Por Adriana Cotias — De São Paulo
29/11/2023 05h04 Atualizado há 5 horas
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/H/e/HBmt8TTku551tmJiXa1Q/arte29fin-101-multis-c1.jpg)
A indústria de multimercados está na berlinda. Com três anos difíceis em meio a ruídos fiscais, geopolíticos e mudanças na política monetária americana, “as placas tectônicas se mexeram” e muitos gestores não conseguiram capturar essas flutuações, segundo Adilson Ferrarezi, chefe de soluções de investimentos da Bradesco Asset Management.
“Há desafios para acreditar na classe para o período de 2024 a 2026” avalia o executivo, que participou na semana passada de evento da Trígono Capital.
Tanto no Brasil quanto lá fora faz sentido ter dentro do portfólio uma parcela em “hedge funds”, que podem se valer de múltiplas estratégias, desde que não seja dinheiro de liquidez. “É parte importante dentro da expectativa de retorno, tem que ser complementar a outras classes de ativos, mas a indústria passa por um momento de revisão”, afirma Ferrarezi. “Os gestores têm capacidade e dinamismo de entrar e sair de mercados de forma rápida, e o Brasil é um país de ciclos curtos… Ter essa flexibilidade é interessante, só que os resultados não têm sido condizentes com a capacidade e os mandatos.”
No ano, até outubro, os multimercados tiveram resgates líquidos de R$ 64,8 bilhões. Incluindo as saídas de novembro, até o dia 23, de R$ 18,5 bilhões, a conta já é negativa em R$ 87,5 bilhões, já superando os R$ 87,1 bilhões de 2022, quando a performance em geral foi boa. Os dados são da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. A classe reunia R$ 1,7 trilhão.
Um recorte até setembro mostra que os segmentos de private banking (-R$ 4,7 bilhões), varejo de alta renda (-R$ 15,0 bilhões), varejo tradicional (-R$ 2,2 bilhões) e por conta em ordem, que representa o fluxo das plataformas de investimentos (-R$ 18,3 bilhões), lideravam a movimentação negativa em 2023.
Esse deslocamento está ligado à oferta massiva de títulos de crédito e fundos (imobiliários, do agronegócio e de infraestrutura) com benefício fiscal para a pessoa física. Com a Selic ainda em dois dígitos, o retorno desses ativos acaba sendo turbinado.
Na recomendação via plataformas, o assessor de investimentos tem pouco incentivo para vender os multimercados porque numa emissão de dívida ou na oferta de um fundo imobiliário na bolsa, as comissões são gordas e vêm na frente, “depois ele pode pedir para o investidor sair no secundário e oferta outra coisa”, diz o chefe da mesa de distribuição de uma grande instituição financeira.
Para o executivo, a regulação é falha ao permitir que os agentes de distribuição sejam remunerados por produtos e não pelo cliente. A partir de abril de 2024, a instrução 179 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passa a exigir mais transparência nessa relação, com a abertura dos custos que o investidor paga pelos ativos que lhe são sugeridos e decide ter na carteira.
Nas assessorias de investimentos já há um movimento para que parte da base migre para o modelo de comissionamento fixo, com o cliente pagando um percentual do patrimônio, tendo de volta a parte do rebates de fundos que cabe aos escritórios.
Outro ajuste previsto na regulação que mina um maior alcance da classe, segundo executivo ligado à distribuição, é a proibição do rebate da taxa de performance para os fundos direcionados para o público geral. A nova regulação também exige a discriminação da taxa máxima de gestão dissociada da de distribuição. O preço do intermediário vai ficar explícito.
“Não é simples fazer gestão num ciclo volátil; mesmo em janelas longas o setor não se sobressai” — Adilson Ferrarezi
Um golpe adicional para os multimercados, segundo esse interlocutor, tende a ser a mudança na tributação dos fundos fechados exclusivos ou reservados a poucos cotistas, que passarão a ser taxados com o come-cotas, o imposto semestral que recai nos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais. Sem o benefício do diferimento tributário – em que as famílias ricas só pagavam imposto nas amortizações anuais de cotas ou na liquidação das estruturas, as carteiras ligadas a grandes gestores tendem a ser esvaziadas, já que o “desempenho não tem sido uma maravilha”, afirma.
Pelos dados da Anbima, em 2023, até 23 de novembro, só os multimercados de capital protegido têm ganhos superiores ao CDI no ano, com valorização média de 14,2%.
O alívio na cena global, com o aparente pico das taxas de juros americanas e o ciclo de queda da Selic no Brasil desenham um ambiente mais positivo para os multimercados adiante, diz Marcos Mollica, chefe de gestão das estratégias macro do Opportunity.
“Os multimercados apanharam, mas conseguem responder rapidamente a mudanças. Uma vez se tenha mais clareza do cenário, é um instrumento muito poderoso para capturar movimentos de juros, de bolsa e do mercado internacional. A agilidade se faz valer no momento de virada”, diz Mollica. Se no ano o retorno “foi sofrido” (6,6%), em novembro, os portfólios se recuperam, com valorização de 2,24% para o Opportunity Total, de maior patrimônio, até o dia 27, ante 0,74% do CDI.
Num segmento que inflou nos últimos anos, tem que ser muito seletivo, diz Ferrarezi, da Bradesco Asset. “Hoje a indústria tem mais de 900 gestoras e, do conjunto que a gente monitora, de 300 a 350 fundos, 95% não batem o CDI no ano, em 12, 24 e 36 meses”, afirma. “Não é simples fazer gestão de multimercados num ciclo volátil, mas mesmo quando se pega janelas longas o setor como um todo não se sobressai. Entre 250, a gente seleciona de dez a 15 gestores.”
O executivo acrescenta que num mapeamento recente identificou 63 transações de fusões e aquisições envolvendo a compra de assets menores por casas maiores. “A gente ainda acredita na capacidade da indústria de se reinventar, mas tem que fazer sentido. Não é mais como dez anos atrás que [a alocação] era renda fixa mais multimercado. Hoje é um pedaço dentro da diversificação e de oportunidades de geração de alfa [o retorno acima do referencial CDI].”
Durante os períodos de má performance, o investidor fica impaciente com aquela linha de resultado negativa na carteira, mas o papel do gestor de patrimônio é orientar o cliente para a importância de cada classe no conjunto dos seus ativos não só no ano, mas no longo prazo, diz Renan Rego, gestor de portfólio da G5 Partners.
“Cabe à gente dissociar o horizonte de curto prazo do de médio e longo prazos. Essa briga é constante, o cliente tem o anseio de que tudo performe bem. Num portfólio balanceado, tem que ter risco e riscos contrários”, afirma Rego. “Se todos os vetores estão numa direção única, no fim do dia você está exagerando no risco alocado. Se todas as linhas estão positivas em determinado período, a correlação dos ativos é alta, é um cenário em que não comprei proteções.”
Um experiente gestor de recursos do segmento macro observa que, quando um distribuidor compra participação numa asset independente, por exemplo, ele tem todo interesse que aquela gestora cresça. A força de venda pode ser deslocada para essas casas. “Não necessariamente o fundo é ruim, mas fica a dúvida se é o melhor para o investidor.” Assim, outros portfólios podem ficar escondidos na prateleira. “A promessa de plataforma aberta parece estar ficando só no discurso.”
Fonte: Valor Econômico

