As pequenas empresas chinesas vêm reduzindo quadros e enfrentando problemas para pagar dívidas, o que as têm deixado receosas quanto ao futuro. Tais dificuldades pintam um quadro sombrio sobre a anêmica recuperação do país.
As pequenas e médias empresas da China são cruciais para a economia. Empregavam cerca de 233 milhões de pessoas no fim de 2018, segundo últimos dados disponíveis. Cifras oficiais, anúncios de bancos e entrevistas com donos de pequenas empresas mostram como muitas delas vêm sofrendo.
“O maior problema para as micro e pequenas empresas agora é a sobrevivência”, disse Ji Shaofeng, fundador de uma associação de microcrédito na província de Jiangsu, no leste da China.
As dificuldades enfrentadas por pequenas empresas da China deixam claro como o país está longe de se recuperar totalmente da série de lockdowns, adotados como parte da resposta ao coronavírus.
Quando o governo, enfim, encerrou sua rígida política de tolerância zero à covid-19 no fim de 2022, muitos economistas previram uma forte retomada. Ela não chegou. Os gastos dos consumidores, as encomendas industriais e as exportações são alguns dos indicadores sinalizando que a recuperação vem perdendo força.
Recente pesquisa com gerentes de compras do setor industrial na China mostrou retração das pequenas empresas pelo segundo mês consecutivo. O índice dos gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) de pequenas empresas está em 47,9 pontos. Leituras abaixo de 50 indicam contração.
Scott Yang, vendedor de vinho e chá em Wenzhou, cidade na rica província de Zhejiang, na China, disse conhecer muitos proprietários de empresas locais que demitiram funcionários e tentam reduzir custos em resposta à queda nas encomendas das fábricas.
As pequenas empresas começaram a contratar no fim do primeiro trimestre, quando ainda havia certo otimismo quanto a uma recuperação. Em maio, porém, um subíndice do PMI sobre emprego nas pequenas empresas mostrou uma leitura de 48,7 pontos, sinal que essas empresas demitiram ou não substituíram os que saíram.
Huang Yiwen, que vende móveis on-line em Foshan, na província de Guangdong, no sul da China, disse que sua empresa tem sido afetada pela fraqueza do mercado imobiliário, uma vez que os compradores de imóveis novos são uma fonte confiável de demanda para fabricantes de móveis. Em 2022, as vendas anuais de residências caíram para o nível mais baixo em seis anos, após declínio no setor imobiliário que também provocou inadimplência de incorporadoras imobiliárias da China.
“Está muito difícil vender”, disse Huang, referindo-se aos móveis.
Menos de 40% das pequenas e médias empresas operam com capacidade total, o que significa produzir o máximo possível, segundo a pesquisa recente da Associação de Pequenas e Médias Empresas da China, que envia questionários a 3 mil firmas do país, a cada mês.
Economistas advertem que os problemas das pequenas empresas não podem ser isolados da economia como um todo. Como as pequenas empresas são grande fonte de emprego, em particular nas grandes cidades, suas dificuldades refletem – e poderiam agravar – tensões econômicas mais amplas.
“Se as pequenas e médias empresas não se recuperarem, será difícil para as áreas urbanas criarem emprego e renda suficientes, o que terá um impacto significativo nas famílias de baixa e média renda”, disse Dan Wang, economista-chefe do Hang Seng Bank (China).
Autoridades do governo chinês estão incomodadas com a situação da economia e planejam uma série de medidas para estimular o crescimento, como noticiou o “The Wall Street Journal”. Isso pode incluir a flexibilização das regras do setor imobiliário e gastos bilionários em obras de infraestrutura.
Até agora, as tentativas de Pequim para estimular as pequenas empresas têm se concentrado em facilitar o acesso ao financiamento. O sucesso tem sido limitado.
Desde o início de 2020, autoridades reguladoras têm pressionado os bancos e outras instituições financeiras a conceder empréstimos a pequenas empresas prejudicadas pela pandemia. Em algumas partes do país, agências locais do banco central tentaram ajudar as pequenas empresas criando equipes para responder a perguntas sobre financiamento e para visitar fábricas e fazendas para avaliar as necessidades. O governo também adotou outras medidas de alívio direcionadas, como isenções fiscais e reduções de aluguel.
O estoque da dívida de pequenas e microempresas aumentou para US$ 9 trilhões em março, segundo a Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China.
Muitas pequenas empresas na China não desejam obter novo financiamento, a menos que isso as ajude a liquidar dívidas anteriores. Yang, o comerciante de vinhos, disse que, embora o financiamento seja barato e fácil de obter, a maioria das empresas que conhece está captando empréstimos apenas para se manter, e não para expansão.
A Lufax, plataforma chinesa de empréstimos pela internet que atende principalmente donos de pequenas empresas, informou, em maio, que 5,7% dos empréstimos que facilitou estavam com mais de 30 dias de atraso no fim de março. Suas taxas de inadimplência, que são mais altas no caso dos empréstimos sem garantia, aumentaram por seis trimestres consecutivos.
O MYbank, firma de créditos pela internet que atende apequenas empresas, divulgou em seu balanço anual mais recente que seus empréstimos com mais de 30 dias de atraso mais do que dobraram em 2022. A empresa, uma afiliada da gigante chinesa de tecnologia de serviços financeiros Ant Group, informou que o impacto da pandemia e do fraco consumo em 2022 levou muitos donos de pequenas e microempresas a se depararem com pressões contínuas.
Muitos bancos comerciais têm dado mais tempo para devedores pagarem, estendendo a tolerância para as pequenas empresas até este ano. Pequenas empresas cujos empréstimos venceram no quarto trimestre de 2022 terão até o fim de junho para pagar, segundo comunicado do banco central e de um grupo de reguladores.
Bancos chineses têm permitido que algumas pequenas empresas façam a rolagem de seus empréstimos, mas se no futuro não conseguirem pagá-los, isso acabará precisando ser reconhecido como inadimplência, segundo Jay Guo, ex-executivo de banco e atual diretor do Ningbo China Institute for Supply Chain Innovation.
“Só faz sentido prorrogar empréstimos se a economia se recuperar e essas empresas conseguirem vender seus produtos”, disse.
Ji, da associação de microcréditos, disse que, embora alguns setores, como turismo e serviços, tenham se recuperado nos últimos meses, pequenas empresas nos setores de indústria e comércio, entre outros, ainda estão sob pressão, já que a demanda continua muito mais baixa do que costumava ser.
As pequenas empresas estão se tornando vítimas de um ciclo vicioso que afeta toda a economia, de acordo com Xiangrong Yu, economista-chefe na China do Citigroup. O desempenho ruim de algumas empresas está levando à perda de confiança, e essa baixa confiança vem dificultando o progresso dessas empresas, afirmou.
Fonte: Valor Econômico