Por Lucinda Pinto — De São Paulo
08/11/2022 05h00 Atualizado
Embora a mudança de governo traga muitas dúvidas sobre como ficará a política fiscal e a gestão do investimento público, há razões para acreditar que não haverá mudanças significativas no curso da economia, nem mesmo das empresas estatais. Para a diretora de rating para América Latina da Moody’s, Marianna Waltz, a composição do Congresso, predominantemente de centro, a melhora de governança de empresas estatais nos últimos anos, o teto de gastos e o nível de capitalização dos bancos públicos são fatores que mitigam os riscos mapeados para o próximo governo. “Há incertezas pontuais, mas a gente não imagina nenhuma ruptura”, afirma.
Em entrevista ao Valor, Waltz afirmou que o desafio do próximo governo de manter a disciplina fiscal é ainda maior, já que o nível da taxa Selic, de 13,75%, encarece muito o custo da dívida. Além disso, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva vai ter que conquistar a confiança do investidor, a despeito do quadro de inflação e juros altos e crescimento econômico baixo – a expectativa da Moody’s é de um crescimento de 0,7% do PIB no ano que vem.
Ainda assim, o cenário-base da agência de rating é de manutenção do teto de gastos como uma “ferramenta fiscal efetiva” daqui para frente. Pode haver exceções, como as vistas durante a pandemia, no governo Jair Bolsonaro, e a que deve ocorrer no ano que vem, quando a definição do Auxílio Brasil imporá um gasto excepcional, acima do limite. Mas, desde que esse tipo de exceção não se torne a regra, um descumprimento pontual não deve colocar em risco, portanto, a classificação do Brasil, que hoje tem nota “Ba2”. “O próximo passo [do governo eleito] é anunciar uma equipe econômica que corrobore o compromisso com a disciplina fiscal”, diz.
A forma como o próximo governo vai gerir a Petrobras é outra fonte de incerteza – razão pela qual a ação da companhia cai quase 9% no mês de novembro. Waltz reconhece que a companhia é vulnerável a uma interferência política, mas acredita que a Lei das Estatais, aprovada durante o governo, protege a empresa, colocando limites no espaço para a ação do governo na petrolífera.
Além disso, o cenário para o petróleo, que caminha para se estabilizar no ano que vem, também pode reduzir a pressão por uma mudança na atual política de preços da empresa. “Vislumbramos preços estáveis do petróleo em 2023, ou até alguma queda”, afirma. “Para o médio prazo, o barril deve cair para algo entre US$ 50 e US$ 70, o que significa que a política de preços não será tão testada”, afirma. Neste momento, o petróleo é negociado a preços ao redor de US$ 90.
Também os bancos públicos estão mais preparados para lidar com eventuais pressões, afirma Waltz. Ela diz que, baseado no histórico dos governos do PT e também em declarações feitas durante a campanha, é possível esperar que haja uma ampliação do balanço tanto do BNDES quanto do Banco do Brasil e da Caixa. “O impacto vai depender do quanto essa ferramenta será utilizada. Entretanto, é fato que o nível de capitalização desses bancos é muito maior e saudável do que em 2014, o que dá algum colchão para uma possível mudança”, afirma a diretora.
Outro aspecto a ser monitorado, diz a executiva da Moody’s, é a dinâmica do investimento em infraestrutura. Segundo ela, os desembolsos efetivos para o setor vêm crescendo desde 2020 e somaram R$ 128 bilhões este ano, sendo R$ 74 bilhões provenientes do setor privado e R$ 54 bilhões do setor público. “A gente sabe que a infraestrutura está dentro da prioridade do novo governo. A dúvida é se esse crescimento vai se manter, e de que maneira”, afirma.
O ambiente econômico mais desafiador, com juros e inflação altos e crescimento baixo, deve provocar uma queda na geração de caixa e aumento na alavancagem das empresas, avalia Waltz. Mas, dadas as boas condições atuais dos balanços das companhias, dificilmente haverá algo preocupante. “Não acredito que haverá uma deterioração de crédito”, afirma.
Atualmente, a Moody’s trabalha com uma projeção de que o número de “defaults” de companhias dos países da América Latina, com exceção da Argentina, atinja 2,2% do portfólio de empresas monitoradas pela agência – do qual o Brasil tem a maior fatia – até setembro de 2023. Essa taxa hoje é de 1,3%. Mas, quando se compara com os números globais, o que se vê é que as empresas locais estão bem posicionadas. Segundo ela, a taxa de default no mundo deve atingir 4,3% no fim do terceiro trimestre de 2023, ante os atuais 2,3%.
Fonte: Valor Econômico

