Apesar de a nova política industrial do governo, lançada na segunda-feira (22), despertar receios entre economistas com o uso de recursos públicos para financiar investimentos, os desembolsos previstos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nessa iniciativa estão, em sua maioria, dentro da programação orçamentária da instituição para os próximos anos. “Não haverá aporte do Tesouro diretamente no BNDES [para suportar a política industrial]”, disse ao Valor José Luis Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do banco.
Dos R$ 300 bilhões a serem aplicados até 2026 na nova política industrial, R$ 250 bilhões (83% do total) devem sair do BNDES. O número inclui empréstimos a taxas de mercado, subsídios implícitos para inovação a custo de Taxa Referencial (TR) e aplicações de capital em fundos de investimento (equity). Dentro do bolo total, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também terá participação, inclusive apoiando projetos não reembolsáveis (ver quadro abaixo).
No caso do BNDES, o custo dos empréstimos se vincula à Taxa de Longo Prazo (TLP), mas os empréstimos também poderão estar indexados ao dólar no caso de captações externas ou via Fundo Clima (“green bonds”). Haverá ainda subsídios via TR para inovação. O banco também aposta que poderá captar, no futuro, recursos para emprestar, inclusive à indústria, via Letra de Crédito de Desenvolvimento (LCD), que depende de aprovação do Congresso, e via LCA, título que financia os setor agropecuário. O Valor apurou que, se a LCD for aprovada, pode gerar um adicional de orçamento para o banco emprestar, mas as contas para 2024 não devem mudar.
Uma das razões é que o BNDES trabalha com prazos longos e os projetos financiados demoram a amadurecer. O orçamento do banco poderia precisar de mais recursos em 2025 ou 2026, inclusive para financiar a indústria, mas isso é algo que dependerá do crescimento da economia. No fim de dezembro, o diretor financeiro do banco, Alexandre Abreu, previu que em 2024 o banco possa desembolsar entre R$ 130 bilhões e R$ 160 bilhões, acima dos R$ 115 bilhões a R$ 120 bilhões do ano passado. O número oficial será conhecido quando o BNDES divulgar o balanço do quarto trimestre, em março.
O objetivo da atual gestão do BNDES, sob o comando de Aloizio Mercadante, é fazer o banco voltar a crescer, mas de forma gradual. A meta é chegar a 2026 com o banco tendo um peso na economia equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB). O percentual corresponderia a um desembolso de cerca de R$ 200 bilhões por ano.
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Fontes dizem que hoje o BNDES não tem recursos (“funding”) para sustentar esse ímpeto. O que dispõe dá para garantir participação de cerca de 1,3% no PIB. Mas, se aprovar a LCD, poderá ganhar fôlego para captar e emprestar mais, embora haja dúvidas no mercado sobre a capacidade desse título de levantar dinheiro em escala para financiar, por exemplo, projetos de infraestrutura em prazos longos, de cinco ou dez anos.
Gordon, o diretor de desenvolvimento produtivo do BNDES, disse que o programa anunciado pelo governo, chamado de “Mais Produção”, é uma forma de mostrar ao setor produtivo a disponibilidade de recursos para os próximos anos, algo semelhante ao que acontece na agricultura. “É o plano safra da indústria”, disse Gordon. A iniciativa foi dividida em quatro eixos: inovação, exportação, produtividade e descarbonização. Na exportação, o banco espera voltar a financiar serviços e quer criar uma agência dedicada à exportação, o BNDES Exim, um pleito que entre idas e vindas tem quase 20 anos.
Dos R$ 300 bilhões anunciados, R$ 271 bilhões estão previstos para serem concedidos em operações de crédito. Há ainda R$ 21 bilhões em linhas não reembolsáveis e R$ 8 bilhões em aporte de capital. Gordon disse que esse dinheiro não será usado para comprar mais ações de empresas, mas para estruturar fundos de investimento nos quais o BNDES entra como âncora e traz o mercado junto. A conta dos R$ 300 bilhões considera também que R$ 77,5 bilhões ou 26% foram aprovados em 2023, a maior parte pelo BNDES, mas também pela Finep. A ideia é fazer o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco da Amazônia aderirem ao programa, disse Gordon.
“O Mais Produção é importante para que a economia cresça e tenhamos ganhos de produtividade”, disse Gordon. Há estudos mostrando, porém, que iniciativas anteriores, em outras gestões do PT, não foram capazes de aumentar a produtividade da economia mesmo com o BNDES injetando dinheiro subsidiado, aos bilhões, em setores específicos, que ganharam a alcunha de os “campeões nacionais”. O nome remete à escolha de determinados setores que receberam apoio do Estado em outra versão de política industrial. Gordon diz que houve sim ganhos de produtividade. “Não vai conseguir se financiar a produção de máquinas e equipamentos no país sem o BNDES”, argumenta.
O BNDES está alinhado com as previsões orçamentárias e com política do ministro Haddad”
Entre economistas, há também quem entenda que o alto grau de subsídio do BNDES no passado empurrou para fora o setor privado na concessão de crédito às empresas. O segmento privado só voltou ao jogo depois de o BNDES encolher e instituir a TLP como principal taxa de referência dos empréstimos. O receio agora, com a nova política industrial, está em que erros do passado possam se repetir.
Gordon diz: “Estamos alinhados com as previsões orçamentárias do governo, o BNDES está alinhado com política do ministro Haddad [Fernando Haddad, da Fazenda]. O banco não vai usar recursos do Tesouro”. Mas mesmo que as projeções do banco indiquem um número limitado de subsídios nos empréstimos da nova política industrial, o mercado se preocupa.
Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), afirma que o programa anunciado pelo governo não combate o que, para o economista, é o principal problema da indústria de transformação do país: a baixa produtividade, que contribui para a constante perda de participação do setor no PIB brasileiro. Castelar ressalta que o programa se concentra em subsidiar setores, e não em reverter a queda da produtividade.
“Por que isso gera preocupação em muita gente? Primeiro porque é uma política para compensar a baixa produtividade, e não para elevar a produtividade. É uma política de conteúdo local. Se é conteúdo local, é o contribuinte que paga, se é barreira comercial, é o consumidor que paga. Não eleva a produtividade, mantém a baixa produtividade”, afirma.
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Sergio Lazzarini: é inevitável que medidas sejam associadas aos campeões nacionais — Foto: Rogerio Vieira/Valor
Para ele, a iniciativa do governo impede o processo seletivo natural e que os setores mais eficientes se desenvolvam. “É um programa de sustentação de empresas de baixa produtividade. O resultado é que a produtividade do país segue baixa”, diz Castelar. O segundo problema, para o economista, “é que tudo isso tem preço, isso custa”. Ele explica que, para conceder os subsídios, o governo tem que tirar dinheiro do contribuinte. “O Brasil já tem a carga tributária muito alta e para dar esse subsídio vai ter que aumentar ainda mais essa carga tributária”, diz.
Sergio Lazzarini, professor na Western University, vai na mesma linha. “O que preocupa é que a gente tinha feito uma mudança para disciplinar um pouco os empréstimos do BNDES. A TLP foi implementada nos últimos anos, e agora você tem mudanças que já estão encaminhadas no sentido de permitir que o BNDES mude a taxa de referência dos empréstimos e se capitalize diretamente”, afirmou.
Para o economista, é inevitável que o anúncio desta segunda (22) seja associado à política dos campeões nacionais, até pela falta de clareza da estratégia apresentada pelo governo: “Se for para beneficiar empresas e grandes grupos com o argumento de que eles têm que exportar porque têm tecnologia nacional, nós estamos falando novamente em campeões nacionais. E numa rota de potencial desastre do que foi no passado”.
Fonte: Valor Econômico

