Por Adriana Cotias — De São Paulo
04/01/2023 05h02 Atualizado há uma hora
Num 2022 em que os multimercados registraram saques recordes de R$ 86,8 bilhões e interromperam uma sequência de seis anos de captação positiva (R$ 397 bilhões acumulados), conforme dados da Anbima, os portfólios com estratégia macro tiveram um dos melhores desempenhos da história recente. Há ganhos de até 39%, caso do Asa Hedge, seguido por SPX Raptor, Vinland e Capstone, com carteiras com valorização acima de 30%. Há ainda uma série de exemplos com valorização perto dos 20%.
É um conjunto que supera com folga os 12,4% da Selic efetiva no ano e os 13,6% do índice de hedge funds (IHF) da Anbima, que reúne carteiras dos mais diversos estilos. Essa foto parte de uma amostra feita por Einar Rivero, da TradeMap, com carteiras com patrimônio acima de R$ 100 milhões.
Foi o combo pró-alta de juros nos Estados Unidos e em outras economias e de queda das bolsas que permeou boa parte das estratégias de gestores ouvidos pelo Valor. Para 2023, o comportamento da inflação e o ciclo de aperto monetário americano são ingredientes que vão ser depurados para buscar retornos acima do CDI, o chamado alfa. No Brasil, em meio à transição de governo e dúvidas sobre o quadro fiscal, as posições estão por ora mais contidas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/V/I/oh1gCSRMyAO3S1KMPgpA/arte04fin-102-multi-c4.jpg)
No Asa Hedge, o time de gestão vinha privilegiando posições fora do Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e no segmento de commodities, onde as oportunidades pareciam mais claras, diz o gestor Filippe Santa Fé Cunha. O melhor cavalo, diz, é ficar “vendido” (apostando na baixa) nas bolsas lá fora. O fundo virou o ano mais leve em risco, e não há pressa para comprar ou vender até ter mais convicção de que a relação risco/retorno faz sentido. “O ano de 2023 tende a ser difícil para ativos em geral e, potencialmente, para as bolsas. Isso faz parte da evolução normal do ciclo econômico.”
Em 2022, a posição que refletia a percepção de alta dos juros americanos frutificou, principalmente no primeiro semestre, e foi mantido um colchão em renda variável porque as estimativas de crescimento de lucros apontavam para uma queda de ações que não seria disseminada. “Agora chegou a fase do ciclo em que a economia precisa desacelerar de fato, apesar de nos EUA a velocidade se mostrar menor do que o banco central gostaria para controlar a inflação”, diz Santa Fé. “Quando se olha para alguns setores, não dá para dizer que a política monetária está fazendo o seu trabalho.”
Com dados ambíguos, a gestão do Asa segue com pé atrás com a inflação e pensa em como monetizar o portfólio. “Uma hora o tranco vem. A posição tomada [em juros] funcionaria num cenário só, se de fato a inflação surpreender e o Fed [Federal Reserve, o BC americano] comunicar a intenção de subir juros, mas ficando vendido em bolsa a gente ganha também em outros cenários.” Já no Brasil, o gestor diz que o pano de fundo não inspira confiança. O principal problema é o fiscal, com dúvidas sobre qual será a nova âncora do novo governo para substituir o teto de gastos.
Em 2022, quando viu os BCs acelerarem a alta de juros, a Legacy montou posições prevendo que todos os ativos perderiam valor, com exceção das commodities, diz Gustavo Pessoa, sócio da gestora. Isso se refletiu em estratégias vendidas em juros e em bolsa. Na ponta comprada, a escolha foi ter uma alocação maior em petróleo, sob a leitura de que a demanda seguiria alta, em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia e pressões por investimentos em energia renovável.
Olhando para 2023, há a expectativa de altas de juros residuais, com o Fed encerrando o ajuste com a taxa pouco acima de 5% e o Banco Central Europeu (BCE) em 3,25%. Com a economia perdendo ritmo e a avaliação de que o pico inflacionário passou, a avaliação dentro da Legacy é que a política monetária e fiscal mais apertadas vêm surtindo efeito, diz Pessoa. No primeiro trimestre, o time da Legacy já espera que a Europa esteja numa recessão formal e que, à frente, venha uma desaceleração mais forte nos EUA. “Só que, diferentemente de outros momentos, a inflação ainda vai estar muito alta, os BCs não vão cortar juros tão rápido e a recessão pode se aprofundar.”
Com o freio econômico, a posição em que a Legacy mais confia hoje é a vendida em bolsa porque, com a manutenção de juros elevados, a expectativa é que haja revisão do lucro das empresas, algo ainda não plenamente incorporado aos preços das ações.
A China, por sua vez, ensaia ir na contramão de Europa e EUA, com o seu viés de reabrir a economia e incentivar o consumo após as políticas de isolamento social com a meta de covid zero durante 2022. “Isso vai fazer com que a demanda por commodities siga elevada, incluindo combustíveis, bens semiduráveis, mas também serviços”, diz Pessoa. “É uma carteira que hoje reflete a desaceleração [do mundo], com um asterisco em China.”
No Brasil, o gestor diz que a foto é boa, considerando-se dados como crescimento, inflação e dívida/PIB, mas adiante ele vê uma desaceleração cíclica por conta da alta de juros que levou a Selic a 13,75%. Na contramão vem uma expansão fiscal contratada que dificulta o investimento privado. “É esperar para ver a ordem de grandeza das novas políticas que o novo governo vai implementar e em que velocidade”, afirma Pessoa.
A expectativa do time da Legacy é que também venha algum elemento parafiscal, com taxas subsidiadas de crédito via BNDES e outros bancos públicos, o que faz com que a potência da política monetária seja reduzida e a inflação demore para ceder. “Se [o IPCA] não converge para a meta, o juro fica alto por muito tempo, esse é o nosso cenário base”, destaca Pessoa. “Ficou difícil saber se o próximo movimento de juros é para cima ou para baixo, depende muito das expectativas de inflação e do comportamento do real.” Com essa combinação, o gestor diz que a bolsa é o pior ativo no Brasil, enquanto em juros a casa já tem rodado mais leve.
Se o Brasil não tivesse questões de política econômica a serem definidas, seria um dos mercados elegíveis entre os emergentes para se construir posições pró-corte de juros, diz Caio Santos, sócio responsável pela área de relações com investidores da Ibiuna. “Considerando-se só o nível de juros em relação às perspectivas inflacionárias, teria algum prêmio dentro do grupo [de países] que a gente está virando a mão.” No México, ele diz que a gestora já está aplicada (apostando na baixa das taxas) há alguns meses, no Chile há posição menor nessa direção, e Brasil e Coreia seriam opções na mesma ponta.
Com a avaliação de que as economias desenvolvidas ainda estão terminando seus ajustes de juros, a exposição tem sido menor. A Ibiuna considera que o mercado ainda vai colocar nos preços elevações de taxas na Europa e algumas correções nos EUA. Ao longo do ano, a gestão espera compor a carteira com outros mercados que estão em vias de relaxar a política monetária. “A gente está num momento do portfólio como se fosse um ‘long/short’ [comprado e vendido], as posições não foram pensadas dessa forma, mas não há uma direção só”, afirma Santos.
Por ora, a gestão do multimercado macro da casa, liderada pela dupla de ex-BCs Mario Torós e Rodrigo Azevedo, está fora de Brasil e espera definições do novo governo para se expor taticamente. “A relação risco/retorno atual é ruim. Juros podem ser as principais posições à frente, e isso pode se traduzir também em exposição em moedas, mas não neste momento. E o mesmo valeria para a bolsa”, diz Santos.
A Ibiuna passou boa parte de 2022 tomada em juros americanos, depois extraiu retorno de estratégias na Europa e, por fim, migrou para os emergentes, capturando, por exemplo, todo o ciclo em Israel. Nos EUA, Santos diz que, se pudesse fazer uma única pergunta para alguém do futuro, seria qual o nível da inflação em dezembro de 2023, a fim de deprender qual o número que o Fed vai buscar com a sua política de aperto das condições financeiras. “Essa é uma pergunta difícil, a gente não vai acertar a resposta, está mirando na tendência.”
O multimercado da Clave Capital teve ganhos em juros, moedas e bolsas tanto no Brasil quanto no exterior, além de commodities, não “foi uma única tacada”, resume Rubens Henriques, sócio-fundador e CEO da asset.
A partir do quarto trimestre, a carteira mudou pelo entendimento que os juros futuros nos EUA estariam próximos de atingir o seu pico e, consequentemente o dólar também. Em conjunto com a recuperação da China, a avaliação é que isso pode se traduzir numa reaceleração cíclica, diz o sócio-gestor responsável pelo multimercado macro da Clave, Rodrigo Carvalho. A gestão passou a ficar aplicada em juros em países mais avançados no ciclo monetário ou em economias consideradas mais vulneráveis, como a canadense. O portfólio virou 2023 vendido em dólar e com operações de taxas de juros em mercados selecionados.
O gestor diz que não comprou bolsa, preferindo expressar a sua visão em juros e moedas. Carvalho considera que a revisão de lucro das empresas está atrasada em relação aos demais ativos.
No Brasil, a Clave chegou à eleição comprada em bolsa e no real, sob a leitura de que o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria guiado pelo pragmatismo econômico, descreve Carvalho. “O que aconteceu com o portfólio aqui é que a tese se provou errada”, afirma Carvalho. Mas, nos primeiros dias de ativos para cima após o segundo turno, o gestor zerou as posições direcionais e manteve o hedge que havia montado prevendo alta das taxas de juros futuras. Atualmente, o portfólio está levemente negativo.
Apesar de considerar os ativos baratos, Carvalho diz estar preocupado com a consolidação fiscal e espera ver os atos do novo governo antes de construir posições direcionais no mercado local. “Na realidade, há uma dominância da renda fixa, com os juros em quase 14%, e a NTN-B em 6,5%. Outros ativos, como bolsa e câmbio, se a renda fixa não tiver valor nesse preço, o resto também não tem. Qualquer ‘valuation’ que se faça em bolsa com 6,5% de juro real, na perpetuidade nada tem valor”, diz. “O país está num ponto do ciclo econômico em que se espera desinflação, mas sem dúvida há questões que podem atrapalhar a política monetária. A magnitude [dos juros] pode mudar se a resposta da política fiscal não for boa.”
Fonte: Valor Econômico

