Nova York – Apesar dos juros altos e da seca de aberturas de capital (IPOs, na sigla em inglês) nos últimos anos, o Brasil segue no radar de Wall Street. O motivo é o potencial de catapultar na bolsa lá fora o grande número de empresas novatas que combinam tecnologia e um determinado setor, a exemplo das fintechs, agrotechs e healthtechs, além daquelas lideradas por mulheres.
“Existem empresas incríveis no Brasil que podem precisar apenas de um pouco de educação, talvez um pequeno empurrão”, diz o vice-presidente, diretor de Mercados de Capitais e Execução de IPOs da Nasdaq, Jay Heller, em entrevista exclusiva à Coluna.
Representantes da bolsa de tecnologia vêm ao Brasil esta semana para atrair candidatas para se listar nos EUA. A 3Dots Capital Advisory, consultoria global especializada em mercado de capitais, vai realizar na quarta-feira, 5, em São Paulo, a ‘IPO & Capital Markets Conference’ para promover encontros entre a liderança da Nasdaq, investidores institucionais e executivos de cerca de 100 empresas brasileiras.
País é difícil de ignorar
“É difícil ignorar o Brasil”, diz o cofundador e presidente da 3Dots, Todd Heinzl, à Coluna. Também não se pode ignorar a perspectiva macro e geopolítica, segundo ele. “À medida que a América Latina e a América do Sul crescem, vão desempenhar um papel importante”, acrescenta.
Para você
De acordo com ele, o momento é “perfeito” para identificar potenciais alvos para abrir capital em 2026 ou nos próximos anos. Ainda que pesem desafios no cenário doméstico, com os juros altos, o que pesa na saúde financeiras das empresas, além das eleições em 2026, ou nos EUA, que enfrentam o seu segundo maior shutdown da história, o que pode inviabilizar IPOs na primeira janela do próximo ano, a visão é de longo prazo.
“Essa não é uma corrida de curto prazo, mas sim de longo prazo, e estamos olhando para o futuro”, afirma o vice-presidente da Nasdaq. “Trata-se de plantar sementes”, diz Heinzl, da 3Dots, evidenciando o potencial de fintechs, agrotechs e healthtechs no Brasil.
Este ano era para ser um marco, mas…
O ano de 2025 chegou a ser considerado um possível marco para a volta dos IPOs de empresas brasileiras nos EUA. No entanto, o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que taxou o Brasil em 50%, adiou novamente os planos de companhias de se listarem em Nova York. Ainda assim, a BR Partners listou suas ações na Nasdaq no mês passado e se juntou a nomes como XP, Banco Inter, Stone, além de gestoras como Vinci e Pátria.
Quanto às empresas brasileiras que optaram pelo IPO nos EUA e depois se deslistaram, como a Arco Educação, em 2023, Heller, da Nasdaq, destaca a importância de as empresas serem educadas antes de desembarcarem no mercado americano. “Não há resposta certa ou errada. O mais importante é educar as empresas”, afirma ele, que vê na dupla listagem no Brasil e nos EUA “muito sentido”.
Segundo os executivos, “tamanho e escala” importam ao longo do tempo, mas o mais importante é que as companhias brasileiras façam o dever de casa e se preparem para atender aos critérios de companhias listadas nos EUA. A visita ao Brasil tem exatamente esse propósito: dar espaço para que emissores brasileiros tirem suas dúvidas e identificar boas histórias para serem contadas em Wall Street.
“Não vamos escolher entre vencedores ou perdedores. Queremos grandes empresas com grandes fundamentos de todo o mundo. Queremos ver os próximos inovadores, e é isso que vamos fazer no Brasil”, diz Heller.
Apresentação de balanços
Sobre a possibilidade de as empresas listadas nos EUA deixarem de divulgar balanços trimestrais – proposta defendida recentemente por Trump – e se isso atrairia emissores brasileiros, Heller, da Nasdaq, afirma que a flexibilidade seria positiva e permitiria às companhias focar mais no negócio no longo prazo. Mas, do ponto de vista dos investidores, eles continuarão exigindo alguma métrica de resultado a cada três meses ou até de forma mais contínua.
Aliás, investidores estão mais criteriosos e têm feito um “mergulho mais profundo” na análise de empresas no cenário atual, observa o presidente da 3Dots. No Brasil, o risco fiscal e as eleições concentram a atenção na esfera macroeconômica; no micro, pesa a deterioração do crédito privado, com casos recorrentes de recuperação judicial que foram parar também na Justiça americana, a exemplo de Ambipar, Azul, Gol e Oi.
No fim do dia, reforça Heinzl, o caminho passa pelo reforço da governança corporativa, seja na divulgação de resultados, seja na estratégia de negócios da companhia. E, ainda que pese um sentimento mais positivo com a economia dos EUA à frente, o apetite da comunidade internacional por ativos de países emergentes continuará, com o Brasil tendo um “papel importante” no futuro em áreas como agrotech, healthtech e fintechs, na sua visão. “O investimento estrangeiro não se afastará disso”, conclui.
Fonte: Estadão

