orçamentárias.
A avaliação do ex-presidente e do seu entorno político é a de que a “política precisa dar uma resposta rápida para a economia”, principalmente diante do Congresso que emergiu das urnas, com os partidos do Centrão fortalecidos e querendo ainda mais protagonismo no comando da pauta.
“Tem de ter o pacote fiscal para restabelecer o arcabouço fiscal. Qual vai ser a regra do jogo”, diz o economista Felipe Salto, secretário de Fazenda de São Paulo. Para Salto, no curto prazo, com uma boa articulação com o Congresso, Lula tem condições de fazer “as coisas certas”. •
Recompor os cortes do Orçamento para 2023 promovidos pelo presidente Jair Bolsonaro no projeto de lei enviado ao Congresso será a tarefa imediata nas negociações para a votação do Orçamento com o time de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Além do programa Farmácia Popular, a recomposição mais urgente é a do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que paga os subsídios às classes de renda mais baixa na habitação. A verba para a moradia da população mais pobre caiu de R$ 665 milhões para apenas R$ 34 milhões no projeto de Orçamento de 2023. A maior parte dos cortes foi feita para acomodar as emendas do orçamento secreto, que somam R$ 19,4 bilhões para 2023.
A verba para o programa Farmácia Popular, que oferece medicamentos gratuitos ou com copagamento, deverá subir pelo menos em mais R$ 1,2 bilhão depois do corte de 60%. A verba caiu de R$ 2,04 bilhões no Orçamento de 2022 para R$ 804 milhões no projeto de lei
A construção de escolas de educação infantil passou de R$ 111 milhões para R$ 2,5 milhões e também deverá ser reforçada. O mesmo vale para o programa Caminho da Escola, de aquisição de transporte escolar para educação básica, que passou de R$ 15,2 milhões para R$ 425 mil.
Espera-se reforço para a provisão de médicos na atenção primária (Mais Médicos/médicos pelo Brasil), que passou de R$ 2,69 bilhões para R$ 1,46 bilhão. Também faltam recursos para o apoio a Obras Emergenciais de Mitigação para Redução de Desastres, que passou de R$ 2,57 milhões para R$ 25 mil.
As ações de proteção social básica e especial do Sistema Único de Assistência Social, onde, por exemplo, são cadastradas famílias para transferência de renda e desenvolvidos serviços de combate à violência e à exploração sexual de crianças e adolescentes – tema de campanha depois da polêmica em torno da frase de Bolsonaro “pintou o clima” em referência a meninas venezuelanas – passaram de R$ 908,6 milhões para R$ 48,2 milhões e devem ser recompostas.
Lula também prometeu recuperar recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT). Por uma decisão do presidente Bolsonaro, R$ 4,2 bilhões do FNDCT ficarão parados na reserva de contingência e não serão aplicados em ciência em função da MP 1.136, paralisando diversos projetos.
“Ao mesmo tempo que foi sancionado pelo Executivo o orçamento secreto, com previsão de R$ 19,4 bilhões, há contingenciamento de gastos de Ciência e Tecnologia e redução expressiva de recursos, por exemplo, para habitação, construção de creches, provisão de médicos e Farmácia Popular”, diz Bruno Moretti, assessor legislativo do Senado. Segundo ele, será fundamental negociar com o Congresso a canalização de dotações para gastos de interesse da população, bem como mais despesas fora do teto de gastos. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

